Presidenciais: o silêncio dos não inocentes

(João Garcia, in Expresso Diário, 19/01/2021)

João Garcia

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Uma viagem pelas crónicas de comentadores nos jornais, nas televisões e nas redes sociais, uma leitura dos “posts” de alguns conhecidos militantes termina numa constatação: anda muito pensador socialista e social-democrata alarmado com a votação que André Ventura poderá recolher. Mas se os militantes estão assustados, os partidos do centro nem por isso. Respondem com o silêncio à preocupação dos simpatizantes.

PS e PSD demitiram-se destas eleições. Fugiram. Enquanto meio mundo grita que será um sufrágio muito importante, por causa da pandemia e, principalmente, pela ameaça da extrema-direita, os dois principais partidos assobiam para o lado. Enquanto centros de pensamento, sempre prontos a reagir a tudo o que é imediato, nada sobre o essencial. O silêncio. E, no entanto, muito haveria a dizer.

Mesmo o presidente-candidato, um homem que se reclama da direita social, deixa os tempos de antena em branco, quando poderia usá-los para denunciar os perigos da direita-radical-não social. Para o “rei” Marcelo Rebelo de Sousa, pelos vistos, o problema não assusta.

O CDS, o partido que maiores estragos poderia fazer ao seu adversário de direita, fica em casa. Estranho, quanto mais não seja porque estão a roubar-lhe pela porta das traseiras o que quer fechar a sete chaves. Não chega a ninguém, deixa que lhe cheguem.

Indiferentes, estes partidos nada dizem. São o bloco central da indiferença. Compare-se a reação social inqualificável à baixeza sobre lábios vermelhos com o estrondoso silêncio do Largo do Rato e da São Caetano à Lapa. Que saudade do tempo em que os partidos tinham opinião. Agora, estão prontos, apenas, para a chicana parlamentar, para dar argumentos ao Chega ao invocar o seu estatuto de vítima. É o silêncio dos culpados, daqueles que conduziram a politica pelo caminho que levou a radicalismos.

Valham-nos os candidatos que têm tido a preocupação de o combater. Bem ou mal, pelo menos tentam.

Enquanto escolas de pensamento, PS e PSD mostram o que valem. Nada.

Há uns militantes conhecidos que dão, timidamente, a cara por um dos candidatos, mas nada de rasgar a camisola – como se dizia no futebol de antigamente –, quando se dava tudo pelo clube. Impera o silêncio, que o tempo não é de compromissos.

Já muitos o afirmaram. Nem a socialistas nem a sociais-democratas interessam grandes votações em qualquer dos candidatos. Um Marcelo forte é mau para as ambições de Rui Rio e deixa António Costa intranquilo. Uma Ana Gomes com bom resultado ameaça o PS de Costa e seguidores e fortalece a esquerda, circunstância que não cairia bem a Rio. Marisa ou Ferreira ou Mayan com boas votações também não lhes servem. Resultados pouco temperados são os melhores para estes “chefs” de cozinha de espumas e reduções. Uma intervenção contra a extrema-direita poderia dar outro paladar a eleições que preferem insípidas.

Mas esta indiferença, este taticismo, este pragmatismo e esta “realpolitik”, além de mostrarem uma demissão no combate ideológico, poderão ter um efeito que lhes será nefasto. Que sucederá aos grandes partidos quando se perceber que nada contribuem para o pensamento político? Nada que indigne os atuais líderes, apenas preocupados com o imediato.

Ou será que está meio mundo enganado e a ideologia de extrema-direita de Ventura, o seu estilo arruaceiro, as calúnias, as falsidades, a violência patente no estilo, o Trumpismo, vão acabar a 24 de janeiro? Desenganem-se.


Eleições presidenciais – Carta aberta aos socialistas

(Carlos Esperança, 26/12/2020)

Car@s socialistas

Sou um social-democrata sem vínculo partidário, desolado com as intenções de voto no candidato Marcelo Rebelo de Sousa, por quem se diz de esquerda e simpatizante do PS.

