Não há notícias falsas…

(Carlos Esperança, 22/10/2018)

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Há notícias e mentiras, tendo as últimas mais rápida divulgação e melhor acolhimento. Poucos se lembram da central de intoxicação que levou o ora catedrático Passos Coelho a líder do PSD e, depois, a PM, com as redes sociais ao serviço dos desígnios de Miguel Relvas, Marco António e Paulo Júlio, primeiro na disputa com Paulo Rangel e, a seguir, contra a esquerda, em geral, e o PS, em particular.

O carácter artesanal é agora sofisticado e dispõe dos mais talentosos peritos dos serviços secretos de grandes potências e do apoio financeiro dos maiores grupos económicos. As redes sociais levaram Trump ao poder, um arrivista impreparado e perigoso. Bolsonaro, com a conivência da IURD e a cobarde abstenção do ex-presidente Fernando Henriques Cardoso, será o próximo PR do Brasil, graças às mentiras difundidas nas redes sociais, depois da conjura judicial e partidária no golpe constitucional da destituição de Dilma.

Tal como Hitler e Mussolini que, felizmente, continuam mortos, ou Duterte e Erdogan, ambos perigosamente vivos, Trump e Bolsonaro são produto da manipulação e mentira que escorre pelos esgotos a céu aberto das redes sociais da Internet.

No Brasil, os crentes da IURD e outros bandos de malfeitores convenceram milhões de incautos de que o homem que tentou matar Bolsonaro era do PT, que Haddad defende o incesto e o comunismo e pretende legalizar a pedofilia, e divulgaram a imagem de uma mulher agredida pelo PT, a atriz Beatriz Segall, falecida no hospital, em setembro, aos 92 anos, por insuficiência respiratória, mesmo depois de desmascarados.

Em Portugal, segundo a denúncia do DN semanal, de ontem, num excelente trabalho de Paulo Pena, o dono de uma empresa informática de Santo Tirso, tem diversos ‘sites’, todos com o mesmo IP, domiciliados no Canadá: Direita Política, A voz da Razão, Não Queremos Um Governo de Esquerda em Portugal, Vídeo Divertido e Aceleras.

A empresa de João Pedro Rosas Fernandes, apoiante de Trump e Bolsonaro, chama-se Forsaken. Dos esgotos referidos saíram, entre outras, duas ignóbeis mentiras: o relógio de Catarina Martins, no valor de 21 milhões de euros, numa montagem da sua foto e do relógio, encimada pela frase “A maior fraude da política portuguesa” e outra, em baixo, que completava a mensagem “…a seguir a António Costa”. A outra mentira foi a foto de um jantar em casa de José Sócrates, onde uma das pessoas era referida como a atual PGR, mentira que também me chegou e o PSD de Serpa logo divulgou, o que obrigou o partido a pedir desculpa, que não chegou a todos.

Do Brexit à eleição de Trump, as mentiras foram decisivas, assim como na composição partidária atual de Itália, Áustria, Polónia, Chéquia, Eslováquia ou Hungria e alterações de pendor fascista de outros países que vêm alterar o espetro político europeu.

Tal como Relvas e Passos Coelho ficaram impunes, relativamente à fraude de 6.747.462 euros, apurada pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude, que o DCIAP arquivou, ignorando a investigação de Bruxelas, também de Marco António, Luís Filipe Meneses e outros autarcas do PSD do Norte, não se conhece qualquer investigação, e nem se crê que aconteça, depois da denúncia da revista Visão sobre a alegada rede de corrupção.

João Pedro Rosas Fernandes, o dono de sites referidos para a difusão de mentiras contra políticos de esquerda, parece beneficiar do vazio legal em relação aos crimes praticados.

 

O admirável mundo novo e a sua companheira a censura

(José Pacheco Pereira, in Público, 01/09/2018)

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Pacheco Pereira

O incremento da censura na Internet, em particular nas redes sociais, é uma tendência perigosa, que vai a par com legislação destinada a “proteger-nos” do racismo, do ódio nacionalista, da violência verbal, que desde a Constituição, aos surtos de indignação com apelos censórios, é tudo destinado a criar um mundo fofinho e higiénico que não existe na realidade.

Há muita coisa que se pode fazer para combater o problema combinado das fake news – teorias conspirativas – boatos perigosos – boatos atentatórios da personalidade – linguagem de ódio – uso da Internet para fins de manipulação profissionalizada por serviços de informação e agências de comunicação, etc., e tudo é melhor do que a censura que começa a generalizar-se e depois a normalizar-se. Censura essa que merece o aplauso da multidão do “politicamente correcto”, que preza pouco a liberdade. A liberdade que existe para os outros poderem dizer as coisas que mais me repugnam.

