A UE e a síndrome do Leopardo

(Valdemar Cruz, in Expresso Diário, 08/05(2021)

No número do passado dia 3 de abril, a Revista do jornal inglês “The Guardian” apresentava uma capa com fundo vermelho e, em primeiro plano, a preto e branco, uma mão a segurar um cartaz manuscrito onde se lia: “O racismo é um vírus”.

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Embora fosse outro o propósito e o tema do texto para o qual remetia aquela imagem e o poder da ideia ali contida, ao seguir, ao longo de toda esta semana, a evolução do drama humano protagonizada por um vasto conjunto de trabalhadores, no geral de origem asiática, submetidos a aviltantes condições de exploração numa vila alentejana, pertencente a um país, Portugal, membro da União Europeia, é impossível não olhar com um misto de ironia e ceticismo para a Cimeira Social do Porto.

Há coincidências fatais. No exato momento em que Portugal acolhe uma reunião quase ao mais alto nível da UE – é bom não esquecer a significativa ausência de Angela Merkl – para debater um compromisso destinado, entre outros objetivos, a reforçar o combate à exclusão social e a pobreza, vê deflagrar no seu território um drama que a todos envergonha.

Não apenas por se revelar ali um verdadeiro manual dos agressivos modos de atuação de um capitalismo despido dos mais elementares sentidos de decência, respeito e vontade de fazer do trabalho, não um meio de submissão absoluta, a roçar a tirania, mas um processo em que, não obstante o desequilíbrio, à parte mais frágil tem de ser atribuída uma justa retribuição e um tratamento digno.

Tudo o contrário do sucedido nos campos do Alentejo, com demasiadas conivências, desde os traficantes aos proprietários das explorações agrícolas, com passagem pelo obscuro negócio do arrendamento das casas.

Tal como no drama dos migrantes devorados pelas águas do Mediterrâneo, hoje transformado no mar das lágrimas das mães de África, há algo que perturba de um modo assombroso: o continuado silêncio, só interrompido por ocasionais sobressaltos mediáticos.

Todos os dias continuam a morrer homens e mulheres oriundos de África naquelas águas. Só este ano já desapareceram pelo menos 600 migrantes, afogados, também pelo silêncio e indiferença de uma União Europeia que prefere despejar dinheiro nesses baluartes democráticos chamados Turquia, Líbia, Marrocos, ou até mesmo Malta, para que sirvam de tampão à sua chegada às fronteiras do continente.

Quem cai na fossa humana do Mediterrâneo são os pobres dos pobres entre os mais pobres. O clamor daqueles mortos, o desespero daqueles asiáticos espezinhados no Alentejo, exigem uma atenção redobrada às questões sociais e da pobreza na Europa.

Desde logo por constituir um monumental equívoco a ideia de que o problema está apenas nos migrantes, quase sempre de pele mais escura, nas suas múltiplas tonalidades. Enquanto não se assumir que, para lá de uma questão de cor de pele, o drama da pobreza é, antes de mais, uma questão de classe social, jamais se conseguirá resolver um problema que começa a assumir proporções tremendas mesmo na União Europeia.

É nesse sentido que se impõe um certo racismo com expressão social, política, de classe, como um vírus que mina as sociedades e urge combater com todas as forças.

Os pobres não têm cor. São pobres. São muitos milhões na Europa. Muitos deles, independentemente da origem ou etnia, trabalham. Têm um salário. E, ainda assim, são pobres ou permanecem no limiar da pobreza.

É excelente a União Europeia dedicar uma Cimeira às questões sociais. É importante que os dirigentes europeus se comprometam a cumprir medidas destinadas a aumentar o emprego, a formação profissional, e a reduzir a pobreza e a exclusão social.

O simples enunciar deste compromisso e a sua colocação na agenda de uma Cimeira é a comprovação absoluta de que a questão existe.

Se assim é, ficam curtas as ambições do conclave se não vai além do compromisso, com toda a fragilidade inerente à ideia de uma promessa cuja concretização dependerá de boas vontades e de boas intenções.

Nada que se compare à força impositiva de tratados como o de Maastricht, com a instauração de uma bateria de critérios orçamentais muito penalizantes para economias mais frágeis como a de Portugal, ou o de Lisboa, que de uma forma muito clara acentua a deriva neoliberal assumida pela União Europeia.

O modesto alcance de algumas das medidas incluídas no compromisso, como a tímida redução dos níveis de pobreza, acentua o paradoxo da UE. No romance “O Leopardo”, Giuseppe Tomasi colocou na boca do príncipe de Salina uma frase feita monumento ao cinismo: “Para que tudo fique na mesma, é preciso que tudo mude”.

Ao alimentar-se demasiadas vezes de discursos autocongratulatórios, mas inconsequentes, mesmo em algo tão premente como o combate à pobreza e à exclusão social, a UE esquece com demasiada frequência o imperativo ético, político e social, de assumir a coragem dos passos firmes, decisivos, e inequívocos, capazes de impedirem que se lhe cole ao corpo a síndrome do príncipe de Salina.


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Da hipocrisia…

(Dinis Jesus, 01/08/2018)

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(Mais uma opinião, diz a Estátua…)


Nos últimos dias temos assistido a um desfiar de críticas à atuação de Robles, críticas vindas das mais diversas bandas e sensibilidades políticas.

A esses só tenho uma coisa para dizer:

O que é importante é combater legislativamente a especulação desenfreada e a gentrificação das cidades com forte procura turística. É pouco importante, é mediocridade intelectual mesmo, acusar de incoerência ou hipocrisia quem numa determinada altura da sua vida fez uma escolha pelo comprar e valorizar um imóvel, com ou sem a intenção de o vender depois, para incrementar o seu património, vivendo, esse alguém, num mundo que se rege pelas leis do mercado praticamente livre.

