Assunção Cristas, o sentido de Estado e a linguagem

(Carlos Esperança, in Facebook, 31/08/2017)

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A presidente do CDS, agremiação cujo desvio reacionário afastou o fundador, procura a permanência no cargo que Nuno Melo aguarda. Este é o genuíno herdeiro ideológico do tio, cónego Melo, o da estátua de 7,5 metros que decora Braga, cuja lealdade a Salazar, ao MDLP e ao ELP era à prova de bomba. Além disso, tem perfil miguelista e caceteiro.

Assunção Cristas, acossada dentro do partido que espera o seu fracasso em Lisboa, onde até o PSD de Passos Coelho conseguirá derrotá-la, esbraceja para se manter à tona num clube condenado a ser a muleta de qualquer PSD.

Curioso é o carinho que a comunicação social lhe dispensa, não faltando a condenação ao primeiro-ministro a quem a senhora deputada, chamou reiteradamente mentiroso, no Parlamento, por tê-la designado por “aquela senhora”, indelicadeza despercebida pela minha origem social e débil domínio do léxico urbano.

A excelsa senhora, que não considera a palavra “mentiroso” um insulto, também viu na referência à sua virtuosa dignidade um “tom de linguagem menos próprio”.

Impróprio é liquidar o grupo económico GES/BES, num Conselho de Ministros virtual, a pedido de uma amiga pouco recomendável, por email, e sem conhecimento do dossiê. Impróprio foi pensar que a carreira académica e umas galochas conferiam competência suficiente para sobraçar uma pasta onde a sua inépcia foi posta à prova.

O que urge perguntar aos portugueses, mesmo aos nostálgicos do Governo PSD/CDS, é se preferem Passos Coelho a António Costa, Cavaco a Marcelo, e Maria Luís a Mário Centeno.

Gostava de poder contar o número de eleitores assumidamente sadomasoquistas.

Inocência por incompetência?

(Francisco Louçã, in Público, 14/03/2017)

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Tinha mesmo que vir: o argumento da inocência por incompetência era o que sobrava aos anteriores ministros PSD-CDS quando confrontados com o Nunciogate. Maria Luís Albuquerque anda fugida dos microfones, o que nem é hábito dela, mas Assunção Cristas enterrou-a sem piedade, quando perguntada sobre se ainda concorda com a resolução do BES tal como ocorreu:

“É uma pergunta difícil, porque, mais uma vez, volto a este ponto, nós não discutimos os cenários possíveis no Conselho de Ministros. Aliás, a resolução do BES foi tomada pelo BdP e depois teve de ter um diploma aprovado pelo Conselho de Ministros. É aí que critico um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver, o Conselho de Ministros não tem nada que ver, mas no fim da história é ele que tem de aprovar o decreto-lei. Esse decreto-lei foi aprovado com uma possibilidade regimental que era à distância, electrónica. Eu estava no início de férias e recebi um telefonema da ministra das Finanças a dizer: ‘Assunção, por favor vai ao teu email e dá o OK, porque isto é muito urgente, o BdP tomou esta decisão e temos de aprovar um decreto-lei.’ Como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiers, a única coisa que podemos fazer é confiar e dizer: ‘Sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK.’ Mas não houve discussão nem pensámos em alternativas possíveis — isto é o melhor ou não —, houve confiança no BdP, que tomou uma determinada decisão.”

Assunção Cristas “critica um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver” e depois se aprovar um decreto-lei, mas “a única coisa que podemos fazer é confiar” sobretudo se estamos em férias e “sem conhecer os dossiers”. Claro que “não houve discussão nem pensámos em alternativas possíveis”. É delicioso, é uma forma de governar que tem uma leveza que é toda CDS, “sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK”.

A teoria é então esta: nunca se discutiu em Conselho de Ministros nada sobre a banca, Passos Coelho entendia que isso era só com o governador do Banco de Portugal, que tinha reempossado. “Não me recordo de todos os detalhes, mas posso dizer-lhe isto garantidamente: nunca os temas da banca foram discutidos em profundidade em Conselho de Ministros”, acrescenta a líder do CDS. Em “profundidade” nem pensar. E explica: “Fazia parte da visão do primeiro-ministro. O primeiro-ministro sempre teve uma visão que é esta: a banca e o pilar financeiro do resgate eram tratados pelo Banco de Portugal (BdP), que tinha as funções de supervisor independente, e o Governo não deveria meter-se nessas questões. Esta foi sempre a visão do primeiro-ministro.” Conclusão final: “Portanto, o Conselho de Ministros nunca foi envolvido nas questões da banca” e “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses, isso nunca aconteceu.” Nunca, nunca, repete. Recapitalização da CGD? Nunca. Outros bancos? Nem pensar. A ministra das finanças era um túmulo. O coitado do Núncio só teve que fazer o contrário do que sempre defendera, aumentar os impostos, o que lhe foi “muito doloroso”. De banca, nada, nunca.

