As pessoas insatisfeitas, neste caso os eleitores, tendem a simpatizar com quem assume o discurso destemido. Sucede que a esquerda está à defesa. Defende-se da qualificação de extremismo que lhe é imputada e caiu no pior dos males: deixou-se condicionar. Com isso perde eleitorado mais jovem e sobretudo perde a sua própria juventude.
O resultado das últimas eleições parece representar uma derrota para o BE e para o PCP. É um engano. Os grandes derrotados daquela noite são trabalhadores portugueses, os que vivem do seu trabalho, os que dependem do salário mínimo nacional (SMN), os que não são classe média e que provavelmente não chegarão lá.
Estamos a falar de milhões de portugueses. Existem em Portugal cerca de novecentos mil trabalhadores que vivem do SMN, parte deles certamente com outras pessoas a cargo. Faz sentido a pergunta: se tantos portugueses estão em situação de pobreza, ou quase pobreza, porque não tem esta esquerda, que se bate pelos seus interesses e direitos, uma votação mais expressiva? E também faz sentido perguntar se esta esquerda deixou de satisfazer as aspirações de quem sente urgência na melhoria das suas condições de vida.
O problema existe.
Esta esquerda sofreu a erosão do voto útil no Partido Socialista. Ponto assente. Mas algumas razões havia também para os partidos mais à direita terem igualmente sentido a erosão do voto útil no PSD. Não aconteceu. A IL e o Chega cresceram, não obstante a necessidade de reforçar o voto em quem poderia, à direita, ser primeiro-ministro.
O que tem então esta nova direita que capta o voto dos eleitores? A resposta pode ser difícil de ouvir. Vejamos: esta direita não apresenta soluções colectivas – no sentido do que seria o melhor para todos – mas apenas soluções individuais. Votar no que é melhor para si mesmo. Quem vota na IL quer à partida prosperar, o que é absolutamente válido. Mas quer fazê-lo individualmente, ser um vencedor, apanhar o elevador social que, como se sabe, não tem a capacidade de um monta-cargas.
Uma boa concretização desta visão política é o simulador de poupança fiscal que a IL disponibilizou no seu site. Uma espécie de: “Eleitor, vamos ao seu caso específico”. Com a IL não existirá, entre o momento presente e o momento em que cada eleitor será uma pessoa abastada, um Estado que tributa a mais, distribuindo e desbaratando o dinheiro que, com mérito, esse eleitor ganhou. A ideia é que um dia serão todos ricos.
Nesta nova direita identificam-se inimigos. O Chega aponta armas ao sistema (o sistema que os deixou entrar e entre nós permanecer), aponta armas às minorias, aponta armas à classe política da qual faz parte. O Chega é o partido que está dispensado de cumprir a lei mas também, deve ser dito, de fazer sentido.
No dizer desses dirigentes, a governação do país tem-se caracterizado como sendo “socialismo”. Reparar que não radicalizam apenas o seu próprio discurso, incutem também a ideia do radicalismo dos seus opositores. Veja-se o caso do Partido Socialista; que dizer de um socialismo que, tendo conseguido uma maioria absoluta, recebeu congratulações dos bancos, dos banqueiros e do patronato? O socialismo do PS chama-se social-democracia e é puramente social-democrata a governação política dos últimos anos em Portugal. Já agora: foram quase todas à excepção da governação de Pedro Passos Coelho. Mas aqui está uma maneira eficaz de dispensar o PS de prosseguir políticas de esquerda.
As pessoas insatisfeitas tendem a simpatizar com quem assume o discurso destemido. Esse desejo de radicalidade – o de acabar com o mais do mesmo – faz até esquecer o que está em causa.
A radicalização daquilo que é puramente moderado e a diabolização dos partidos mais à esquerda fazem parte integrante da forma como estes partidos se apresentam ao eleitorado. Isto em conjunto com a sua própria radicalização. Estamos a falar da radicalização de discurso de ódio e discriminação, no caso do partido Chega, e da abolição do Estado Social no caso da IL. Neofascismo e anarco-capitalismo.