A maioria dos que atacam Robles… sim é de um ataque que se trata, o que gostariam era de estar no seu lugar e o que os move é essencialmente a inveja de não estarem.

Sobre coerência e purismo ideológico deixo uma só frase:

Bom é ser “filho da puta” defendendo o ser “filho da puta”, já o ser “filho da puta” condenando o ser “filho da puta” é uma coisa altamente censurável. Sim porque, para a direita nojenta e trauliteira, haverá talvez outra direita, ser hipócrita ou incoerente é muito pior do que ser “filho da puta”. Já sobre a esquerda que alinhou nesse discurso, pequeno, do ataque pessoal, pela incoerência da atuação do Robles, resta-me sentir pena deles…servem a direita e acrescentam zero ao que defendem.

Não me incomoda que no mundo existam um ou mil “filhos da puta”, incomoda-me sim que o mundo se reja por leis “filhas da puta”. Contra essas sempre esteve, muito provavelmente ainda está, o Ricardo Robles. Já o achar que só os “filhos da puta”, por serem e defenderem ser “filho da puta” têm direito a fazer crescer o seu património me incomoda de sobremaneira. Incomodam-me também os que mentem descaradamente para prejudicar outros com base em coisas que podiam acontecer…é que o homem até hoje não vendeu nem lucrou nada e o ter à venda por aquele preço não quer dizer que alguma vez o venda por um preço próximo sequer.

NOTA: O termo “filho da puta” prende-se apenas com comportamentos dos próprios e nada tem a ver com a mamã seja lá de quem for. Prende-se também com a ideia de ser provocador, até violento, para chamar a atenção para o que pretendo dizer. Não vá a malta alinhadinha e bem-comportada, na língua, ficar perturbada com a minha linguagem.


Fonte aqui

Votei, mas não inalei

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 12/01/2018)

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João Quadros

“É verdade que a canábis ajuda no sofrimento de cancros terminais, mas depois essas pessoas podem ficar agarradas.” Provavelmente, vão para o céu fazer filtros.


Ontem debateu-se (escrevo esta crónica na quarta-feira) na Assembleia da República as propostas do BE e do PAN sobre os projectos de lei para legalizar a canábis para fins medicinais. O CDS e o PSD estão contra. É pena. Até porque a primeira autorização para plantação de canábis para fins de medicinais em Portugal, para exportação, foi dada em 2014.

Acho que o PSD e o CDS podiam ter sido convencidos se lhes disséssemos que é tradição fumar charros em Portugal. Nas Festas de Reis, na aldeia de Vale Salgueiro, em Mirandela, as crianças são encorajadas a fumar cigarros, uma tradição que teve direito esta semana a uma reportagem da Associated Press. “Pais encorajam os seus filhos, alguns com menos de cinco anos, a fumar cigarros.” A reportagem salienta que a idade legal para adquirir tabaco em Portugal é 18 anos, “mas ninguém proíbe os pais de darem cigarros às crianças e as autoridades não intervêm para parar esta prática”. Os entrevistados justificam a mesma com os costumes locais. Que fixe. Se calhar, os miúdos injectam-se no Carnaval e vão às meninas na Páscoa.

Nada como imaginar um roteiro tradicional, como as crianças a arder de Vila Nova de Sardão, o “striptease” forçado de septuagenárias em Poço de Sete Mães ou a largada de cabrestos e grávidas bêbedas de Fonte de Castelo Coiso.

Os deputados do PSD, pelo menos alguns dos que conheço, votam contra a canábis para uso medicinal, mas usam para fins recreativos. O PSD e o CDS são contra a utilização em Portugal de canábis para fins medicinais, mas autorizaram plantações onde produzimos canábis para venda para fins medicinais noutros países. É espectacular, somos grandes exportadores de marijuana para uso farmacêutico, mas segundo o PSD e o CDS aquilo só faz mal. Ainda recentemente, a maior plantação de canábis em Portugal foi anunciada no Web Summit. É proibir essa malta toda de cá entrar e deitar fogo a estes projectos todos. Porque não vamos deixar produzir cá uma coisa que até é proibida para efeitos medicinais.

Recordo que, em 2012, a JSD, na altura liderada por Duarte Marques, apoiou a Marcha Global da Marijuana em Lisboa. Grande maluco. A desculpa do PSD para chumbar a legalização da canábis para uso medicinal é: “Pode causar habituação.” Ou seja: “Coitados, é verdade que a canábis ajuda no sofrimento de cancros terminais, mas depois essas pessoas podem ficar agarradas.” Provavelmente, vão para o céu fazer filtros.

Resumindo, no país de horas e mais horas de publicidade ao cogumelo do tempo e ao Calcitrin, que é vendido directamente ao público, sem intermediação das farmácias, nem pensar em permitir a canábis para efeitos terapêuticos. Não aguento tanta hipocrisia, preciso de fumar uma.


TOP 5

Faz-me um filtro

1. Marques Mendes diz que investimento da Santa Casa no Montepio “vai acabar num inquérito parlamentar e numa investigação judicial” – Ou seja, o negócio não passou por uma das empresas dele.

2. Há 147 mil empregos vagos nas indústrias tradicionais – Deve ser porque pagam bem.

3. Mulheres vestem-se de preto nos Globos de Ouro contra o assédio – Este ano, o Óscar de melhor actor devia ir para uma mulher.

4. Danos da fuga de touro em Arruda ultrapassam os 25 mil euros – A RTP faz uma corrida de touros para ajudar.

5. Marques Mendes: “Diziam que eu tinha talento para guarda-redes de futebol” – De matraquilhos.