Em primeiro lugar, é preciso separar as coisas: separar os crimes das opiniões, por afrontosas que sejam; as acções bélicas de “propaganda negra” ou outras usadas pelos servições de informação, que são também crimes, do uso de linguagem violenta e odiosa; a incitação ao crime, que é também um crime, das obscenidades racistas e outras. Ou seja, simplificando, – tratar os crimes como crimes e deixar o resto para a liberdade de expressão, insisto, mesmo que a consideremos repugnante.

No plano do crime, a legislação precisa de evoluir e adaptar-se a esta nova realidade, mas a regra é sempre a mesma: o que é crime cá fora é crime lá dentro. Deve-se facilitar a identificação dos autores mesmo anónimos em casos de investigação de crimes, e perceber que os crimes de abuso de liberdade de expressão, calúnia, ataques insultuosos, devem ter legislação expedita e exemplar. As fornecedoras de serviços de redes sociais devem assumir a responsabilidade por não permitir a manipulação de identidades, e devem ser capazes de identificar com clareza junto das autoridades quem esteja a cometer crimes em linha.

O uso de anonimato deve manter-se na base do princípio de que alguém está a denunciar (whistleblowing) algo que pode ser um crime, ou uma malfeitoria ou uma prática inaceitável e deve ser protegido de retaliações, mas não é justificado para a cobardia da opinião. Já o uso de pseudónimos é legítimo e deve ser protegido, desde que, quando haja crimes, seja possível aceder ao nome verdadeiro. Eu sei que tudo isto é complicado e há meios eficazes de dar a volta ao anonimato, mas quem o sabe fazer é um número pequeno dos habitantes que pululam as redes sociais e que, na maioria dos casos, são muito rudimentares na protecção da sua identidade. E deviam perceber que há consequências para as brincadeiras que colocam em linha.

Do mesmo modo, é perigoso instituir, como cada vez mais acontece, formas de policiamento da linguagem. Usar, como se diz nos EUA, a n-wordnigger, chamar “macacos” aos jogadores negros, acompanhado os insultos, por gestos simiescos, chamar “monhé” ao primeiro-ministro, chamar “paneleiros” aos homossexuais e “fufas” às lésbicas, e por aí adiante, por muitas fúrias verbais que suscite, cabe no meu entendimento da liberdade de expressão. Nada tenho contra as tempestades de resposta – quem não se sente não é filho de boa gente – mas sou completamente contra a censura do Estado, do Facebook, do Google e do Twitter, que pretende criar um muro sanitário para as ofensas e, ao fazê-lo, entram num processo censório que sabemos como começa, mas não sabemos como acaba.

Já outra coisa é escrever que o “senhor A roubou o dinheiro da cooperativa B” quando se trata de uma falsidade. Ou quando, de forma organizada, as empresas de comunicação que fazem campanhas negras a favor de empresas ou pessoas denegrindo os seus adversários ou competidores. Infelizmente, isto é cada vez mais comum e “invisível” usando comentários dirigidos, manipulando os sites que avaliam restaurantes ou hotéis, ou disseminando falsa informação. Isto tem que ser tratado como fraude. A essas pessoas, eu levava-as a tribunal, e às empresas a mesma coisa e, em ambos os casos, pedia indemnizações vultuosas, que é o que mais os afecta.

O problema do que hoje se está a passar nas “redes sociais” e nas páginas de comentários não moderadas é o completo falhanço de várias instituições do Estado e da sociedade, a começar pela absoluta desadequação da educação e das escolas, ao mundo real em que desde crianças, aqueles que se pretende “educar” vivem. Depois, a sociedade, a comunicação social, deviam obrigar-se, primeiro a si próprias, e ao público em geral a dar prioridade à verificação dos factos. Se o Info-wars, ou Trump, ou a Fox News, ou um site racista português, ou um comentador do Facebook do PÚBLICO, disserem que Obama não é americano e é muçulmano, dupliquem o site com uma nota dizendo que é uma falsidade. A verificação sistemática, continuada e séria é a melhor maneira de combater as fake news. Dá trabalho, é difícil e o sucesso não está garantido, mas é melhor do que a censura.

Pode-se dizer que os mecanismos que garantem o sucesso da circulação de falsidades têm vantagem sobre a verdade porque o lubrificante que as faz circular tem a ver com outras coisas, com a polarização e radicalização política, com o ressentimento social, com o incremento nas redes sociais do tribalismo, com as iliteracias, a ignorância agressiva das redes e a propensão para as conspirações. É verdade, mas a censura não é resposta.

