Porquê um golpe de estado na Geórgia?

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 17/03/2023)

Para desilusão de Washington e Kiev, Tbilisi não se enredou num conflito com a Rússia, para onde estes a empurravam, desde fevereiro de 2022.


A Geórgia tem vindo a ser assolada nos últimos dias por violentos protestos junto ao parlamento, em Tbilisi, com o objetivo de impedir a aprovação de uma lei sobre agentes estrangeiros. Visava essa lei registar Organizações Não Governamentais (ONG), comunicação social e outras entidades financiadas por organismos estrangeiros. Todas as organizações sem fins lucrativos e de media, com um orçamento financiado em mais de 20% por entidades estrangeiras, deveriam ser registadas como agentes estrangeiros.

Com essa lei, as organizações em questão passavam a ter de declarar quem as financia. Com a transparência que proporcionava, a sua influência na sociedade corria o risco de vir a ser severamente afetada. Não será, por isso, de estranhar que cerca de 300 ONG tivessem assinado uma petição a condená-la.

Os manifestantes acusaram os legisladores de preparar uma lei que visava reprimir a sociedade civil e atingir os media independentes. Afirmavam ainda que impediria a adesão do país à NATO e à União Europeia (UE). Num país como a Geórgia, permanentemente assolado pela interferência externa, faz sentido estabelecer um quadro legal que o proteja da ingerência de agentes estrangeiros nos seus assuntos internos.

Os EUA clamaram ser a lei similar a uma lei aprovada na Rússia, em 2012, ao abrigo da qual o Kremlin encerrou várias ONG acusadas de apoiar políticos oposicionistas, omitindo, no entanto, o facto de disporem de uma lei semelhante, aprovada em 1938 – Lei de Registo de Agentes Estrangeiros dos EUA (FARA) – que exige a divulgação das pessoas que façam lóbi nos EUA, em nome de governos estrangeiros. O Canadá irá também criar um registo de agentes estrangeiros, como já existe na Austrália.

O partido no poder, que desde 2012 tem vindo a ganhar sucessivamente as eleições, passou convenientemente a ser acusado de pró-Moscovo, apesar de nunca ter desistido da ambição do país aderir à NATO e à UE. Contudo, para desagrado de alguns, essas opções de política externa não o inibiram de estabelecer um diálogo com Moscovo, dada a dependência económica e geopolítica do seu vizinho.

Para desilusão de Washington e Kiev, Tbilisi não se enredou num conflito com a Rússia, para onde estes a empurravam, desde fevereiro de 2022. Esse sentimento esteve patente nos protestos, quando os manifestantes gritavam “Sukhumi,“ o nome da capital da Abecásia. Com a memória de 2008 presente, Tbilisi sabe exatamente quais seriam as consequências dessa aventura. Não cedeu e não alinhou em criar uma segunda frente contra a Rússia.

Segundo um dos instigadores dos protestos, Vano Merabishvili antigo primeiro-ministro e ministro do Interior, apoiante do antigo presidente Saakashvili, o objetivo confesso destas ações é realizar um golpe de estado. Segundo ele, a “Ucrânia não está sozinha”. A “nova liderança georgiana combaterá a Rússia e apoiará Kiev em tudo”. “Somos praticamente aliados; devemos estar juntos e juntos devemos celebrar a vitória não apenas sobre a Rússia, mas também da entrada na UE, na NATO.”

Como em Kiev-Maidan, em 2014, também agora Washington esteve por detrás desta tentativa de golpe de estado sedicioso com o objetivo de derrubar um governo democraticamente eleito, demonstrando assim que o leitmotiv da sua ação não é a luta pela democracia, mas sim a consolidação do seu projeto geopolítico hegemónico. Como sempre, a geopolítica acabou por falar mais alto. Por isso, a servil UE mandou o normativismo às urtigas.


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Perder o medo!

(Hugo Dionísio, in Canal Factual, 15/03/2023)

Em Portugal fala-se grosso…

Diz o Presidente da AR, de um país que nem os impostos pode alterar, o Dr. Santos Silva, qualquer coisa como: “ou a China se comporta, ou leva com sanções”! Faz lembrar aqueles bullys da escola, tão agressivos quanto pequenos, mas que falam com voz grossa, no pressuposto de que têm as costas protegidas por quem julgam poder fazê-lo.

