A universidade sob a condição digital

(António Guerreiro, in Público, 09/07/2021)

António Guerreiro

Por um extenso artigo no Expresso da semana passada, onde eram ouvidos vários reitores de universidades, acompanhado por uma entrevista ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, ficámos a saber que “há uma transformação profunda a ser preparada no ensino superior”. Esta “revolução” consiste em “criar um modelo de ‘ensino híbrido’, em que as aulas teóricas são disponibilizadas online e o tempo na universidade é reservado sobretudo para aulas práticas”. Ou seja, a didáctica à distância introduzida por razões de emergência sanitária ganha um estatuto definitivo. O factor pandemia funcionou a favor de um processo que já estava em curso e que só precisava de encontrar mais ampla legitimação e experiência para ser acelerado.

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De acordo com este modelo, a componente teórica do ensino universitário fica por conta dos meios digitais e reduz-se o seu peso curricular. Manuel Heitor, o ministro, explica assim esta transformação: “Hoje, os jovens têm acesso fácil à informação, que está disponível em muitas fontes”. O presidente do Instituto Superior Técnico corrobora e diz que “parte do que era a formação docente, que era transmitir informação” se tornou “grandemente redundante”. E quanto ao reforço da componente prática e da flexibilidade, as razões são explicitadas pelo reitor da Universidade Nova, João Sàágua: “Os empregos do futuro são difíceis de prever, pelo que os estudantes têm de ter a capacidade de criar o seu próprio negócio. Por conseguinte, todos eles, das ciências sociais à engenharia, passarão a ter durante o curso uma formação em empreendedorismo”.

De maneira muito sumária, tentemos resumir as razões e os objectivos desta “transformação profunda”:

1) Não foi apenas, nem sobretudo, a experiência da didáctica online praticada durante a pandemia que permitiu torná-la uma solução estrutural e definitiva: a universidade já tinha integrado e desenvolvido as condições para que esta substituição se desse (ou, pelo menos, era um ideal para o qual se tendia). Por isso, todos os desejos de reabertura e regresso à “normalidade” caíam na ilusão de querer voltar a algo que historicamente já tinha deixado de existir.

2) A ideia de que teoria e informação são equivalentes e de que os novos meios digitais são fontes de informação que tornam redundante o papel dos professores das aulas teóricas tem como fundamento o princípio de que o acto da leitura (aquela que não se reduz à obtenção e elaboração de informações e dados), que é uma experiência completamente estranha ao tempo e à espacialidade digitais, se tornou obsoleta. Este ensino universitário sem leitura (e, consequentemente, sem história) tem como requisito fundamental uma nova “literacia”, que João Sàágua formula desta maneira: “E há outras matérias que vão também passar a fazer parte de todas as licenciaturas, como a capacitação digital, a nível de big data e codificação”. Esta cultura da literacia digital corresponde ao que alguns universitários americanos designaram como obsessão por um “new vocationalism” que renuncia ao ideal de uma esfera de interacção comunicativa em que os cidadãos não estão reduzidos a códigos linguísticos específicos, apenas funcionais no interior de uma esfera estrita de aplicação.

3) É antiga a obsessão da universidade com o mercado de trabalho. Mas agora passou a ser necessário projectar o ensino universitário num horizonte em que “os empregos do futuro são ainda difíceis de prever”. Fácil de prever, e já amplamente previsto, é uma sociedade de gente desocupada, graças à automatização. Uma universidade capaz de responder aos desafios do futuro, como quer o reitor João Sàágua, deveria então voltar-se não para o trabalho mas para a ausência dele, introduzindo nos seus cálculos prospectivos a situação de uma sociedade sem trabalho e não a generalização do empreendedorismo, já que o número de empreendedores com que o mercado e a sociedade podem funcionar é muito limitado, a não ser que imaginemos que metade da população empreendedora vende o produto dos seus empreendimentos de madrugada e até ao fim da manhã, e a outra metade que foi consumidora matinal passa a fornecedora vespertina e nocturna dos empreendedores da manhã. A iniciativa de uma universidade de Hamburgo, que atribuiu uma bolsa a quem apresentasse o melhor projecto de não fazer nada durante um ano, talvez esteja mais à altura dos desafios do futuro e das exigências de uma universidade moderna do que a obsessão com o trabalho, o emprego e os novos vocacionalismos.  



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A morte dos livros

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 08/12/2018)