“Quem não se sente não é filho de boa gente”. Recordo aos ingénuos que Marcelo é um candidato de direita, que prescinde de campanha eleitoral porque apenas prolonga a que faz há cinco anos, permitindo-se ofender-vos e humilhar-vos.

Esquecem-se da ameaça a Mário Centeno quando solicitou dois lugares no camarote do presidente de um clube de futebol, para ele e filho, por razões de segurança, no estádio onde tem camarote privativo? Foi vil a afronta que o ora recandidato então lhe fez.

Mário Centeno não foi convidado de Ricardo Salgado para o jantar preparativo de uma candidatura presidencial nem lhe aceitou férias no Brasil. É um servidor público da mais elevada competência e probidade.

Constança Urbano, ministra da Administração Interna, quando da tragédia dos fogos de Pedrógão, não merecia a sua crítica, cruel e gratuita, que a levou à demissão para gáudio da direita e benefício da sua imagem de narcisista impenitente.

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O PS permitiu ao PR Marcelo brilhar onde não tinha competência legal, protegeu-o nas erráticas deslocações ao estrangeiro, sendo a diplomacia reserva exclusiva do Governo, e tolerou-lhe as reincidentes intromissões na esfera da sua competência. A ida ao Brasil, à posse de Bolsonaro, um imbecil que o despachou sem lhe ligar importância, mereceu-lhe a desculpa de que ‘uma conversa entre irmãos não precisa de muito tempo’. Nem lhe deu tempo para lhe falar dos ‘sobrinhos’, filhos e netos de Marcelo a viverem no Brasil!

Como pode um simpatizante do PS, sem lhe tremer a mão, desenhar uma cruz em quem crucifica o Governo de António Costa? Que este tenha anunciado o voto em Marcelo foi a atitude de quem quis poupar o partido à derrota, mas não é estímulo para votarem nele os eleitores de um partido social-democrata*, nos bons momentos, com António Costa, e liberal, em outros.

Marcelo é um Cavaco de berço urbano, filho de um ministro da ditadura fascista, não é o salazarista a cheirar a combustíveis e a bolçar rancor. É inteligente, culto e simpático, o oposto do seu antecessor. Prefere a intriga sibilina ao primarismo da verrina.

Caros simpatizantes do PS, nunca repararam que Marcelo respeita a AR e os Tribunais e combate o Governo quando lhe é útil? Ignoram as críticas ao SNS de quem votou contra a sua criação? Esqueceram António Arnaud e os partidos que o votaram com o PS?

Marcelo, tão loquaz, calou-se quando um desembargador viu no adultério feminino uma razão atenuante para os crimes de sequestro e bárbara agressão pelos ex-companheiro e ex-marido, citando a Bíblia, com intolerável misoginia.

Digerem a ofensa de convocar o diretor da PSP e pôr o desastrado polícia a provocar o MAI, que Marcelo queria demitido, constrangendo-o a não destituir o polícia?

Não veem o defensor da medicina privada a inquietar e perseguir a dedicada ministra da Saúde, altamente qualificada e competente, para agradar aos seus correligionários?

Car@s simpatizantes do PS, não sentem vergonha a votar em quem, ainda PR, disse que o governo seu preferido seria do PSD/CDS, naturalmente com o fascista, se necessário?

Deviam pelo menos refletir por que motivo preferia um governo PSD/CDS e não apenas PSD. Marcelo, que não conseguiu ser PM ou presidente da Câmara de Lisboa, sabe que só terá poder e influência com governos que não tenham uma maioria coesa.

Car@s simpatizantes e militantes do PS, o vosso voto em Marcelo é uma leviandade de que vos arrependereis. Sois a água do Tejo onde ele mergulha, o táxi que o reconduz a Belém, o cheque em branco a quem vai ao beija-mão de todos os bispos e morde a do nosso PM e vosso secretário-geral. Não é por mal, é uma questão de carácter. A vossa ingenuidade é que é péssima, e ainda há tempo para reflexão.

* Os partidos sociais-democratas chamam-se socialistas em Portugal, Espanha, França e Grécia, Trabalhistas no RU e outros países, diferente da Alemanha e países do norte da Europa. Os simpatizantes deviam conhecer o ideário social-democrata para não votarem no adversário de direita.