Alguma lição deverá a esquerda retirar daqui. As pessoas insatisfeitas, neste caso os eleitores, tendem a simpatizar com quem assume o discurso destemido. Esse desejo de radicalidade – o de acabar com o mais do mesmo – faz até esquecer o que está em causa. Sucede que a esquerda está à defesa. Defende-se da qualificação de extremismo que lhe é imputada. A esquerda mais à esquerda caiu no pior dos males: deixou-se condicionar. Com isso perde eleitorado mais jovem e sobretudo perde a sua própria juventude.
Pedro Nuno Santos (PNS) tem sido o político que, de tempos a tempos, consegue incendiar. O PNS, dirigente do partido do centro-esquerda. Este fenómeno diz muito: o eleitorado de esquerda precisa de fogo, da energia da luta e dos princípios que PNS sabe trazer para a oratória. Pois bem, essa energia e esses princípios existem de facto e encontram-se nos programas dos partidos que aparentemente perderam as eleições. Já agora: existem, por exemplo, nas propostas que apresentam para o problema da habitação, uma área em que PNS ainda não conseguiu implementar políticas com impacto.
Existe aqui um problema e existe aqui uma oportunidade. É assim que se diz no mercado. Começa assim.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Júlio Marques Mota, in Blog in a Viagem dos Argonautas, 03/02/2022)
Houve eleições em Portugal. O centro político ganhou, o PS teve a maioria absoluta, o PSD aumentou o seu número de votos mas ao contrário do que previam as sondagens, sente-se derrotado porque na sua mira estava a vitória e esta fugiu-lhe redondamente. À esquerda do centro político, com este a ser definido por PS+PSD, a derrota foi total, o que, do meu ponto de vista, fragiliza e em muito o próprio PS, digam os militantes deste partido o que disserem. A derrota desta esquerda pode acelerar a marcha do PS para se transformar num PSD de gente maioritariamente mais culta. À direita desse centro político temos um partido que mais cedo ou mais tarde será uma réplica do PSD, a Iniciativa Liberal, e temos ainda essa monstruosidade que dá pelo nome CHEGA. Pelo meio disto, entre a esquerda e o PS temos o PAN e o Livre, por agora de muito pouco significado.
Olhemos para os votos das legislativas de agora contra os resultados anteriores:
Centrão
2022
2019
PS
2 224 637
1 866 511
PSD
1 498 605
1 420 644
Total
3 723 242
3 286 155
2. Esquerda Real
2022
2019
CDU
236 635
329 241
BE
240 265
492 505
Totais
476 900
821 746
À Direita do Centrão
2022
2019
CDS
87 578
216 454
CHEGA
385 559
66 448
Iniciativa Liberal
268 414
65 545
Totais
741 551
348 447
As duas variantes do que estará lateral ao Centrão, é o Livre e o PAN. O Livre representa a variante culta e humanista da social-democracia no contexto dos Tratados europeus e estará disponível à “fusão” com a componente mais polida do Centrão, o PS, e gira em torno da gente mais à esquerda deste partido. A segunda versão, o PAN, está mais virada para os direitos dos animais não humanos que queriam colocados na nossa Constituição e disponível para a fusão com qualquer uma das componentes do Centrão. Uma variante a perder votos da juventude a favor da Iniciativa Liberal e do Livre, penso eu.
