Falta de memória ou cegueira ideológica na análise da História recente de Portugal? 

(Emanuel Augusto dos Santos, in Expresso, 05/05/2018)

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(“As pessoas que estavam lado a lado com Sócrates ou com Pinho ou eram totós ou cínicas”

Lobo Xavier – SIC, Quadratura do Círculo 26 de abril de 2018)


Foi com estupefação e indignação que ouvi Lobo Xavier dizer a frase em epígrafe, repetindo-a para lhe dar maior ênfase. Não é adequado para fazer prevalecer a nossa opinião que se passe do terreno da argumentação lógica e fundamentada nos factos para os ataques de carácter, e quando estes não se dirigem apenas a uma pessoa mas a um conjunto generalizado de indivíduos a falta é ainda mais grave. Será que Lobo Xavier não se dá conta de quantas pessoas está injustamente a caluniar? Será que é assim que se fortalece a democracia e se dignifica o exercício de cargos políticos? Ou, agora noutra perspetiva, será que Lobo Xavier se esqueceu porque é que José Sócrates ganhou as primeiras eleições com maioria absoluta? Certamente que a punição severa que o povo lhes infligiu nas eleições de 2005 não foi pelo imaculado comportamento e a ação política exemplar do Governo PSD/CDS que antes esteve no poder.

Quando tenta a análise dos factos históricos, Lobo Xavier esquece-se ou, pior, oculta deliberadamente que há um período antes da crise financeira internacional, que foi desencadeada pela falência do então quarto maior banco do mundo, o Lehman Brothers, e um período depois desse evento, que foi classificado pelos economistas de reputação mundial como a Grande Recessão. De 2005 a 2008, Portugal, que entrara num Procedimento por Défices Excessivos na sequência do grave desequilíbrio das contas públicas deixado pelo Governo de Santana Lopes, não só reduziu o défice público o suficiente para sair desse procedimento como o fez um ano antes do prazo que lhe tinha sido dado pela Comissão Europeia. Em termos de desempenho macroeconómico, recorde-se apenas que em 2007 o PIB cresceu em termos reais 2,4 por cento, valor que só no ano passado foi ultrapassado. Como todos sabemos, e Lobo Xavier também o sabe, a crise económica e financeira internacional afetou todas as economias e teve reflexos muito negativos nas finanças públicas de todos os países pertencentes à área do euro e não só. Assim, imputar ao Governo de Sócrates todas as responsabilidades do que aconteceu às finanças públicas portuguesas é um erro fatal de análise política, económica e financeira. A Grande Recessão foi, com efeito, uma época negra, mas não apenas para Portugal. A queda do PIB em 2009 foi generalizada e, em média, até foi mais acentuada no conjunto da União Europeia do que no nosso país.

É claro que podíamos confrontar Lobo Xavier com os resultados da política de austeridade encabeçada por mais um Governo PSD/CDS, mas não é este o propósito e, por isso, deixamo-lo apenas com este dado estatístico: segundo o IGCP, a dívida direta do Estado aumentou 74,6 mil milhões de euros entre o final de 2010 e o final de 2015, o que dá quase mais 50 por cento em relação ao valor deixado pelo Governo PS. É caso para dizer, Lobo Xavier, se Portugal estava à beira da bancarrota, do abismo, o Governo PSD/CDS fez o país dar este salto em frente, e repare-se que não foi pequeno.


Secretário de Estado do Orçamento entre 2005 e 2011 

A quadratura do fogo

(Estátua de Sal, 19/10/2017)

 

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Acabei de ver agora mesmo a Quadratura do Círculo. Hoje o tema foi monocolor – vermelho vivo. Os incêndios e as falhas do Governo, sobretudo estas.

Começo pelo Jorge Coelho que, como bom beirão, me pareceu ser o único que compreendeu, de facto, a tragédia que desabou sobre a vida de milhares de pessoas do interior e em relação às quais manifestou sincero pesar.  Reconstruir, reconstruir, reconstruir foi o seu reiterado mote. Ao ponto de se recusar a comentar a moção de censura, as admoestações de Marcelo ao Governo, a politiquice baixa da direita e todo o elenco de manobras sujas do comentariado de serviço, para virar a opinião pública contra o Governo.