Todos sabemos quem SS julga possuir dimensão para tal! Todos sabemos em quem depositam, os micro poderosos europeus, as suas expectativas de segurança. Todos sabemos também, por conta de quem operam e como chegam onde chegam. Vejamos um caso paradigmático e na ordem do dia. A Excelentíssima Presidente da Geórgia, de seu nome Salomé Zourabishvili – ver  aqui -, nasceu em França, e tem ampla experiência governativa… Em França! Passou por todos os sítios que davam jeito à… França! Um deles, como embaixadora, na Geórgia, a cargo da… França! Agora comparem esta situação com a dos suspeitos do costume, em cujo país só pode concorrer ao cargo quem lá nasceu! Estão a ver a coincidência?

Mas, se o currículo vitae nos remete para os interesses que representa, por decorrência, entendemos qual foi a utilidade da “revolução das Rosas”, levada a cabo em 2003, mais uma das “coloridas”, encetadas pela CIA e pela U E. Este, infelizmente não é caso inédito. Que tal o caso de Natalie Jaresko? Nascida nos EUA, Ministra das Finanças da Ucrânia  pós Maidan, tendo estado apontada ao cargo de Primeira Ministra do país? Não acreditam? É tão escandaloso que a BBC o noticiou… Em 2014! Agora, nunca o fariam – ver aqui.

Mas também não era caso único. A eminente economista Aivaras Abromavicius, nacional da… Lituânia, foi ministra da economia e Aleksandre Kvitashvili, nacional da Geórgia, serviu, no mesmo executivo, como ministro da saúde. Todos com cidadania atribuída por Poroshenko. Que tal a “soberania” da Ucrânia?

Não se pense é que, por serem da nacionalidade respectiva, alguma coisa muda. Há gente que não tem pátria e a nação que representam não é a sua. Temos cá disso a dar com um pau, já desde a revolução de 1383-85. E a falarem “grosso”.

Estes breves exemplos, repercutidos por todas as dependências imperiais, desde tempos imemoriais, demonstram bem, de que fintas “democráticas” tanto se fala, e que “soberania” cabe a tais países, para decidirem o seu futuro. Esta factualidade demonstra, também, a razão pela qual tantos são atacados por não aceitarem tais regras “democráticas” e de defesa da “liberdade” e dos “direitos humanos”.

Por outro lado, percebendo para quem e por conta de quem operam, também entendemos a razão pela qual tão subdimensionados pigmeus políticos, se dão ao luxo de falar grosso com gente de porte. Afinal, não é na soberania do seu país que se suportam – porque sabem não o poder fazer -, mas na de outro.

Enquanto, por cá, queremos perseguir navios, com barcos que metem água e sem manutenção, os outros querem ganhar uma guerra sem possuírem uma base industrial capaz, sem munições armazenadas e usando um exército mandatado, formado por uma espinha dorsal, que mais não é, que uma bafienta iteração das SS. A este respeito, o que dizer da condecoração, pelo comediante que “serve” como presidente, de uma brigada militar, com o título honorífico “Edelweiss”, em memória de uma outra do III.º Reich? (Ver  aqui).

Se os factos – apenas factos – relatados anteriormente, constituem parte importante desta guerra, apelidada de “híbrida” (como tenho dúvidas quanto a este conceito, ndr.), em que uns vencem na propaganda e na mentira; outros, vão transformando, irremediavelmente, a substância, todos os dias, percorrendo novos passos, no sentido de uma mudança, cuja invisibilidade não poderá ser mantida, por muito mais tempo.

Enquanto uns falam de guerra fria, contenção deste e daquele país, derrota daquele e do outro, embargo do próximo, bloqueio de mais um e “pacotes” de sanções, atiradas contra as “autocracias”, normalizando a violência … Outros, os “autocratas”, tentam contruir um mundo onde todos caibam, aproximando as partes mais imprevisíveis, ultrapassando o centenário e bem ocidental esquema do dividir para reinar, normalizando o diálogo.

Claro que, para o comum dos cidadãos europeus, não cabe na cabeça que, outros países que não os “seus” (mas nos quais não mandam), possam estar a construir um mundo diferente, mais livre, porque mais soberano, mais inclusivo, porque baseado na igualdade e potencialmente mais democrático, porque constituído por países livres para fazerem as suas escolhas.

