De como as matilhas são outras

(Oxisdaquestao in Blog Oxisdaquestao, 19/08/2023)

A urbanização dos espaços agrícolas que rodeavam as cidades, os campos como dizíamos, fez desaparecer imagens de uma vida natural mesmo para os animais. Ainda recordo os grupos de cães que percorriam as ruas periféricas e limítrofes da zona rural e que em certas épocas do ano passavam o tempo a cheirar o rabo uns aos outros na tentativa de descobrirem uma fêmea com cio. (…)

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Zé Albino com rabo de fora

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 24/01/2022)

Daniel Oliveira

Passeia-se pela campanha, sorri muito, faz piadas, põe o gato Zé Albino nas redes. Desapareceu o Rio com opiniões. Quer sossegar o país. A política fica para dia 31 de janeiro. Mas, por vezes, volta o Rio genuíno. “Tirando os julgamentos políticos, em termos de eficácia, desde o 25 de Abril a justiça piorou”. Fora perseguições políticas, acha que a justiça era mais eficaz contra a corrupção, que os pobres tinham mais acesso, que era mais independente. Ou a eficácia resume-se à rapidez, o que é assustador. Promete uma reforma da justiça exibindo falta de critérios democráticos para a avaliar.


“nazizinho” de Rosa Mota gerou grande indignação. Ela é justificada. O uso do termo é mais do que lamentável. É inaceitável. Nazi, em Portugal, só conheço alguns marginais. As palavras têm memória e todos, a começar por aqueles que como eu fazem dela o seu trabalho, devem valorizar essa memória.

Mas, e vou usar um “mas”, quem o disse foi Rosa Mota. Não torna aceitável, torna o que é: uma palavra terrivelmente escolhida por uma pessoa sem qualquer experiência ou responsabilidade política. A única coisa que fez disto assunto é ter acontecido numa ação de campanha do PS, o que não o responsabiliza, porque obviamente não sabiam o que ia ser dito numa conversa informal. Mas embaraça-o. Costa demarcou-se da expressão, que é tudo o que podia fazer.

Imaginando que Rosa Mota não acha que Rui Rio é comparável a Hitler ou aos que o admiram, só posso esforçar-me para acreditar que procurava uma palavra para falar de um autoritário. E é pena que o tenha dito de forma tão inaceitável, porque, em vez de alimentar a polémica do dia, poderia ter lançado um debate importante sobre o percurso político de Rui Rio até se tornar no simpático dono do gato Zé Albino.

Estou à vontade, porque o escrevi (sem link, por agora), no início de dezembro, quando Rio limpou as listas de deputados todos os que eram críticos: “Diz o povo que para ver um vilão temos de lhe pôr uma vara na mão. E é por isso que os prefiro desarmados, para não ter surpresas. Com Rui Rio nem precisamos de esperar por surpresas. Os jornalistas sabem como o presidente da Câmara do Porto lidava mal com o escrutínio. Os agentes culturais portuenses sabem que relação tinha com a liberdade criação e de crítica (e com a cultura, já agora). Rio sempre viu qualquer tipo de contestação como uma contrariedade pessoal insuportável. Mesmo a sua obsessão com a justiça, que até parte de alguns pressupostos anticorporativos que acompanho, resulta mais da sua dificuldade em lidar com aquilo a que Cavaco Silva chamou de ‘forças de bloqueio’ do que de qualquer tipo de exigência democrática. Apesar de todos os traços estarem lá, não foi quando o PSD quase lhe fugia das mãos que reconhecemos o que só o Porto conheceu bem em Rui Rio. (…) Foi quando todos perceberam que se gastou o último cartucho da guerra interna que Rio tratou de uma purga sem concessões que ultrapassa largamente julgamentos de lealdade.”

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A isto acrescento a recusa em participar nos debates para as eleições internas do PSD – que deu aquela coisa ridícula de entrevistas paralelas entremeadas. Ou o apoio ao fim dos debates quinzenais, que trata como “gritaria”. Ou o facto de, como André Ventura, ter faltado ao debate final, com o qual se tinha comprometido. Ou o acordo com o Chega nos Açores. Ou a escolha de Suzana Garcia para a Câmara da Amadora. Só ignora os sinais quem se quer mesmo iludir.

Os seus colegas de partido, que uns dias antes da derrota interna teriam organizado uma revolta com a recusa de Rio em garantir o pluralismo, comeram e quase calaram. E o que faz um autoritário reforçar o seu poder não é a sua vontade, é a ambição ou o medo dos que lhe obedecem. Neste caso, não há medo. Há muitos oportunistas. Tudo o que disseram sobre o homem, durante seis anos, desapareceu perante a mera possibilidade de ter poder.