2022
2019
PAN
82 250
166 858
LIVRE
68 975
55 660
Totais
151 225
222 418
Não vamos fazer nenhum artigo sobre as eleições. Apenas faremos esta breve nota. Sobre as eleições de agora escrevemos no final de Outubro e nada temos a acrescentar. Sublinhemos apenas um pormenor. Continuamos a admitir que a queda do governo foi um erro para a esquerda real que terá caído na ratoeira armada e isso viu-se. Tal como se previa, a campanha foi polarizada e com um certo ódio de Costa à esquerda. Na última semana a polarização foi extrema e as sondagens NÃO fabricadas aceleraram essa polarização com um empate técnico. Curiosamente, mas muito curiosamente, Costa muda de agulha e mostra-se disposto a uma eventual geringonça que poderia ter o nome de geringonça ecológica, nome bem arranjado pelo LIVRE.
Estes dois dados levam à maioria absoluta de Costa, mas mais ainda, mostram que nada está perdido para a esquerda real. No quadro do medo instalado e da disponibilidade de Costa para a geringonça, levaram o povo de esquerda a votar conscientemente com os dados que tinha. Do meu ponto de vista isto foi mais uma armadilha. E, de resto, Costa não teve a dignidade política que teve Boris Johnson quando ganhou e reconheceu que ganhou com votos que não eram dele, eram do seu opositor, o Partido Trabalhista, eram votos de circunstância que ele tudo iria fazer para os conservar. A seguir, veio a mentira, não agiu em conformidade com o que disse. Dirá o povo, registe-se a intenção,. uma intenção que desta forma não foi vista em António Costa. A acreditar na esperança de Rui Tavares, talvez Costa tenha alguma simetria com Boris Jonhson, ou seja, não se ouve nas palavras mas vai-se ouvir nos factos, ao contrário de Boris Johnson que se ouviu nas palavras mas faltou no plano dos factos.
Pessoalmente, face a Rui Tavares, sou um descrente.
E porque sou um descrente, penso que se a esquerda real se mantiver no plano da defesa dos que trabalham e compensações não têm, dos que querem trabalhar e não têm, dos que têm direito a uma vida de trabalho decente e não têm, recuperará rapidamente os votos supostamente perdidos de vez nestas eleições.
Não alinho no discurso do meu antigo colega e amigo Boaventura Sousa Santos e de outros com posições equivalentes, bem fiéis à lógica seguida oficialmente pelo governo, que achava que a esquerda real se devia apagar para abrir a autoestrada da maioria absoluta ao PS e, agora, com o resultado na mão entende que a Catarina Martins se deve demitir. Não entendo, a não ser que se queira, por obscuros desígnios, a eliminação de quem mais fez frente à política de compromisso seguida pelo PS, o PC e o BE.
O centrão em eleições polarizadas como estas foram, tanto à direita como à esquerda, aumentou cerca de 437 mil votos, o que não me parece muito significativo, a não ser numa coisa: as pessoas têm medo da instabilidade e com PSD no poder sozinho poderia haver muita. Basta pensar que houve um acréscimo de eleitores ao nível global na casa dos 300 mil.
O que nestes valores é relevante é:
– a subida da direita racista e da direita ultraliberal, por um lado,
– e, por outro lado, o facto de que a esquerda real na situação de pânico criada deslocou cerca se 345 000 votos, teoricamente para o PS, e este partido aumentou o número de votos em cerca de 358.000 votos.
As contas feitas são simples de ver. Foi a esquerda real que deu a maioria absoluta ao PS! Que algumas pessoas de esquerda queiram agora a cabeça de Catarina Martins, depois de alcançarem a autoestrada da maioria absoluta que tanto desejavam, é coisa que não consigo entender.