A última coisa que quero é que o Estado ou as grandes empresas tecnológicas, que fazem o mal e a caramunha, me “protejam” do ruído do mundo e me tratem como uma criancinha. O que eu quero é que os adultos vão à luta, denunciem as falsidades, que os jornalistas façam investigações sobre as fileiras racistas, homofóbicas, violentas, que denunciem os seus mentores, que a escola não se ponha com deslumbramentos tecnológicos e ensine a “ler” a Internet e a televisão, que a “conversação” na sociedade e nos media não tenha um átomo de complacência com este admirável mundo novo. Mas tudo menos a censura.

A democracia norte-americana é doente

 (Francisco Louçã, in Expresso, 01/09/2018)

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(Este texto dá que pensar. O Louçã fez um magnífico “trabalho de casa” sobre o sistema eleitoral americano e explica como está feito para torpedear a vontade dos eleitores produzindo maiorias conservadoras e favorecendo sempre os republicanos. Não é que os “democratas” à moda da Clinton, sejam melhores ou muito diferentes, mas sempre são um pouco mais polidos e civilizados. E ainda chamam àquilo “democracia”.

Comentário da Estátua, 01/09/2018)


O sistema eleitoral dos EUA está desenhado para maiorias conservadoras. E tem um conhecido efeito perverso: dois dos cinco Presidentes do século XXI (Bush e Trump) perderam no voto popular .


Não se sabe, o futuro dirá se o maior risco para Trump vem do pântano dos escândalos financeiros, como a condenação no mesmo dia de dois dos seus antigos colaboradores, o diretor de campanha Paul Manafort, que acumulou fortuna com as receitas de lobbying para governos estrangeiros, e do seu advogado e fixer, Michael Cohen, ou da série de denúncias, livros chocantes e demissões entre os seus atuais colaboradores na Casa Branca. Dois deles, Scott Pruitt e Tom Price, estão a ser processados por manigâncias diversas. Tudo gira sempre à volta de dinheiros escondidos, despesas injustificadas e abusos de poder.

O odor a corrupção que se instalou com o homem que dizia que ia limpar Washington não surpreende. O seu efeito político pode ter consequências: se, como calcula “The Economist”, os democratas tiverem 75% de probabilidades de ganhar as eleições intercalares, podem aproximar-se da maioria na Câmara dos Representantes, passando então a controlar as comissões parlamentares que abrem a porta às investigações que a maioria republicana tem bloqueado. Vai daí uma grande distância até à impugnação de Trump, que exigiria dois terços dos votos no Senado, o que não parece plausível.

No entanto, todas estas dificuldades são acentuadas por um sistema eleitoral que não está doente, é doente. Os promotores de propostas de novas engenharias eleitorais em Portugal fariam bem em estudar este sistema construído para enganar a democracia.

UM SISTEMA PARA OS REPUBLICANOS

As eleições intercalares, que renovam parte da Câmara dos Representantes e do Senado, são particularmente difíceis para os democratas em estados mais rurais e conservadores como o Missouri, Montana, Dakota do Norte e Virgínia Ocidental, ou também Indiana. Essa circunstância tem acentuado a divisão interna do partido democrata, com democratas mais à direita a conseguirem vitórias nas primárias desses estados, enquanto na Califórnia e em Nova Iorque candidatos apoiados por Bernie Sanders têm surpreendentemente conseguido a nomeação pelo seu partido.

Acresce que o sistema eleitoral está desenhado para maiorias conservadoras e sempre tem funcionado assim. Entre 2012-2016, os republicanos só obtiveram 46% dos votos no senado, mas mantiveram sempre a maioria, o que se explica pela representação do território (nas áreas rurais, há 70% de republicanos nas assembleias legislativas estaduais, nas urbanas os democratas são 63% e os republicanos 37%) e pelo sistema bipartidário, enraizado e reproduzido pelos círculos uninominais.

O sistema de eleição de representantes dos estados para escolher o Presidente tem ainda tido um conhecido efeito perverso: se todos os Presidentes eleitos no século XX tiveram a maioria dos votos populares, dois em cinco dos eleitos no século XXI (Bush e Trump) foram eleitos perdendo entre o povo. Em 2016, Trump teve menos três milhões de votos do que a sua rival, que obteve uma vantagem superior à de vencedores da corrida presidencial, como Kennedy (1960), Nixon (1968) e Carter (1976).

AFASTAR OS ELEITORES

Ou seja, os republicanos, dominantes na política norte-americana, perderam as eleições presidenciais e as senatoriais, mas ganharam a Casa Branca e a maioria dos lugares. A reprodução permanente deste sistema viciado fica difícil, como é bom de ver.