Se o PS quisesse fazer um tempo de antena contra Rio só tinha de ir buscar o que foi dito por tantos dos que agora o acompanham em arruadas. E seguramente encontrariam o que salta à vista: que Rui Rio é um autoritário, alguém que vive mal com a critica e a oposição. Antes foi a interna, se tivesse o poder no país seria a externa. 

Só que Rui Rio não está a ser escrutinado. Foi, até com excessos de parcialidade, enquanto a direita, sobretudo a passista, achava que o podia remover. Deixou de ser quando foi o que lhe sobrou. E a extraordinária incompetência tática de António Costa, que perdeu semanas a olhar para os partidos à sua esquerda, fez o resto. Rio passeia-se pela campanha, sorri muito – nos debates, na rua, nas entrevistas –, faz piadas, põe o seu gato Zé Albino nas redes e não diz nem mais uma palavra sobre as suas propostas.

Diz-se que é genuíno. Assim sempre o achei. Mas nesta campanha desapareceu o Rio com opiniões. Ele quer sossegar o país. E fá-lo com um sorriso, umas piadas e fotos do seu gatinho. A política, com a influência que o programa radical da Iniciativa Liberal teria nela, fica para dia 31 de janeiro.

Só que por vezes Rio não aguenta. Como Ventura, quer criar sururu. E saem-lhe as frases que o denunciam: “Tirando os julgamentos políticos, em termos de eficácia, desde o 25 de Abril a justiça piorou”. Não se pode falar de um deslize. Rio disse isto em 2016 e outras vezes.

Não estão em causa várias das críticas que Rui Rio faz ao estado da justiça – apesar de não ter autoridade para falar de julgamentos na praça pública quando, nas legislativas (Tancos) e autárquicas (Selminho), participou neles contra pessoas que foram posteriormente absolvidas –, mas o termo de comparação que escolheu.

Pondo de lado as perseguições políticas, Rui Rio acha que a justiça era mais eficaz a contra a corrupção de pessoas queridas ao regime, que os pobres tinham mais acesso à justiça, que ela era mais independente. Ou então, a eficácia resume-se à rapidez. E isso é bastante assustador. Até ignora que os julgamentos na praça pública não aconteciam, de facto, porque havia censura. Um político achar que a justiça de uma ditadura (não lhe chamo fascismo, porque Rui Rio já nos garantiu que isso nunca existiu) pode ser “eficaz” é um péssimo cartão de visita.

Não mudei de opinião sobre a perseguição de que Rio foi vitima na comunicação social, assim como sublinho que o escrutínio a que subitamente deixou de estar sujeito quando foi o que sobrou ao PSD. Também não mudei de opinião sobre o desastre que seria, para o PSD, o regresso dos passistas à liderança do partido. Aparentemente, os militantes do PSD perceberam isso – que a adoração de Passos Coelho é coisa da bolha. Apenas não me esqueci do que sempre disse sobre Rui Rio: que tinha e tem um perfil autoritário. E que na altura de ir a votos isso é muitíssimo relevante. Já para não falar da ausência de proposta política, subsistida por uma conversa de café, eficaz, mas sem conteúdo.

Rosa Mota não vai ser primeira-ministra. Rui Rio quer sê-lo. Por isso, aplico uma adversativa a Rosa Mota que não pode existir com Rui Rio. Ela não resulta do conteúdo, mas da relevância de quem diz uma e outra coisa. Rui Rio quer governar-nos e promete uma reforma da justiça no mesmo momento em que nos exibe a falta de critérios democráticos para a avaliar. Se isto fosse uma bizarria do momento, passava. Mas vendo como sempre se relacionou com a imprensa livre ou o desprezo com que olha para os debates ou a instituição parlamentar, é um perfil. Estou a dizer que Rio é um ditador? Não. Cavaco Silva ou José Sócrates também não o foram. É um autoritário da cabeça aos pés. Como muito bem sabem todos os seus colegas de partido.

Tudo o que estou a dizer foi dito por aqueles que a ele se opuseram no partido. Agora, preferem calar-se. Não serão diferentes de todos os que sabiam quem era José Sócrates (não falo dos crimes de que é acusado, mas do seu perfil) e acharam que valia a pena não falar do assunto porque os levaria ao poder ou afastaria quem não gostam (ler Sebastião Bugalho). Se Rui Rio perder, voltarão a dizer o que diziam. Se ganhar, terão de engolir os princípios. E achar que, sim senhor, antes do 25 de abril é que a justiça era mais eficaz. 