Aliás, confirmou-se uma regra, já verificada noutros países, a de que em eleições polarizadas entre dois grandes partidos, perdem sempre os pequenos partidos que lhes estão mais próximos. O exemplo mais emblemático verificou-se no Reino Unido, em que o Partido Liberal fazia coligação com David Cameron. Houve depois eleições com uma disputa acérrima com os trabalhistas de Corbyn. Deu-se a polarização e os Liberais simplesmente desapareceram. Os seus eleitores deram o voto a Cameron com o medo dele perder. Aqui, em Portugal aconteceu exatamente o mesmo. À esquerda do PS, BE e CDU são sacrificados porque muitos eleitores têm medo que ganhe a direita e passaram a votar útil no PS, deslocando o seu voto, e quanto a isto os números são significativos. À direita do PS, temos apenas o CDS como parceiro de apoio do PSD, uma vez que Chega e Iniciativa Liberal são assumidos intencionalmente como adversários. O CDS desapareceu e possivelmente com muitos dos seus votos a irem para o Rui Rio. De resto, nem é por acaso que Rui Rio não quis fazer coligação com o CDS, à espera disto mesmo!. Os militantes do CDS teriam medo que Rio não ganhasse com os “comunistas” do PS e terão deslocado o seu voto. Em contrapartida os outros dois partidos, o Chega de extrema-direita e Iniciativa Liberal de direita, tiveram dinâmicas diferentes. Por um lado, o Chega não tem nada a ver com o PSD que queria conquistar o centro, exatamente como o PS, e só tinha uma saída: manifestar-se ruidosamente contra o sistema político. Foi o que fez e resultou. A Iniciativa Liberal, gente de um outro nível, estaria disposta a negociar com o PSD , o que se viu no debate com Rui Rio, mas só depois de ter poder para negociar e para isso precisava de ter muitos mais votos. Dito de outra maneira, do ponto de vista de coligações e de que em eleições polarizadas perdem sempre os partidos que servem de apoio aos partidos candidatos ao poder, o Iniciativa Liberal e o Chega não faziam parte dos partidos próximos do PSD.
Depois de conhecidos os resultados escrevi a um político experimentado das minhas relações dando-lhe conta dos meus receios dos resultados e escrevi o seguinte:
“Deixem-me dizer-vos que se o CHEGA tiver 4-5 deputados à altura e o mesmo se passar com a INICIATIVA LIBERAL o “barulho” será muito e talvez a Assembleia fique prisioneira da incapacidade da esquerda (com um e minúsculo) responder às necessidades do país. Um passaporte para o crescendo dessa direita nas eleições seguintes e aí o ruído será bem mais assustador. Mas assusta-se quem tem medo de que isso aconteça e eu tenho.
Esta é a minha perspetiva quanto à NOVA Assembleia e no pressuposto considerado destes dois partidos terem deputados de qualidade .
Resposta deste meu conhecido político experimentado:
“Caro Julio Mota
Deixa-me ver se entendi.
Preocupa-te, e assusta-te, o barulho que o CHEGA e a IL possam fazer e o que possam ganhar em eleições seguintes, caso a Assembleia fique prisioneira da sua incapacidade de resolver os problemas do País!
Explica-me o que te preocupa mais. O avanço do CHEGA e da IL ou a incapacidade da esquerda resolver os problemas do país, já que ligas um desenvolvimento ao outro. Isto porque para mim o que é preocupante, é, obviamente, o País e não o CHEGA ou a IL.”
A isto respondi:
“Entendeste. Tenho medo das duas coisas porque ambas estão ligadas, alimentam-se. Simples”
E obtive como resposta:
“Se é assim percebi, mas então comigo é diferente.
Eu não consigo intelectualmente pôr no mesmo plano a falência comprovada da esquerda nacional com o perigo potencial de duas forças políticas com 20 deputados em 230! A esquerda arruinou já a vida da maioria dos portugueses enquanto o CHEGA e a IL tiram o sono sobretudo a bloquistas e equiparados, ao partido mediático, e a intelectuais desligados da realidade!”
E fiquei por aqui. Não tenho dúvidas que a direita pura e dura irá continuar a crescer. Mais, sabemos que com a saída de vários deputados de qualidade, como José Manuel Pureza, João Almeida, António Filipe e outros, a qualidade dos tribunos irá, em geral, descer e com ela a qualidade do trabalho parlamentar. Se adicionarmos que o Chega não terá deputados de qualidade, resta-lhe desencadear mecanismos possíveis de bloquear o trabalho dos outros, a fazer obstrução sistemática na Assembleia e muito barulho, muito mesmo, na rua, alimentando as forças de direita.