Afinal, o complexo de superioridade, lavrado ao longo de centenas de anos, é de tal forma profundo – enraizado nas velhinhas cruzadas -, que é impensável que qualquer problema, por mais remoto que seja o local, não seja causado por outros e não tenha de ser resolvido por estes. Só que, o mundo funciona ao contrário!

Daí que, nos dias que correm, pela importância do facto e se jornalismo houvesse, no nosso éter comunicacional, estar-se-ia, não apenas a noticiar, como a celebrar, a aproximação entre o Irão e a Arábia Saudita – ver aqui -,  promovida… pela China! E veremos como ficará a guerra do Iémen, patrocinada e fomentada pelos EUA contra o Irão.

Há uns meses escrevi que o fio condutor da China aproximava os países, entre os quais estes dois – ver aqui -, uma vez que, o Irão entrou na Organização de Cooperação de Xangai, quer entrar nos BRIC+, tal como a Arábia Saudita, e, ambos, estão envolvidos na BRI. Os negócios potenciais com a China são de tal forma vantajosos que, não deixariam de constituir um importante vector de aproximação. E com esta aproximação, conseguida após 4 dias de conversações, resolvem-se grande parte dos problemas no Médio Oriente, para desagrado dos promotores do dividir para reinar.

Dizer que, já a federação russa havia aproximado Turquia, Irão e Síria, também é importante, pois ajuda a demonstrar que os que são apresentados como agressores, afinal têm funcionado como agentes de conciliação de interesses, fugindo aos jogos da chantagem e opressão utilizados pelo Ocidente, segundo os quais, para alguém ganhar, um tem de perder. Foi sempre assim em tudo.

É a guerra na Ucrânia que só acaba com a “derrota total da Rússia”; só há acordo com o Irão se este prescindir do seu programa de mísseis; só há acordo na Síria se Assad sair; só acaba o bloqueio a Cuba se a revolução socialista acabar; só se retiram as sanções à Venezuela se a revolução bolivariana acabar; só retiramos a pressão sobre a China se o Partido Comunista for desmantelado… E por aí fora, num desfile interminável de exigências que só acaba com a submissão mais absoluta, bem acompanhada dos ministros, corporações, 0NG’s, comunicação social e organizações ocidentais, as quais visam garantir que aquele país nunca mais se levanta pelos seus pés. Tudo isto devidamente disfarçado de “democracia” e “liberdade”.

Entretanto, John Kirby não podia dar um sorriso mais amarelo, quando se referiu a esta aproximação das partes, dizendo que “tudo o que possa servir a paz na região…” Só que… Isto vem de quem, há uns anos, tinha como projecto de paz, para o médio oriente, a tomada de sete países muçulmanos em cinco anos – ver aqui. Tudo para a anular o antagonismo à única ameaça de paz na região, que se chama: entidade sionista do apartheid Israelita.

Mas o sorriso amarelo de Kirby tinha, ainda, outro motivo: a afirmação da China como agente liderante das relações internacionais, pela via da paz e da diplomacia, ao invés da auto-apregoada “guerra fria” ocidental. Eu pergunto-me sobre quantas doses de soporífero mediático são necessárias para um espectador ocidental considerar aceitáveis termos como “conter a China”, “bloquear o acesso da China ao Pacífico”, “guerra comercial à China”, “derrotar no campo de batalha” … Tudo linguagem belicista em relação a países que não atacaram nenhum país ocidental.

E se o soporífero funciona por cá, lá por fora já está tudo bem acordado. Este mundo alternativo que começa a surgir, e que deixa o Ocidente cada vez mais enfraquecido e isolado – entretanto entrado em autofagia -, olha para os EUA, não como líderes do que quer que seja, mas como o que realmente são, uma entidade opressora.

Mas, se na aparência da comunicação social dominante e entre os funcionários políticos arregimentados, a liderança mundial dos EUA e da sua “ordem baseada em regras”, constitui um facto incontestável; lá, onde as decisões tomadas, já não é bem assim! Afinal, o relatório anual de inteligência dos EUA já assume muitas destas realidades (ver aqui), o que não deixará de fazer com que muitos entrem em estado de pânico.

Este estado de pânico é semelhante ao que sucede quando um puto mimado ouve a palavra “não”! Primeiro entra em histeria, depois em pânico, por fim, em hiperventilação. Nessa altura desata a disparar para todo o lado, com “revoluções coloridas”, dez pacotes de sanções, abertura de dependências de ONG’s da CIA e frentes de guerra por encomenda.

