Depois de Robles

(Daniel Oliveira, in EXPRESSO, 04/08/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

(A direita tem destas coisas: a esquerda fica com a moral, eles ficam com o pão com manteiga. Ao Robles incineraram-lhe a barbicha por um “crime” que nem chegou a praticar. Ao Passos Coelho promoveram-no a catedrático depois das fraudes mais que provadas no negócio da Tecnoforma, tendo o Estado que indemnizar a União Europeia pelos dinheiros desviados. 

Por isso, meus caros direitolas, ponham o vosso falso moralismo num sítio que eu cá sei mas me abstenho de dizer.

Comentário da Estátua, 04/08/2018)


Ricardo Robles comprou, antes de ser vereador, um prédio que estava a um bom preço e, depois de o reabilitar, pô-lo à venda ao seu valor de mercado. Da compra à venda que não se consumou, passando pela negociação com os inquilinos, não há nada ilegal ou ilegítimo. Há, como é habitual, um contencioso com um comerciante com o recurso legítimo, de parte a parte, aos meios judiciais. Podem escalpelizar tudo, mas o essencial é isto: Robles é condenado por ter investido em imobiliário. Quando saí da minha antiga casa, arrendei-a ao preço de mercado e hoje tenciono vendê-la mais cara do que comprei, beneficiando da inflação imobiliária. E isso não me impede de dizer que os preços praticados estão a expulsar pessoas das cidades. Não há incoerência: defendo que a regulação do mercado depende da intervenção do Estado, não da boa vontade dos investidores. Neste caso, depende de um mercado público de rendas controladas que faça baixar a média dos preços, não do altruísmo individual de um proprietário. Não é por beneficiar das escolas públicas, do SNS e das estradas que um liberal perde a legitimidade para defender o Estado mínimo. Não é por defender políticas de contenção do mercado que alguém de esquerda tem de sair do mercado. O mercado e o Estado, quando nascem, são para a esquerda e para a direita.

O exercício de hipocrisia coletiva desta semana, que só parou no ridículo momento em que Catarina Martins foi acusada de gentrificar o Sabugal, já está a ser aproveitado para tentar reverter as novas políticas de habitação. É para o que servem estas cruzadas: em nome da boa aparência ataca-se a boa substância. E é por isso que nunca as acompanho. Nem com a segurança social de Passos nem com a casa de Medina nem com o prédio de Robles. Prefiro manter o foco na política. O que tramou Robles foi ele, em vez de fazer o mesmo, dedicar-se a considerações morais sobre os agentes económicos. É o problema do Bloco: põe demasiadas vezes o moralismo no lugar da política. Não está sozinho: há anos que a direita resume o seu discurso à demonização moral dos seus adversários, e ninguém lhe cobra isso. Compreendo que as contradições dos moralistas sejam assinaladas. Mas considero desproporcionado o linchamento de Robles. Ainda mais quando, para apontar o dedo à sua hipocrisia moralista, tantos se entregaram ao mais desbragado moralismo hipócrita.

Pela primeira vez na política portuguesa, um eleito foi obrigado a demitir-se por causa de um negócio legal, legítimo, aceitável e não consumado. Passou a ser possível exigir uma demissões pela simples contradição entre convicções políticas e atos privados legítimos.

Este inédito grau de exigência é perfeitamente aceitável em democracia. Mas é importante perceber o alcance da coisa. Todos os políticos-advogados devem rever os processos que aceitaram, quem foi gestor deve revisitar os negócios que patrocinou, os deputados devem analisar as aplicações financeiras que fizeram. E ver se bate tudo certo com tudo o que disseram antes e depois. Criticam contratos com colégios e os filhos andam num privado? Opõem-se à ADSE e têm seguro de saúde? Lutam contra a precariedade e contrataram, mesmo que legalmente, a recibos verdes? Não chega cada ato ser legal, legítimo e moralmente aceitável. Se não aparentar escrupulosa coerência com tudo o que defendem, terá de se aplicar a “lei Robles”: demissão em 72 horas. Os moralistas da última semana estão preparados para isto? Eu não estaria.

Da hipocrisia…

(Dinis Jesus, 01/08/2018)

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(Mais uma opinião, diz a Estátua…)


Nos últimos dias temos assistido a um desfiar de críticas à atuação de Robles, críticas vindas das mais diversas bandas e sensibilidades políticas.

A esses só tenho uma coisa para dizer:

O que é importante é combater legislativamente a especulação desenfreada e a gentrificação das cidades com forte procura turística. É pouco importante, é mediocridade intelectual mesmo, acusar de incoerência ou hipocrisia quem numa determinada altura da sua vida fez uma escolha pelo comprar e valorizar um imóvel, com ou sem a intenção de o vender depois, para incrementar o seu património, vivendo, esse alguém, num mundo que se rege pelas leis do mercado praticamente livre.

A maioria dos que atacam Robles… sim é de um ataque que se trata, o que gostariam era de estar no seu lugar e o que os move é essencialmente a inveja de não estarem.