Pacheco esteve igual a si próprio. Tentou antever as consequências que a resposta atabalhoada do governo irá ter na opinião pública e sobre os níveis de popularidade de António Costa e do PS. Para Pacheco, os acontecimentos em causa, irão previsivelmente, originar uma ruptura no apreço e na adesão à imagem do Governo. Sem desculpar a governação, chamou, contudo, a atenção para as restrições de déficit e dívida que a UE impõe ao país e que certamente lhe limitam o investimento necessário numa política florestal e de protecção civil que possa evitar, no futuro, tragédias desta dimensão, facto que a direita se esforça por iludir e que nunca refere. E também perguntou a que título, depois de Pedrogão, não foram requisitadas as Forças Armadas para tarefas de prevenção aos incêndios, apontando tal inoperância como mais uma das falhas do governo. Ó Pacheco, aí falhaste tu, e o tiro saiu ao lado. Então quem manda na tropa, não é o Presidente da República, que é o Comandante em Chefe das Forças Armadas? Marcelo que se mete em tudo, que demite ministros pela televisão, que abraça velhinhas e visita destroços, não terá culpas no cartório nesse quadro de ausência dos militares? Parece-me bem que sim, e por isso me parece também que Marcelo tem também, nesse quadro os seus telhados de vidro. Mas adiante. O que está na agenda é o ataque ao Governo,

O Xavier também esteve igual a si próprio, sobretudo ao nível do descaramento e da falta de vergonha. Que não estava ali para discutir as causas estruturais dos fogos – porque aí não poderia ignorar a acção de Cristas à frente do Ministério da Agricultura -, que não estava ali para debater as medidas de fundo a tomar para salvar o que resta da floresta, não, estava ali para discutir só os episódios recentes e pôr a nu as falhas da governação. Muito bem, ó Xavier. Ao menos desta vez foste claro, e não sonso como costumas ser. E por isso aplaudiu a moção de censura da Dona Cristas, e toda a exploração que a oposição tem feito dos fogos, congratulando-se contudo – aquando do comentário sobre a demissão da Ministra da Administração Interna -, com a nomeação de Pedro Siza Vieira, advogado de negócios para o cargo de Ministro Adjunto. Percebido, ó Xavier. Tu que também és advogado de negócios, uma espécie de eminência parda representando interesses privados que se alimentam há décadas de relacionamentos nem sempre transparentes com o Estado e os seus agentes, deves achar que aí estará mais uma oportunidade para umas rechonchudas facturas de consultoria. Só espero que te enganes. E mais te digo, ficou claro que te estás positivamente nas tintas, para os mortos dos incêndios, para as casas destruídas, para as vidas desfeitas. Business is business e o dinheiro é o teu profeta. E se tu, tal como muitos outros, também acusaste o Costa de insensibilidade perante a tragédia, também te digo, que apesar de achares que compuseste muito bem a imagem, que usaste um tom choroso e sentido, cá para mim ficou claro que patenteaste uma insensibilidade ainda maior. Como bom cristão que dizes que és, por teres usado e abusado das vítimas dessa forma, deves de imediato recorrer à confissão e ao cilício de uma penitência castigadora.

Em suma, foi unânime a conclusão de que o  governo falhou. Mas vejamos o que não foi dito e as perguntas que a direita não faz.

  1. O que poderia ter feito o Governo para acudir a 530 fogos simultâneos em condições climatéricas mais que adversas? Por muitos meios que existissem e que fossem mobilizados poderia somente minimizar os efeitos da tragédia, provavelmente reduzir o número de vítimas, mas nunca evitar completamente que existissem vítimas.
  2. Será que 530 fogos em simultâneo podem ser assacados apenas a causas naturais?
  3. E se estivéssemos em presença de um plano orquestrado e urdido, terrorismo clandestinamente organizado, de forma a criar o caos e a destruição, tentando que o alarme social assim gerado possa ferir de morte a imagem deste Governo, abrindo as portas a um hipotético regresso da direita ao poder?
  4. Será que, nessa hipótese, haverá algum governo que possa ter meios no terreno que evitem a tragédia? Será que haveria algum governo que não sucumbisse e não revelasse falhas no combate ao flagelo e a um ataque desse tipo?