Esta dinâmica de contestação e de bloqueio funcionará a favor do Chega e não só, uma vez que esse mal-estar será depois teorizado pela gente inteligente da Iniciativa Liberal e revertido também a seu favor, aumentando a sua atratividade face à juventude. Se levarmos também em conta a incapacidade mais que mostrada do PS em levar a cabo reformas sociais essenciais em termos do mercado de trabalho, saúde, ensino, carreiras profissionais em geral, assim como em termos da enorme gangrena que mina fortemente a sociedade portuguesa, podemos também a corrupção, podemos também assistir à forte contestação das classes sociais vitimas da incapacidade da Administração em satisfazer os seus legítimos interesses,. estaremos a criar um verdadeiro barril de pólvora. .
Não vejo o PS capaz de contrariar esta tendência na sociedade portuguesa, vejo-o antes a ser capaz de se moldar a ela, o que é bem pior e que poderá levar à explosão do dito barril, o que acarretará efeitos económicos e sociais fortemente devastadores. Contrariar esta tendência exige muito mais coragem política do que a que tenho visto: a de fraco com os fortes e forte com os fracos. Exige uma outra política que não a defesa sistemática das “regalias” alcançadas pela Troika a favor dos interesses de classe que esta sempre defendeu. Sobre essa outra política começámos hoje a publicar em A Viagem dos Argonautas uma série de artigos, cerca de 50, sobre a política do NEW DEAL e da coragem daqueles que animaram essa política: Nada a ver com o que se passa hoje.
E tomemos um exemplo. Na manhã de terça-feira telefona-me a minha neta a pedir que lhe explicasse a lógica subjacente do que vê nos seus amigos universitários, do que lê a circular nas redes sociais e tendo como autores muitos jovens universitários. E mostra-me vários exemplos do que se pensa na Universidade: Expliquei-lhe como pude. De uma das coisas que lhe falei foi da passagem do ensino gratuito a tendencialmente gratuito com Jorge Sampaio, que de tendencialmente gratuito se tornou ensino proibitivo. E depois da destruição do ensino superior com Bolonha, destruição tornada realidade com o PS.
Na sequência da reforma de Bolonha, falou-se dos mestrados a vários milhares de euros e para quem? Uma política de classes é o que isto representa, expliquei-lhe, e isto não tem nada a ver com socialismo. Tem a ver com a hierarquia de classes, a classe social dos que têm e a dos que não têm. E esta política de hierarquia de classes, não a vejo contestada por nenhum movimento estudantil. E sabes porquê, questionei eu? Não, foi a resposta. É simples, banalizas o ensino, a que chamas ensino de massas e, provocação das provocações, chama-se a isso Democratização do ensino.
Com a reforma de Bolonha criou-se, isso sim, uma ralé universitária. Depois precisas de separar o trigo do joio, mas o trigo e o joio não são aqui o mérito e o demérito. Não, não. O trigo aqui é o dinheiro, o joio é a falta dele. E muitos dos jovens que escrevem o que tu me mostras fazem parte do grupo dos que podem pagar, mas isso para eles só é válido se muitos outros estudantes não puderem pagar. O dinheiro e a falta dele a estabelecerem o que é mérito e demérito. Por isso, estes dinamizadores de massas , não contestam nada disso. Diz-me, por exemplo, perguntei eu, se vês movimentos estudantis a manifestarem-se contra estes preços de ricos para mestrados quando as licenciaturas estão completamente desvalorizadas. De forma ainda mais simples, se vês movimentos estudantis a exigirem bolsas de estudo por mérito que não sejam apenas as propinas para aqueles que as mereçam.. Aliás, nem há já movimentos estudantis, acrescentei. E a rematar disse-lhe: vocês, em vez desse nojo de textos políticos, deveriam lutar por melhores condições de ensino, por um ensino que dignificasse tanto alunos como professores, por uma melhor inserção da juventude na sociedade em vez de serem sujeitos a serem tomados como párias a residirem numa cabana chamada desemprego de longa duração e isto e mesmo, em muitos casos, sem nunca adquirirem o direito a ter uma profissão condigna.