Passada a fase do pânico, mas mantendo a histeria, estes adolescentes mimados iniciam um processo de açambarcamento, traduzido em ciclos de acumulação que visam pilhar internamente o que ainda há a pilhar. Eis o que nos está a acontecer agora, primeiro com o “subprime”, depois a dívida soberana, o Covid, a guerra, a “guerra fria” e agora um “subprime” tecnológico, em que o dinheiro é tão virtual como no primeiro. Uma dolorosa autofagia.

Alguma coisa os outros hão-de estar a fazer bem, comportando-se como adultos. Conversando em vez do bullying, comerciando em vez da pilhagem. É uma espécie de aplicação harmónica do Yin e do Yang à sociedade das nações não beligerantes, tornando-se, talvez, a base do que serão as nações unidas do futuro. Sem conselhos de segurança com uns que são mais iguais que outros.

É interessante observar que a opressão, imposta pelos EUA e suas dependências às restantes nações, produz uma realidade tão difícil e contraditória, capaz de forjar os melhores quadros políticos de que o mundo hoje usufrui. Ao invés, a realidade normalizada, estereotipada, em que vive a população ocidental, com os seus filtros e máscaras, em relação aos antagonismos – cada vez mais profundos -, tem produzido os mais tristes, irresponsáveis e incompetentes quadros de que há memória. Julgo que desta armadilha qualitativa, deste sistema de pilhagem já não sairá. Quem tem qualidade não governa, nem pode governar; quem pode governar, não governa, porque não tem qualidade. Resta o seguidismo, a cópia e a mimetização dos seus fúteis ídolos corporativos.

E para os que acusam os outros, de serem – ou quererem ser – Impérios… Eu deixo a questão: quantos países foram embargados, invadidos, sancionados, chantageados, ingeridos ou “revolucionados” por não aceitarem as propostas negociais em causa? Quantos foram obrigados, à revelia da sua vontade, a entrarem neste processo transformador?

Por que razão, a maioria das nações mundiais tende a querer negociar, com uns, e, a fugir dos outros? Burrice? Medo? Cobardia? Seguidismo? Sabujice? Ganância? Futilidade?

O que nos escondem, nas sociedades da “democracia” e dos “direitos humanos”, já para os outros se tornou evidente, há muito. Os EUA, e suas dependências ocidentais, já não podem “falar grosso” com ninguém! Os povos mundiais estão a perder o medo, e ai de quem oprime quando os povos perdem o medo!

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EUA provocam tumulto na Geórgia para abrir nova frente contra a Rússia

(Por Brian Berletic*, in Geopol.pt, 13/03/2023)

Já em 2003, o governo dos Estados Unidos patrocinou a mudança de regime na Geórgia


Não é coincidência que, enquanto Washington faz uma guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia, os conhecidos focos de problemas noutros pontos da periferia da Rússia tenham voltado a incendiar-se. Na região do Cáucaso, na nação da Geórgia, começaram os protestos, visando o actual governo e tentando obstruir uma lei de transparência destinada a expor e gerir o próprio tipo de interferência americana e europeia que impulsiona os protestos.

A BBC, no seu artigo, “A Geórgia protesta: A polícia empurra os manifestantes de volta do parlamento”, afirmaria:

«A polícia utilizou canhões de água e gás lacrimogéneo contra manifestantes na capital da Geórgia, Tbilisi, por uma segunda noite. As multidões estão zangadas com uma lei controversa de estilo russo, que classificaria grupos não governamentais e de meios de comunicação como “agentes estrangeiros” se recebessem mais de 20% dos seus fundos do estrangeiro.»

O artigo também dizia:

«Uma lei semelhante na Rússia tem sido utilizada para limitar severamente a liberdade de imprensa e suprimir a sociedade civil. “Pensamos que o nosso governo está sob influência russa e isso é muito mau para o nosso futuro”, disse Lizzie, um dos muitos estudantes que participaram nos protestos.»