O único que tentou aflorar esta hipótese explicativa para tantos fogos, tão intensos e tão sincronizados, foi Pacheco Pereira, na sua última intervenção, já a fechar o programa. Estranhamente, ou talvez não, o incómodo perpassou pela sala, o Xavier baixou o olhar, o Coelho salivou o silêncio, o moderador, Carlos Andrade, tentou desconversar e perante a insistência de Pacheco no tema fechou o programa a correr:

— E assim termina a Quadratura do Círculo, na próxima semana, Pacheco Pereira, Jorge Coelho, Lobo Xavier…. – foi ele dizendo.

E assim também eu termino esta crónica, com o conhecido adágio galego:

— Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay

A Quadratura da Cristas

(Por Estátua de Sal, 20/10/2016)

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A Cristas na Quadratura do Círculo, hoje na SICN, a substituir o Xavier que deve ter ido a banhos. A Cristas diz que tem muitas propostas, e quer dar o ar de menina muito educadinha. Mas tem uns temores: são “as esquerdas”. As esquerdas radicais tiram-lhe o sono, coitada.

Eu talvez saiba porque não se diz “as direitas”. A razão é simples: é que só há uma direita, eles são todos iguaizinhos. Só muda a cor do colarinho.
O Jorge Coelho é como o adesivo. Cola em tudo. Tem sempre muita consideração pelos seus interlocutores da direita. Até pelo Passos Coelho, que disse não conhecer, em termos de relações pessoais próximas no programa anterior, mas em relação ao qual disse ter muita consideração. Pior ainda. Foi dizendo que o Jorge Moreira da Silva, que já abandonou o Passos Coelho, e vai para um tacho dos grandes na OCDE, é um “grande senhor da política portuguesa”!?
Ó Jorge Coelho, não havia necessidade: nem a Cristas merece qualquer consideração especial, nem o Moreira da Silva é um grande senhor de coisa nenhuma, quanto mais da política portuguesa. É um tipo que vai muito pouco além do metro e meio, logo não é grande em altura e na política não passou de uma câmara de eco do Passos Coelho, sem qualquer iniciativa de jeito além do imposto sobre os sacos de plástico.
O Pacheco começou por ficar numa postura de cavalheiro, não amolgando muito a senhora. Sim, porque ela foi para ali repetir os chavões que usa no parlamento e que fala para as televisões, e de análise política viu-se zero. Contudo, depois chegou-lhe duro, quando lhe perguntou se alguém que ganhe 2500€ por mês vai ou não pagar menos impostos no ano que vem. A Cristas, para se safar lá foi dizendo que não , que não vai se beber muita coca-cola e se der muitos tiros devido ao aumento do imposto sobre as balas! Um pouco ridículo, ter que recorrer “à caça ao coelho” para poder dizer que os impostos vão subir para a classe média, quando está mais que claro que irão descer.
Fiquei, além disso, até a conhecer a nova utilização de um verbo que é hoje pouco comum ouvir-se, e que foi usado num contexto totalmente inédito. Disse ela que já se sabia que não era com um choque de consumo que a economia ia “arrebitar”.
Ó D. Cristas, a economia a “arrebitar”, fez-me logo ter maus pensamentos e levar a economia para debaixo do pano, como cantava o Nei Mato Grosso. Acto falhado diria o Freud, caso a mandasse deitar no divã num exercício de “associação livre”.
E por tudo isso também me lembrei de uma canção antiga da música popular e cujo refrão é deveras apropriado à situação da líder do CDS:
“Ai ó Cristas se queres ser política, arrebita, arrebita”.