O imposto secreto que nos andam a cobrar

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 14/11/2018)

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Está na altura de subir o salário mínimo. Mesmo. Desde logo, para repor uma enorme injustiça social. Haver quem trabalhe e seja pobre devia deixar-nos a todos indignados.

Por outro lado, há fortes evidências de que os aumentos do salário mínimo nas últimas décadas aumentam o rendimento disponível para os mais pobres. Existe, portanto, uma relação direta entre estes aumentos e a diminuição da pobreza.

Segundo algumas estimativas nos Estados Unidos cerca de 33% dos aumentos de rendimento resultantes das mudanças no salário mínimo beneficiam os 15% com menores rendimentos. Se olharmos para os 33% por menores rendimentos, esses retêm 80% dos aumentos.

Por cá, estes estudos não abundam, e é indispensável que se comecem a fazer. Temos de poder ter melhor e mais detalhada informação. Os recursos existem, é preciso quem invista nisto.

Estas pessoas devem poder viver do seu trabalho. Mais, e aqui assumo o recado direto aos meus amigos da ortodoxia do défice: remunerar adequadamente o trabalho baixa os custos do Orçamento com políticas sociais (ainda por cima, insuficientes) de apoio a estas famílias.

Ao aumentar o salário mínimo transferimos a responsabilidade por dar condições de vida para as empresas que beneficiam dos resultados desse trabalho nos seus lucros e aliviamos os demais contribuintes deste imposto oculto, que não financia hospitais nem escolas nem transportes, mas que subsidia trabalho pago abaixo do seu valor.

Andamos a pagar impostos para suportar famílias que não conseguem viver do seu trabalho para benefício de empresas lucrativas. Este é um imposto que eu, por mim, deixava de pagar. E vocês?

Podemos diminuir a pobreza e o défice. O que é preciso é ter coragem de afrontar o lobby das empresas que procuram preguiçosamente maximizar o lucro pagando salários o mais baixos possível, em vez de apostarem na inovação ou na excelência de gestão. Felizmente não são todas, e são cada vez menos.

Comparando com os níveis anteriores à crise, estão por repor 6 mil milhões de euros nos rendimentos do trabalho. Esses 6 mil milhões estão, em parte, do lado do aumento dos impostos e, na sua maioria, do lado dos rendimentos de capital. Há muito espaço de manobra para corrigir esta enorme assimetria. O salário mínimo é um instrumento que faz isto discriminando positivamente os mais pobres e aliviando os demais trabalhadores do encargo com políticas sociais que passam a ser desnecessárias. Todos ganham, e ganham mais os que mais precisam.

É razoável, justo e prudente que se comece pelo salário mínimo. 600 euros, ou mesmo 615 são o mínimo dos mínimos e deveria ser bastante mais.

Mais Meio Milhão de Postos de Trabalho

(Dieter Dellinger, 01/09/2018)

diabo ou pai natal

(É com estas notícias que a direita se morde toda. Lembram-se do Passos se ter fartado de dizer que vinha aí o Diabo? Ora, afinal, o que veio foi mais emprego e mais dinheiro, pelo que os portugueses correm o risco de julgar que, se o Costa é o diabo, deve estar muito bem disfarçado, porque mais parece o Pai Natal… 🙂

Comentário da Estátua, 01/09/2018)


Na vigência da “Geringonça” foram criados 500 mil empregos, nos quais as mulheres dominaram e representam hoje 49% da força de trabalho. Esta feminização do trabalho resulta dos baixos salários que obriga os dois cônjuges a trabalharem, mas ultrapassou a Suécia que batia o recorde neste campo. Curiosamente, os mortos em acidentes de trabalho são 100% homens.

Sócrates deixou 4.867.100 pessoas a trabalharem. Agora, de novo com o PS, a força de trabalho subiu para 4.874.100 trabalhadores.

O extraordinário é que foram criados 219 mil empregos ocupados por pessoas entre os 55 e os 64 anos, a mostrar que muitas empresas necessitavam de pessoal com experiência.

Os homens perderam com o governo Passos-Cristas 310 mil empregos e recuperaram apenas 235 mil postos de trabalho. As mulheres perderam perderam 202 mil e ganharam 284 mil.

Infelizmente mantiveram-se os cerca de 22% de empregos com vínculo precário que atingem os trabalhadores mais jovens, mas estes necessitam imperiosamente de experiência para darem o salto para empresas melhores.

Na agricultura há uma tremenda falta de trabalhadores e passei há dias por S. Teotónio. Numa festa vi centenas de trabalhadores asiáticos, aparentemente do Bangla Desh ou Tailândia, que trabalham nas estufas. Tinham lá as suas esplanadas e restaurantes em que forneciam os seus pratos típicos que estavam também a ser consumidos pelo pessoal da terra em perfeita harmonia, menos na língua, mas entendiam-se por sinais e algumas palavras portuguesas.

A indústria luta com muita falta de trabalhadores e até as fundições foram buscar pessoal com 60 anos porque não encontram ninguém. Nalgumas empresas, esse pessoal mais idoso está a formar jovens que são empregues já não a título precário, mas definitivamente para que a empresa os não perca. Há um pequeno período precário para ver se são pessoas motivadas para aquele trabalho que era sujo e difícil no passado recente, mas hoje é muito melhor com os equipamentos modernos.

