Durão na berlinda

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 15/09/2016)

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Durão gelatina

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 22/07/2016)

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João Quadros

A notícia de que Durão Barroso ia trabalhar para o Goldman Sachs apanhou-me de surpresa.

Sempre pensei que Durão já trabalhava para o Goldman há muitos anos. Não fiquei chocado. Tenho mais receio dos que vêm do Goldman para cá do que os que vão de cá para lá. Para mim, o Goldman Sachs não é currículo, é cadastro.

Durão Barroso no Goldman Sachs é o expoente máximo do “só se estraga uma casa”. Durão no Goldman é como se o José Rodrigues dos Santos casasse com a Margarida Rebelo Pinto, o Schäuble fugisse com a Maria Luís e o Carrilho fosse viver com o Paco Bandeira.

Durão ajudou a encenar a cimeira das Lajes e as armas químicas invisíveis que justificaram a guerra do Iraque. O Goldman maquilhou as contas da Grécia para justificar a entrada no Euro. São também o homem e a instituição que muito fizeram para conduzir a Zona Euro para uma crise sem precedentes. Têm tudo para dar certo. Foram feitos um para o outro. Imagino que a lista de casamento esteja num “offshore”.

Barroso é daquelas pessoas que pode ir para todo o lado porque tem muitos convites e ainda mais pouca-vergonha. Estava indeciso entre o convite do Goldman e o cargo de “chairman” do Daesh, mas os outros radicais pagavam menos. Se Barroso fosse o Mister Scrooge – e tivesse um momento de catarse – e recebesse a visita dos fantasmas do Natal passado, presente e futuro, só ficava chateado e chocado por estar mais gordo. Não mudava nada. Porque há mais coração num avarento do que num ávido por glória e poder que tem a moral de quem nada lhe custou a ganhar.

Durão Barroso diz que aceitou o cargo no Goldman Sachs porque “tem direito a ter vida profissional”. É muito parecida com a desculpa que deu quando deixou de ser PM a meio do mandato. Foi graças a dez anos de vida profissional de Durão na CE que muita gente deixou de ter vida profissional por essa Europa fora. Diz o senhor José Barroso que “se é preso por ter cão e por não ter”, quando o que está em causa é quem é o dono dele.

Não vou negar que acalento uma secreta esperança que Durão vá fazer ao Goldman Sachs o que fez à UE. Durão é uma espécie de gato preto que passa à frente da esperança de que as coisas vão melhorar. Uma sexta-feira 13 do “isto tem tudo para correr bem”. Em quatro anos no Goldman, pode ser que aquilo se transforme numa pequena caixa de aforro. A inabilidade de Durão, no interior do lado mau, pode dar origem a um mundo melhor. Se Barroso fosse para os Médicos sem Fronteiras, ou para a Amnistia Internacional ou, pior ainda, para o Sporting, aí sim, reconheço que ficava assustado.


 top 5

Goldman 1. Portugal campeão europeu de hóquei patins, ouro para Portugal na Taça da Europa de judo. Teresa Bonvalot é campeã júnior da Europa de surf – Vá lá, EPAL, desembuchem: o que é que deitaram na água?!

2. FMI diz que banca portuguesa é ameaça à economia mundial – E andaram os tipos do FMI cá durante quatro anos, com as pastas de um lado para o outro, e não deram por nada. Lá vamos nós ter de salvar a economia mundial. Vamos pagar o Deutsche Bank.

3. Crato: “O país não pode ter só doutores. Temos de ter jovens formados para profissões técnicas” – Foi o que os filhos dele foram fazer ao ir estudar lá para fora. O mais velho vai ser marceneiro em Oxford.

4. Mais de 50 mil pessoas presas na purga de Erdogan após o “golpe” – O Reichstag fire do Erdogan está com um rescaldo do caraças. O “golpe falhado” na Turquia parece quando um indivíduo encena o funeral para ver quem gosta dele.