No entanto, é bastante claro que por “sociedade civil”, a BBC está a referir-se a grupos de oposição patrocinados pelo Ocidente activos na Geórgia desde o colapso da União Soviética. Para além da ironia dos grupos de oposição patrocinados pelo Ocidente que se queixam da “influência russa” quando eles próprios são produtos da influência EUA-Europa, os protestos procuram especificamente obstruir as tentativas da Geórgia de proteger a sua soberania de Washington, Londres, e a influência injustificada de Bruxelas.

A BBC tenta lançar dúvidas sobre as motivações do governo georgiano para aprovar leis destinadas a expor o financiamento estrangeiro dentro do espaço político e mediático da Geórgia.

O artigo afirma:

«O presidente do Sonho Georgiano Irakli Kobakhidze disse que as críticas ao projecto de lei como sendo semelhante à própria legislação repressiva da Rússia eram enganadoras. “No final, a agitação acabará por desaparecer e o público terá transparência no financiamento das ONG”, disse ele.»

Contudo, Eka Gigauri da Transparency International disse à BBC que as ONG já estavam sujeitas a 10 leis diferentes e que o Ministério das Finanças já tinha pleno acesso a contas, financiamento e outras informações.

Embora no início possa parecer estranho que uma organização chamada “Transparency International” estivesse a argumentar contra uma maior transparência, especialmente no que diz respeito a algo tão sensível como o financiamento estrangeiro, um olhar sobre o próprio financiamento da Transparency International que inclui o Departamento de Estado dos EUA, a Comissão da UE, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, torna-se claro que a organização existe para fazer avançar os objectivos da política externa ocidental, especificamente à custa da transparência real.

A BBC tenta reforçar a sua narrativa alegando que os manifestantes estão a lutar pelo seu “futuro” na União Europeia, no entanto, o que a BBC está na realidade a descrever não é apenas uma repetição dos esforços de mudança de regime patrocinados pelos EUA que visaram a Ucrânia em 2014, desencadeando o conflito em curso no qual a Rússia interveio desde então, mas também uma repetição do desempenho da interferência dos EUA na própria Geórgia.

A História repete-se

Já em 2003, o governo dos Estados Unidos patrocinou a mudança de regime na Geórgia.

Num artigo de 2004 do Guardian londrino intitulado, “Campanha dos EUA por detrás da agitação em Kiev”, o jornal não só fala da interferência dos EUA na Ucrânia no meio da chamada Revolução Laranja, mas também na Sérvia e na Geórgia.

O artigo admite:

«…a campanha é uma criação americana, um exercício sofisticado e brilhantemente concebido no branding ocidental e no marketing de massas que, em quatro países em quatro anos, tem sido utilizado para tentar salvar eleições fraudulentas e derrubar regimes repugnantes.»

Financiada e organizada pelo governo dos EUA, destacando consultoras americanas, sondadores, diplomatas, os dois grandes partidos americanos e organizações não governamentais dos EUA, a campanha foi utilizada pela primeira vez na Europa em Belgrado em 2000 para vencer Slobodan Milosevic nas urnas.

Richard Miles, o embaixador dos EUA em Belgrado, desempenhou um papel fundamental. E no ano passado, como embaixador dos EUA em Tbilisi, ele repetiu o truque na Geórgia, treinando Mikhail Saakashvili em como derrubar Eduard Shevardnadze.

A partir de 2003, os Estados Unidos iriam fornecer armas e treino aos militares da Geórgia. Em 2008, a Geórgia atacaria a Rússia numa guerra por procuração, que em muitos aspectos justifica as preocupações de segurança nacional de Moscovo em relação à Ucrânia a partir de 2014.

Enquanto muitos, tanto nos governos ocidentais como nos meios de comunicação social, tentam retratar o conflito de 2008 como uma “invasão russa”, a Reuters num artigo de 2009 intitulado, “A Geórgia iniciou uma guerra com a Rússia”: relatório apoiado pela UE”, relataria:

“Na opinião da Missão, foi a Geórgia que desencadeou a guerra quando atacou Tskhinvali (na Ossétia do Sul) com artilharia pesada na noite de 7 para 8 de Agosto de 2008”, disse a diplomata suíça Heidi Tagliavini, que liderou a investigação.

O texto observaria também:

«…as conclusões foram particularmente críticas quanto à conduta do aliado norte-americano Geórgia sob a presidência do presidente Mikhail Saakashvili e são susceptíveis de prejudicar ainda mais a sua posição política.»