Há duas tecnologias que têm sido desenvolvidas ao longo dos tempos para assegurar a sobrevivência desta fraude. A primeira é o desenho dos círculos eleitorais, que é permanentemente refeito. Nem sempre a manobra mais descarada é aceite e, na semana passada e pela segunda vez, o Supremo Tribunal anulou por inconstitucionalidade a redefinição do mapa eleitoral da Carolina do Norte, alegando que beneficiava escandalosamente os seus autores, republicanos. Esta forma de intervenção, chamada “gerrymandering” (o nome foi dado por um cartoon de 1812 a propósito da eleição em Massachusetts, onde o governador, Elbridge Gerry, desenhou um círculo eleitoral que, no mapa, parecia uma salamandra, para garantir o resultado que lhe convinha), generalizou-se ao longo dos anos. E lentamente tem vindo a garantir a vantagem dos republicanos.

O resultado é notável: em 2016, os democratas que ganham precisam em média de 67,4%, ao passo que aos republicanos bastaram menos 5%. Deste modo, nas três últimas eleições para a Câmara de Representantes, os republicanos conseguem uma representação de mais 4 a 5% acima do seu resultado popular, o que explica que o outro partido tenha de alcançar uma vantagem muito expressiva para poder aspirar a ganhar as eleições. Segundo “The Economist”, no total os democratas têm de ter mais 7% de votos do que os republicanos, dada a geografia do sistema eleitoral; se ganharam por 6% de vantagem, podem ficar em minoria.

A segunda tecnologia para manter este sistema eleitoral viciado é a alteração de regras de voto de modo a afastar das urnas os eleitorados que sejam mais críticos dos republicanos. O pretexto, que Trump repetiu à exaustão, é que os hispânicos e os negros falsificariam as eleições. Foi mesmo formada uma comissão parlamentar para investigar o assunto, chefiada por um aliado da Casa Branca, que depois decidiu desistir sem sequer ter elaborado um relatório. De facto, desde 1982 foram investigados 1200 casos de fraude eleitoral, mas a grande maioria refere-se a atividades dos funcionários e não a atitudes de eleitores.

Isso não impede que no estado do Arkansas tenha sido anulada a inscrição eleitoral de pessoas condenadas judicialmente, mas descobriu-se que a lista dos punidos incluía pessoas que estiveram em contacto com os tribunais, por exemplo por se terem divorciado. Em Nova Iorque, foram anuladas centenas de milhares de inscrições, sobretudo de hispânicos, na presunção de que teriam mudado de residência. Os partidários de Trump empenham-se nesta purga eleitoral: se menos pessoas votarem entre estas comunidades, as hipóteses do Presidente crescem.

Assim, este sistema está feito para distorcer e para falsificar a vontade dos eleitores. Será alguma coisa, mas chamar-lhe democracia é um exagero.



Como impedir os estudantes de copiar

Quando não há cão caça-se com gato: durante os exames nacionais na Argélia, para impedir o copianço, a internet foi desligada durante um período que chegou a três horas e foram usados detetores de metais para impedir que entrassem telemóveis nas salas. Os 700 mil alunos e alunas que terminam o liceu são assim alvo da maior atenção para garantir a integridade do exame e, em 2016, chegou a haver repetição da prova para meio milhão. Mas as autoridades temem que seja agora ainda mais fácil copiar. A ideia é que o meio mais importante para fazer batota no exame já não é a cábula, escondida num bolso ou numa manga, mas o acesso rápido a soluções dos exames disponibilizadas nas redes sociais, para o que basta um telemóvel com internet e alguma subtileza para que os professores não detetem a atividade da transcrição das respostas.

Têm razão, é mesmo assim que se aldraba um exame no secundário. Num caso recente na Argélia, as perguntas e as respostas começaram a ser publicadas nos onlines de diversos jornais e nas redes sociais, mal o exame tinha começado. Depois, 31 pessoas foram presas, incluindo funcionários do Ministério da Educação. Por isso, em 2017 foram instalados bloqueadores de sinal em 2100 salas de exame, mas o Ministério decidiu ir mais longe e bloquear a internet em todo o país. O acesso ao Facebook foi completamente fechado durante os dias dos exames.

O caso não é inédito. Na Mauritânia, o acesso à internet foi cortado por duas horas em cada um dos dias dos exames. O mesmo tipo de medida foi adotado no Iraque, no Uzbequistão, na Síria, na Etiópia e em alguns estados da Índia. Mas o efeito é devastador: toda a atividade que se baseie na disponibilidade da comunicação por internet fica paralisada. É o que acontece com a correspondência entre pessoas, com a marcação de bilhetes de avião, com acesso a informação médica, com a atividade policial — o país fica parado. Essa é a razão pela qual esta estratégia não pode ser seguida numa economia mais forte, dado que o custo de bloquear a internet durante horas seria imenso e a infraestrutura do país seria posta em causa. Ou seja, não se sabe como impedir que a internet ajude uns alunos a enganar os exames.