Aqui vão dois dos exemplos que foram com a minha neta analisados:
Exemplo 1.
Exemplo 2.
Temos 6 anos de governação do PS no Ensino Superior e o resultado dessa política sobre o ensino superior e sobre a juventude em geral está em muitos comentários como estes. Traduzem uma triste realidade, por um lado, a incapacidade do PS mudar seja o que for e por outro a incapacidade da nossa juventude em captar as razões de ser dessa imobilidade quanto opta por comentários destes e por ir votar no Chega ou na Iniciativa Liberal. A maioria dos jovens que conheço vota assim.
Por tudo isto, penso que se a esquerda real se mantiver firme e souber tirar as devidas conclusões sobre a dinâmica social que explica estes resultados rapidamente irá ter a força que perdeu neste domingo. O povo ao mudar o voto para o PS fê-lo como povo de esquerda, enganado, é para nós certo, mas terá sido assim. E uma coisa que o nosso povo já mostrou, é que tem memória, e que é capaz de fazer de uma derrota uma vitória. É o que esperamos, é o que desejamos, até porque um PS sem uma esquerda forte à sua esquerda torna-se um partido capturável pelos múltiplos interesses do neoliberalismo.
E em jeito de conclusão relembro aqui a posição de Pacheco Pereira, que cito de memória, quando António Costa e esquerda “ganharam” contra Passos Coelho e a Troika em que terá escrito mais ou menos isto: foi bom que o PS tenha ganho e ganho com estes resultados, isto é sem maioria absoluta.
(Fernanda Câncio, in Diário de Notícias, 25/01/2022)
Só há duas formas de mudar um país – ter uma política diferente e ter mais de 50%. E se uma destas condições não existe então transforma-se em algo de inútil para disputar o poder. (…) Ter poder sem princípios não serve de nada. Mas ao mesmo tempo ter os princípios sem poder é igualmente inútil.”
As palavras são de Marisa Matias, no início de 2015, numa entrevista a Pablo Iglesias, secretário geral do Podemos e atual vice-presidente do governo espanhol. Ouvi-as, recordo, com espanto, quando preparava um perfil daquela que mais tarde nesse ano seria anunciada como a candidata presidencial do Bloco: era a formulação exata do meu pensamento sobre aquilo que via, com impaciência, como a infantilidade tradicional dos partidos à esquerda do PS face à realidade – a resistência a sair do lugar confortável do protesto, a assunção de pureza irredutível dos que não se conspurcam nas negociações e nos compromissos, dos que não se rendem às vicissitudes da realidade.
Afinal, pensei, ainda há no Bloco quem se lembre de que este foi apresentado, em 1999, na sua criação, como o novo partido à esquerda do PS que, ao contrário do monolítico e inamovível PCP, estava disposto a fazer pontes, a puxar o PS para a esquerda e até, talvez, a governar. O BE que surgia, com o seu grupo parlamentar paritário e sem gravata, as suas causas igualitárias, feministas, ambientalistas, como a lufada de ar fresco de que a esquerda portuguesa tanto precisava, um possível “desempatador” de um panorama parlamentar em que a direita conseguia fazer maiorias compostas e a esquerda nunca.