5. Marcelo Rebelo de Sousa condecorou ontem oito atletas que recentemente ganharam medalhas em campeonatos europeus – Vão ter de derreter a taça de campeões europeus de futebol para fazer medalhas.

Durão Barroso: ditosa Pátria que tal filho tem!

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 08/07/2016)

nicolau

O dr. José Manuel Durão Barroso vai ser presidente da Goldman Sachs International. É o culminar de uma linda carreira, iniciada nos bancos da universidade, onde abraçou a causa maoísta do MRPP, para não muito tempo depois aplicar tais ensinamentos à social-democracia, para onde se mudou de armas e bagagens, chegando a líder do PSD, primeiro-ministro acidental, a que se seguiu uma “tocata e fuga” para presidente da Comissão Europeia. Agora chega o reconhecimento da mais poderosa entidade financeira mundial. É obra!

Durão Barroso é um exemplo para a juventude portuguesa. Soube perceber que nunca chegaria a líder do MRPP, onde pontificavam Arnaldo Matos e Saldanha Sanches. Mudou-se para o PSD, onde as lideranças mudavam com uma rapidez extraordinária. Viu o então líder Marcelo Rebelo de Sousa demitir-se ao fim de três anos, por ter sido traído pelo seu aliado da altura, Paulo Portas, e avançou para a liderança dos sociais-democratas. Analistas e comentadores garantiram inúmeras vezes que Durão Barroso nunca chegaria a primeiro-ministro. Mas na sequência de umas eleições autárquicas, o então primeiro-ministro, António Guterres, demitiu-se, o PS viu-se envolvido no escândalo da Casa Pia e Barroso chegou a São Bento. Governou dois anos, organizou a cimeira dos Açores, onde estiveram Bush, Blair e Aznar e que serviu para o presidente norte-americano obter os apoios internacionais de que necessitava para invadir o Iraque. Como prémio, Barroso foi convidado para presidir à Comissão Europeia, onde se manteve durante dez anos.

Durante esse período, a Europa sofreu o embate da crise financeira mundial, que nasceu nos Estados Unidos, e assistiu à crise das dívidas soberanas e do euro. Foram dez anos em que a Comissão deixou de ser o epicentro da construção europeia, perdeu claramente poder para o eixo Berlim-Paris, primeiro, e depois para Berlim e para o Conselho Europeu, deixou de ser o defensor dos interesses dos pequenos países no processo de integração, não conseguiu responder de forma célere à crise grega, que depois se propagou à Irlanda e aos países mediterrânicos, submeteu-se ao ritmo e aos ditames de Angela Merkel – mas conseguiu aquilo que almejava: ser eleito para um segundo mandato à frente da Comissão, coisa que antes só um francês (Delors) e um alemão tinham logrado.

Saiu com um lindo discurso no Parlamento Europeu em várias línguas. Depois, ficou à espera que o fossem buscar num andor para se candidatar à Presidência da República Portuguesa. Mas ninguém foi. E as sondagens também iam mostrando que o povo português não o amava. Injustamente, claro, pois não só o criticavam por ter deixado o seu mandato a meio, como por não ter defendido suficientemente o país durante o período de ajustamento.

O dr. Barroso ficou então de pousio, a dar umas conferências e umas aulas numa universidade americana. Mas uma pessoa com tanto valor e experiência nunca ficaria muito tempo no desemprego. E surge agora esta maravilhosa oportunidade para liderar a parte internacional da Goldman Sachs, por acaso exatamente a mesma empresa que foi acusada de ajudar a Grécia a maquilhar as suas contas públicas para enganar a Comissão quando o dr. Barroso estava à frente da dita. Mas o que interessa isso? Já lá vai…

O que conta é que o dr. Barroso é o político português com a mais fulgurante carreira internacional e um exemplo para todos os emigrantes: com esforço e dedicação e os amigos certos tudo se consegue na vida. Que não seja muito apreciado por cá releva apenas da tradicional inveja do povo português. Os outros, entre os quais me incluo, esperam muito desta nova fase profissional do dr. Barroso. Sobretudo do ponto de vista ético.