O argumento da inocência por incompetência tem no entanto um risco e quero avisar disso a ex-ministra. É que por vezes, pelo menos algumas vezes, as pessoas não gostam de ser tomadas por parvas. Houve então um Conselho de Ministros de um país que estava controlado pela troika, que tinha um programa para a recapitalização dos bancos com 12 mil milhões, e que só usou cerca de metade. Mas todos os grandes bancos estavam sem capital, ou seja, estariam falidos se não houvesse essa nacionalização indirecta e provisória. Em quase todos os bancos multiplicava-se evidência de jogos especulativos e movimentos suspeitos em offshores. Os prejuízos do BPN e do BPP acumulavam-se nas contas públicas. Mas o governo não registava ou não queria saber de movimentos internacionais de capitais e um dos maiores bancos estava em colapso – mas “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses, isso nunca aconteceu,” por que haveria de “acontecer”?

O facto é que o governo PSD-CDS, sabendo o que fazia, escolheu para Secretário de Estado um advogado especialista em transferências para offshores e deu posse a um governador do Banco de Portugal que lhe adiou a resolução do BES até depois da “saída limpa”, mesmo com o risco de permitir as fraudes de um aumento de capitais e de venda de produtos do Grupo aos depositantes.

Sabemos agora que, por milagre, isto sim é um milagre, as transferências que não foram inspeccionadas pelas finanças eram quase todas do BES no ano da sua falência, quase todas para o Panamá e para o Dubai, e que muitas eram da empresa para a qual Núncio trabalhara, tudo uma coincidência cósmica. Mas não, o governo ter uma “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses” isso nunca, nem pensar, cruzes canhoto. Eram só 80 mil milhões de euros de depósitos, que sentido teria discutir o “problema”?

Pois, o governo está inocente por ter sido incompetente. Não queria saber, não queria resolver. Hoje Assunção “critica um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver”, mas “a única coisa que podemos fazer é confiar”. E digam-me lá os leitores se não é de “dar o ok”?

Paulo Núncio e a dança desta direita na corda bamba

(Carlos Esperança, in Facebook, 26/02/2017)

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A hipocrisia desta direita é uma arma contra o Governo, e cabe aos democratas de longa data desmascarar a dissimulação de Assunção Cristas e Passos Coelho. A forma como os dois agora se comportam, em flagrante contraste com o passado, é uma técnica que exige vigilância cívica e resposta democrática.

A queixa da líder do CDS ao PR é um número de circo para ganhar exposição mediática no confronto com o PSD na Câmara de Lisboa e silenciar o julgamento do governo que integrou. Cristas sabe que é irrelevante o ato e injusta a exibição. É o ruído para desviar atenções do julgamento dos vistos Gold e da não divulgação da transferência de 10 mil milhões de euros durante o governo PSD/CDS.

Talvez mereça, por coincidência temporal, saber o que levou ao processo disciplinar ao funcionário que consultou a lista VIP das Finanças e que morreu de ataque cardíaco.

A demissão de Paulo Núncio dos altos cargos no CDS não absolve os atos praticados no governo, os prejuízos ao País e os danos no combate à fraude fiscal e fuga de capitais.

Fica claro que o ruído à volta dos emails da CGD, que o PSD e o CDS já conhecem, é fruto do ressentimento pela capitalização do banco público que desejavam privatizar, e diziam não autorizada por Bruxelas.

Fica também claro que o governo Passos/Portas/Cavaco, quis confiscar a máquina fiscal para a luta partidária e eventual protecção da sua gente. É natural o imenso ruído sobre a CGD e a desorientação com que recorrem ao insulto ao presidente da AR e ao PM, para desviarem as atenções sobre o escrutínio popular à sua incompetência e má fé.