Esse espírito de entendimento e diálogo vimo-lo aliás seis anos depois, quando, na perspetiva da provável vitória sem maioria do PS, o BE então liderado por Francisco Louçã se prefigurava como o parceiro óbvio de governo – era essa a pergunta que se fazia insistentemente ao então secretário-geral do PS: se iria coligar-se com o BE e em que condições. Não aconteceu – o PS teve a sua primeira e única maioria absoluta até hoje – e a distância entre os dois partidos iria crescer até romper. Mesmo se em 2008, Louçã, num debate promovido pela editora Tinta da China, admitia que o governo socialista tinha até então posto em prática uma parte considerável do programa do Bloco – e não se referia apenas às matérias ditas “fraturantes”, longe disso. “Ainda bem, significa que conseguimos fazer valer o nosso ponto de vista”, comentou o coordenador do BE, sem discutir o essencial, ou seja, que os programas dos dois partidos eram essencialmente compatíveis. Sabemos, porém, o que sucedeu depois; e sabemos também o resultado que o sucedido teve.
Adiante: quando em 2015 Marisa Matias, provavelmente a mais social-democrata dos bloquistas (é um elogio), disse o que cito no início deste texto sobre poder e princípios ainda não tinha acontecido a debacle do Syriza na Grécia, o referendo convocado para 5 de julho de 2015 pelo governo para ouvir o povo quanto ao ultimato europeu e o subsequente ignorar da negativa que recebeu em resposta e pela qual fizera campanha; ainda não tínhamos visto um partido da dita “esquerda verdadeira” a render-se, de modo totalmente inesperado, ao princípio da realidade e a aceitar o memorando austeritário cuja rejeição tinha pedido ao povo para em seguida, após eleições legislativas, se aliar a um partido de direita de modo a continuar a governar. Ainda não tínhamos visto o BE a tentar digerir o que pode suceder a um partido irmão quando em vez de protestar, criticar e exigir passa para o outro lado e se vê a ter de escolher entre atirar a toalha e fugir, ou ficar e aceitar o que parecia inaceitável.
Ainda não tínhamos visto Catarina Martins, na campanha para as nossas legislativas de 2015, comentar assim a vitória do Syriza nas eleições gregas convocadas a seguir ao referendo: “Prova que o povo grego não quer voltar atrás. É verdade que o plano que foi imposto ao governo grego não é uma rutura com a política de austeridade, e é conhecida a oposição do BE a esse plano assinado pelo governo grego. A rutura de que precisamos na Europa não existiu ainda. Mas se ganhasse a Nova Democracia [partido grego de centro direita] seria voltar ainda mais para trás.” Na mesma entrevista ao DN em que aceitava ser melhor um Syriza em capitulação perante a austeridade que um governo de direita que faria decerto pior, Martins negava que o BE quisesse continuar a ser um partido de protesto: queria ser governo, mas sem “ceder em objetivos essenciais”.
Seis anos depois e quase 23 após a sua fundação, o BE não foi ainda governo; nunca teve realmente de sopesar a importância relativa do poder e dos princípios. Parece, no entanto, ter sopesado a importância relativa do que é melhor para o partido: continuar a apoiar um governo PS, com as cedências necessárias nas negociações, ou arriscar eleições.
Neste jogo em que todos culpam todos, parece óbvio que, como escreve Boaventura Sousa Santos no Público, a esquerda portuguesa decidiu, depois de uma iluminação redentora em 2015, voltar a ser burra e esquecer de novo aquilo que parecia ter aprendido: que a direita nunca tem problema nenhum em fazer cedências e dar todas as cambalhotas necessárias, incluindo, como se constata no namoro sonso de Rui Rio e da IL ao Chega, vender a alma (a existir) ao diabo, para segurar o poder.
Relembremos então: ter princípios sem poder é inútil – se a ideia é mudar o mundo ou um país e não apenas fazer manifestos para o vento. É agora que vivemos e não nos amanhãs cantáveis – e até o PCP, a maior surpresa dos últimos seis anos, parecia ter percebido isso. Podemos então, por favor, por favor, ser crescidos? Podemos ter – outra vez – a coragem de não ser puros?