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O PSD vai mesmo apoiar o PS? E o PS apoiará o PSD?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 19/01/2022)

Rui Rio já anunciou várias vezes que, se o PSD perder as eleições de forma a não poder liderar uma solução de governo, está disponível para negociar a viabilização de um governo minoritário PS, caso seja este a ter essa responsabilidade. E espera que o PS tenha um comportamento semelhante com o PSD.

A questão central é esta: há condições políticas para os deputados do PSD ou do PS, que forem eleitos agora, apoiarem depois os governos dos seus adversários diretos?

Comecemos pelo PSD: Rui Rio é um líder sistematicamente atacado dentro do seu próprio partido e só deixará de o ser se ganhar as eleições.

Quando conquistou a presidência do PSD, em janeiro de 2018, tinha um grupo parlamentar na Assembleia da República, órfão de Pedro Passos Coelho que, simplesmente, não lhe obedecia.

Só após as eleições legislativas de 2019 teve oportunidade de escolher o grupo parlamentar mas, mesmo assim, as “rebeldias”, confusões nas votações e contradições internas ainda foram algumas vezes notícia.

É razoável pensar que o primeiro Orçamento do Estado que o PS apresente, se não for apoiado pela esquerda, possa ser viabilizado pelo PSD mas, a partir daí, tudo muda: a oposição interna a Rui Rio, que ainda há um mês o tentou “abater”, vai reorganizar-se e realizar um novo assalto ao poder no partido e, é certo, vários deputados sociais-democratas participarão nesse ataque a Rio.

Aposto singelo contra dobrado que, nessa altura, ou Rui Rio sai por iniciativa própria ou perde a competição com o líder da oposição interna que entretanto se afirmar, pois este trará uma esperança aos militantes que Rio, duas vezes derrotado em legislativas, já não será capaz de dar.

Primeira conclusão: a crise interna do PSD, se perder as eleições, é inevitável e, por isso, a instabilidade interna desse partido torna impossível garantir qualquer tipo de compromisso sério, que vá para além do próximo Orçamento do Estado, para deixar passar um governo de minoria PS.

Na situação inversa – o PSD vence as eleições e forma um governo de minoria sem apoio suficiente à direita – o PS viabilizará um executivo de Rui Rio?

Em primeiro lugar teremos um facto já anunciado pelo próprio: António Costa sai da liderança do partido. A luta pela sucessão no PS pode criar um intervalo de tempo que leve os deputados socialistas a absterem-se de fazer cair o governo no primeiro ano… Não é certo mas, se assim for, o que acontece depois?

Um cenário possível é aparecer um líder circunstancial, de passagem, sem força política, que resulta da incapacidade de vitória clara de uma das facções internas socialistas.

Esse eventual líder enfraquecido terá forte oposição interna, tal como aconteceu a António José Seguro. E, tal como ele, por instinto de sobrevivência, poderá aceitar acordos com o governo PSD em muitas matérias. – mas defrontará a “sabotagem” interna de uma parte dos deputados socialistas, com votações surpreendentes e ameaça permanente de crise política.

Se o cenário interno do PS, após uma derrota eleitoral, for a eleição rápida de um líder forte, este trabalhará para arranjar um pretexto que legitime a convocação rápida de eleições e a organização de uma alternativa de governo ao PSD – e, portanto, o apoio a uma governo minoritário de Rui Rio será, na melhor da hipóteses, periclitante.

Segunda conclusão: Se o PS perder as eleições, abrirá uma crise interna que torna impossível garantir qualquer tipo de compromisso sério, que vá para além do próximo Orçamento do Estado, para sustentar um governo de minoria PSD.

O debate na RTP com os nove partidos com assento parlamentar mostrou claramente uma coisa: do ponto de vista programático em temas como Saúde, Segurança Social, impostos ou salários, há mais pontos de união do PS com a sua esquerda e do PSD com a sua direita do que entre PS e PSD. Isso tem peso político e devia contar muito para a formação de entendimentos para um futuro governo minoritário ou de coligação.

Conclusão final: Se o eleitorado recusar o reforço da bipolarização PS/PSD, declinando assim um governo de “bloco central” com ministros dos dois partidos, e aumentar a votação nos outros partidos, criando uma maioria de esquerda ou de direita, será uma irresponsabilidade politica insistir numa solução “cozinhada” entre socialistas e sociais-democratas, pois essa será a solução de governo mais instável de todas as soluções políticas possíveis para Portugal.


Jornalista


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