Enfim, amanhã pelas 7 horas da manhã Portugal estará perfeitamente em ordem e nos dias seguintes também.

VIVA A PÁTRIA – VIVA PORTUGAL

RBI: matar a serpente ainda dentro do ovo 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 21/02/2018)

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Carlos Moedas e Pedro Duarte apresentaram uma moção ao último congresso do PSD onde defenderam “um novo contrato social que assegure sustentabilidade ao sistema e eficácia ao modelo”. Eles explicam: “O debate deve questionar a justiça da atual progressividade fiscal, deve estudar formatos inovadores como o rendimento básico universal e deve equacionar novas políticas ativas de emprego, dando a flexibilidade que a nova economia exige, sem pôr em causa a segurança que legitimamente os cidadãos anseiam.”

A melhor resposta a esta proposta veio neste artigo de Pedro Nuno Santos: “Está longe de ser óbvio que a automatização tenha o impacto devastador no mercado de trabalho que se antevê. Mesmo que daí resulte uma dramática diminuição do emprego, porém, a prioridade política deverá passar sempre por compatibilizar a redistribuição do rendimento com a do emprego (através da redução do horário de trabalho), e não apenas do rendimento, aceitando a exclusão de muitos do acesso ao emprego. Qualquer redistribuição de rendimento totalmente desligada do trabalho (através de um rendimento básico) reduziria a dinâmica de reciprocidade de que vive uma comunidade e produziria uma sociedade atomizada. Essa atomização seria ainda reforçada por uma maior desregulação laboral que a moção defende sob a capa da ‘flexibilidade que a nova economia exige’. Visto com atenção, o pacote ‘fim da progressividade fiscal-rendimento básico universal-flexibilidade laboral’ não é a nova social-democracia: é o velho liberalismo económico renovado e intensificado.”

À redução do horário de trabalho, referida por Pedro Nuno Santos, acrescentaria a criação de novo trabalho público que responda a novas necessidades sociais. Do acompanhamento à terceira idade à proteção das florestas, da mediação cultural ao sector criativo. E quem diz que não há dinheiro para isto terá de explicar onde vai buscar o dinheiro para um Rendimento Básico Incondicional que, para não ser ridiculamente simbólico, obrigaria a tal despesa pública que teria de passar pela destruição de grande parte do Estado Social. Não faz mal, explicarão alguns dos seus defensores liberais, o RBI substitui a provisão pública desses serviços. Pegam no dinheirinho e vão ao médico privado ou para o colégio. É uma versão recauchutada do “cheque ensino” e outras modalidades semelhantes que rebentarão com a Escola Pública e o SNS.

Ricardo Arroja, um ultraliberal assumido, explica tudo: “A experiência que hoje se testa na Finlândia consiste num RBI de 560 euros mensais. Se reproduzíssemos em Portugal a mesma ordem de grandeza, teríamos um RBI (ajustado ao rendimento per capita nacional) de 280 euros por mês. Ademais, se este RBI fosse pago doze vezes por ano a todos os 10 milhões de portugueses, o custo total da medida seria de sensivelmente 34 mil milhões de euros (quase 20% do PIB português). Tratar-se-ia de um montante muito próximo do total de despesa pública despendida conjuntamente em educação, saúde, integração e proteção social. Uma ideia seria pegar em parte dessa despesa pública e entregá-la aos cidadãos em forma de RBI. (…) Alternativamente, a solução consistiria em aumentar os impostos para pagar o RBI, ou simplesmente para financiar mais Estado social. E aqui chegamos ao ponto central da teia de interesses. Afinal, se é para aumentar despesa, para quê inventar (RBI) se a máquina (Estado social) já está montada…?” Obrigado pela clareza, caro Arroja.

Ter uma Escola Pública e um SNS não é o mesmo que subsidiar os cidadãos para pagar o colégio e o médio. A diferença está na partilha dos mesmos serviços, que devemos exigir serem excelentes e interclassistas, ou na crescente estratificação social da escola e da saúde. Isto faz sempre toda a diferença, mas faz uma diferença ainda maior em sociedades fortemente desiguais como a nossa. Quem inventou o RBI descobriu o ovo de Colombo para o financiamento público do negócio privado da saúde e da educação.

Os muitos que à esquerda caem na esparrela do RBI devem pensar porque estão todos os social-democratas dignos desses nome contra esta proposta e tantos neoliberais, como Carlos Moedas, a abraçam com entusiasmo. Porque a escolha que acabará por se impor é entre um o Estado Social e um rendimento mínimo miserável (280 euros) que o substitua. Não é para agora. É para ir fazendo o caminho. O caminho que nos acalme e nos leve a abandonar a luta pelo pleno emprego com menos tempo de trabalho para cada um e a involuntariamente participar na destruição do Estado Social.

Desengane-se qualquer democrata, de esquerda ou de direita, que defenda isto. Não há democracia que sobreviva a uma comunidade onde metade da população não trabalha e vive de um subsídio. Começámos por não levar a sério a proposta do RBI. Agora, que a direita que conta percebeu as sua potencialidades, é altura de não fugir mais ao debate. Matar esta trágica ideia tornou-se numa prioridade.