Foi Mikhail Saakashvili que o Guardian, no seu artigo de 2004, admitiu ter chegado ao poder na sequência de interferência política “organizada pelo governo dos EUA”.

Georgia novamente um procurador:
Washington procura uma nova frente contra a Rússia

Apesar do que muitos manifestantes em Tbilisi podem pensar estar a protestar, a realidade é que Washington procura abrir uma segunda frente contra a Rússia para melhorar as suas probabilidades em relação à sua flagrante guerra por procuração na Ucrânia.

Longe de especulações, a utilização da Geórgia exactamente para este fim foi articulada em detalhe num documento da RAND Corporation de 2019 intitulado, “Estendendo a Rússia“.

Entre outras medidas destinadas a alargar e esgotar a Rússia, incluindo “Fornecer ajuda letal à Ucrânia”, estava a “Explorar as tensões no Cáucaso do Sul”.

O documento é elaborado:

«…os Estados Unidos poderiam pressionar para uma relação mais estreita da NATO com a Geórgia e o Azerbaijão, levando provavelmente a Rússia a reforçar a sua presença militar na Ossétia do Sul, Abcásia, Arménia, e Sul da Rússia.»

A Rússia sendo forçada a reforçar a sua presença militar na Ossétia do Sul, Abcásia, Arménia e sul da Rússia, Washington espera, desviaria recursos da Ucrânia.

O documento explica melhor:

«A Geórgia há muito que procura a adesão à NATO; aderiu ao Conselho de Cooperação do Atlântico Norte em 1992 pouco depois de se ter tornado independente e aderiu ao programa da Parceria para a Paz em 1994. Em teoria, os aliados colocaram a Geórgia no caminho da adesão, mas a guerra russo-georgiana de 2008 colocou este esforço num impasse indefinido. A Geórgia, contudo, nunca desistiu das suas ambições da NATO, participando em operações da NATO no Mediterrâneo, Kosovo, Afeganistão, e noutros locais. Se a oposição europeia impedir a adesão da Geórgia à Aliança, os Estados Unidos poderiam estabelecer laços de segurança bilaterais.»

Claro que tudo isto depende de que a Geórgia seja dirigida por um regime de clientes americanos obedientes, o que exige os protestos actuais que também em e por si mesmos criam instabilidade ao longo das fronteiras da Rússia e servem o mesmo objectivo de aumentar a pressão sobre a Rússia em geral.

Enquanto o recente artigo da BBC sugere que os manifestantes na Geórgia estão a lutar pelos seus melhores interesses, a RAND Corporation revela quão devastadora tem sido a utilização da Geórgia pelos Estados Unidos contra a Rússia.

As observações de relatórios:

«Em agosto de 2008, após a ruptura dos acordos de paz com separatistas, a Geórgia travou uma breve guerra sobre os enclaves da Ossétia do Sul e da Abcásia, duas províncias pró-russas semi-independentes da Geórgia. A guerra revelou-se desastrosa para a Geórgia. A Rússia interveio rapidamente e acabou por ocupar ambas as regiões e, brevemente, também outras partes da Geórgia. A Geórgia assinou um acordo de cessar-fogo a 14 de Agosto de 2008, apenas oito dias após a intervenção russa. No entanto, as forças russas permanecem na Ossétia do Sul e na Abcásia, ambas as quais declararam desde então a sua independência.»

O jornal adverte também que se Tbilissi pretendesse aderir à NATO, “a Rússia poderia muito bem intervir novamente”.

Tal como na Ucrânia, onde a política externa dos EUA desviou a nação, o seu povo, o seu governo e as forças armadas, colocando-a no caminho da autodestruição total, os EUA procuram incendiar e queimar outras nações ao longo da periferia da Rússia, numa tentativa de “estender a Rússia”, como dizem literalmente os documentos de política dos EUA nos seus títulos. Isto inclui a Geórgia.

Para além disso, o facto de os manifestantes patrocinados pelos EUA se queixarem da “influência russa”, mas lutarem avidamente contra legislação destinada a tornar o financiamento estrangeiro mais transparente, ilustra mais uma vez como supostos “valores ocidentais” são meras cortinas de fumo por detrás das quais os EUA e os seus aliados avançam com os seus objectivos de política externa em contravenção ao direito internacional, e não em apoio do mesmo.

  • Autor: Ex-marine, investigador e escritor geopolítico 

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