Sobre coerência e purismo ideológico deixo uma só frase:

Bom é ser “filho da puta” defendendo o ser “filho da puta”, já o ser “filho da puta” condenando o ser “filho da puta” é uma coisa altamente censurável. Sim porque, para a direita nojenta e trauliteira, haverá talvez outra direita, ser hipócrita ou incoerente é muito pior do que ser “filho da puta”. Já sobre a esquerda que alinhou nesse discurso, pequeno, do ataque pessoal, pela incoerência da atuação do Robles, resta-me sentir pena deles…servem a direita e acrescentam zero ao que defendem.

Não me incomoda que no mundo existam um ou mil “filhos da puta”, incomoda-me sim que o mundo se reja por leis “filhas da puta”. Contra essas sempre esteve, muito provavelmente ainda está, o Ricardo Robles. Já o achar que só os “filhos da puta”, por serem e defenderem ser “filho da puta” têm direito a fazer crescer o seu património me incomoda de sobremaneira. Incomodam-me também os que mentem descaradamente para prejudicar outros com base em coisas que podiam acontecer…é que o homem até hoje não vendeu nem lucrou nada e o ter à venda por aquele preço não quer dizer que alguma vez o venda por um preço próximo sequer.

NOTA: O termo “filho da puta” prende-se apenas com comportamentos dos próprios e nada tem a ver com a mamã seja lá de quem for. Prende-se também com a ideia de ser provocador, até violento, para chamar a atenção para o que pretendo dizer. Não vá a malta alinhadinha e bem-comportada, na língua, ficar perturbada com a minha linguagem.


Fonte aqui

Os padres, o Eng.º Ricardo Robles e o Bloco de Esquerda

(Carlos Esperança, 31/07/2018)

 

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Não está provado que a pedofilia tenha maior incidência nos membros do clero católico do que nos de outros grupos socioprofissionais que convivem com crianças, professores, assistentes sociais, médicos, enfermeiros e catequistas, ou nos de outras religiões.

O que torna o clero católico particularmente vulnerável perante a opinião pública é a sua obsessão moralista, que acrescenta à gravidade do crime a imensa dose de hipocrisia dos perversos. Quem vê na castidade a virtude e via para a santidade, não pode sequer amar. A paternidade do clero, dissimulada pela imposição do celibato, tornou-se escândalo. A vulnerabilidade católica resulta do escrutínio das sociedades democráticas, ao contrário do que ocorre em teocracias, sejam islâmicas, a monástica do cristianismo ortodoxo, do Monte Athos, ou a do Vaticano.

No mercado da fé, a destruição dos adversários é uma arma pela conquista dos fiéis dos outros, tal como na política, onde a sanha aos políticos concorrentes faz parte da disputa eleitoral. Não exige crime, basta a incoerência grave que, no caso de Ricardo Robles foi agravada por ser fundador do BE e dirigente qualificado. Não podia beneficiar da Lei Cristas, que zurziu, ainda que para negócios legais, mas reprováveis segundo os valores que defende. Grave foi atrair a solidariedade afetiva da líder do BE, que a honra como pessoa e a compromete como política. Foi, aliás, o erro político de Catarina Martins, que não previu a dimensão dos danos a que o pretexto deu origem.

O que torna mais obscena a campanha orquestrada pela direita, onde procura envolver o Governo e todos os partidos que o sustentam na AR, é a displicência com os seus esqueletos: subornos dos submarinos; fraude de 6,7 milhões de euros que a UE provou e cuja restituição exigiu, dinheiro que Miguel Relvas atribuiu à Tecnoforma de Passos Coelho; o esquecimento da exigência à PGR para reabrir o processo a essa fraude, que admitiu fazer e se esqueceu; o inquérito à forma de pagamento e às circunstâncias da compra e venda das ações da SLN, não cotadas em Bolsa, de Cavaco Silva e filha; o esquecimento sobre o que se passou com a banca (BES, BPN, Banif, BPP) e o extravio de 3 mil milhões de euros, após a resolução do BES, nos dias que se seguiram.

Não aprovo a especulação de Ricardo Robles, mas não vi o desassossego de jornalistas, comentadores e dirigentes da direita, preocupados com as vivendas da praia da Coelha, depois da falência do BPN, para saber se foi questão de sorte dos felizes contemplados com as casinhas, e transparente a aquisição, ou se houve ali dinheiros desviados do BPN.

Nesses casos os jornalistas que ora entraram em frenesim, a D. Cristas, os comentadores do PSD e as televisões foram sóbrios ou omissos nas explicações pedidas. Os eventuais desmandos dos ministros do cavaquismo não preocupam a direita que encobre os crimes dos seus e berra, ulula e crocita com negócios imobiliários de um vereador do BE.

Nem um PR e três PMs dos seus lhes mereceram tamanha preocupação. E houve razões para que a Justiça, em vez de publicar vídeos cinematográficos com quedas simuladas no elevador que ultrapassou o prazo de revisão, devia ter procedido a averiguações.

Com temperaturas sem precedentes a aproximarem-se, os incendiários não esquecerão o episódio Robles e juntarão os fogos que aguardam ansiosos, ateados ou não por eles.

Aliás, imitam o PP espanhol, atolado em corrupção, a explorar até à náusea a aquisição de um luxuoso apartamento pelo casal de dirigentes do Podemos.