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Miguel Sousa Tavares

É de bom tom começar pela usual declaração de interesses: Luiz Schwarcz é o meu editor brasileiro. Fundador, presidente, alma e coração da Companhia das Letras, que, para grande orgulho meu, é, não sei se a maior em volume de negócios, mas certamente a mais prestigiada editora brasileira — reunindo, entre os seus autores, os clássicos brasileiros, de Guimarães Rosa a Jorge Amado, e os novos, de Milton Hatoum a Chico Buarque. Há uns anos, juntou ao seu já extenso catálogo o da norte-americana Penguin Books, fazendo com que o acervo de autores sob a chancela da Companhia das Letras constitua uma biblioteca de fazer inveja a qualquer bibliógrafo. O Luiz é um editor que verdadeiramente ama os livros, assim como ama a música (foi um dos fundadores da Orquestra Sinfónica de São Paulo), os cavalos de corrida e a mesa com amigos. Foi com ele que pela primeira vez aprendi o que era “pagar a rolha” num restaurante. Foi no Figueira, em São Paulo, assim chamado porque tinha (ou ainda tem?) um imenso pátio onde se comia debaixo da mais extraordinária e frondosa figueira que alguma vez vi. Jantávamos, a convite do Luiz e, além da sua mulher, a historiadora Lilia Moritz, o já citado Milton Hatoum, autor do notável romance “Dois Irmãos” (mas não só), a Fafá de Belém e eu. O Milton, natural da Amazónia, ficou embevecido e admirado quando me viu, depois de consultar o cardápio, encomendar um filete de tucunaré, da trilogia dos peixes do rio Amazonas — tucanaré, pirarucu e tambaqui, os únicos grandes peixes do Brasil, pois que os de mar não prestam, para nós, portugueses, que desfrutamos do melhor peixe do mundo. Mas eu é que fiquei verdadeiramente espantado quando vi o Luiz sacar de um saco com duas garrafas de vinho que tinha trazido de casa, entregá-las ao empregado e dizer: “Sirva estas”. Grande conhecedor de vinhos, ele inventara, aos meus olhos pelo menos, o sistema da “rolha”, que depois vi replicado noutros lados, em que se leva o vinho de casa e só se paga uma quantia simbólica pelo serviço.

Isto para introduzir o personagem, antes da sua mensagem. Na semana passada, o Luiz Schwarcz enviou uma carta aberta a autores, editores, livreiros, leitores, amigos de livros, escrita em inglês e intitulada “Love letters to books”. O pretexto foi a simultânea entrada em processo de catástrofe das duas maiores cadeias de livrarias brasileiras, a Cultura e a Saraiva, uma fechando 40 lojas e a outra abrindo um processo de insolvência judicial, ambas deixando pendentes milhões de dívidas às editoras. Na sua carta aberta, espécie de grito de desespero de credor, mas, acima disso, de amigo dos livros, o Luiz escreve que nos últimos anos o mercado livreiro do Brasil se retraiu em 40% (o mesmo que em Portugal) e que muitas cidades brasileiras estão prestes a ficar sem uma única livraria. E acrescenta este desabafo : “Passei pelo pior momento da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive de deixar partir seis empregados que fizeram parte da Companhia e deram uma contribuição vital para o que fomos construindo dia após dia”. E termina apelando para que todos dêem ideias, sugestões, que ao menos comprem livros neste Natal, “para que mostrem algum amor por uma coisa que nos deu tanto durante tanto tempo: o livro”.

O apelo de Luiz Shwarcz não gerou só likes no Brasil. Em parte porque ele coincidiu com o anúncio de que o Luiz, embora mantendo-se presidente da Companhia das Letras, tinha acabado de vender a maioria do capital à Penguin, agora fundida com outro gigante americano da edição, a Random House. E em parte porque pequenos livreiros de pequenas cidades do interior o acusaram de se preocupar apenas com a falência das grandes cadeias de livrarias — às quais as editoras se submeteram ou foram forçadas a submeter-se. Tal como em Portugal. Mas isso é apenas parte da história da morte em curso dos livros: o estado actual da história. O livricídio começa pela oferta, antes de acabar na procura.

Anos atrás, numa Feira de Frankfurt — uma feira de vendas para editores e agentes literários, onde alguns autores são exibidos como rezes numa feira de gado — uma plateia de acabrunhados editores concordava com a iminente morte do livro, enquanto objecto, face ao aparecimento e inevitável triunfo do livro electrónico, o Kindle. Não havia nada a fazer, o inimigo era imbatível, assentiam aquelas avisadas cabeças, imaginado legiões planetárias de leitores em aeroportos, praias, jardins, autocarros, a sacar do seu Kindle e a devorar livros a 50 cêntimos cada um. Nos tempos seguintes, em cada contrato de edição que me apresentavam para assinar, inevitavelmente, lá vinha uma cláusula incluindo direitos sobre a edição online, o futuro irrecusável, juravam, e eu, inevitavelmente, recusava-a. Uma parte por intuição e talvez nostalgia: cresci com os livros como objecto físico, palpável, visível. Cada edição dos meus autores de cabeceira era como uma edição dos discos dos Beatles: tinha um cheiro próprio, a capa era olhada e apreciada mil vezes, acariciada com a mão, o papel era pesado e alisado, o seu lugar na estante era judiciosamente estudado, a sua lombada era fixada para sempre, nada era em vão. Outra parte tinha que ver com um raciocínio de ética económica: o Kindle da Amazon representava a mais devastadora e amoral destruição de uma cadeia de produção que eu já tinha visto. Começava por destruir os empregos e os investimentos ligados à indústria de papel dos livros; depois à parte da impressão, a gráfica; a seguir, à edição; depois, à distribuição; em seguida, com tudo o que tinha que ver com as feiras dos livros, visto que não haveria livros-objectos para apresentar nem para autografar; e, no fim da cadeia, sacrificaria os próprios autores, a quem pagariam uns miseráveis cêntimos por cada exemplar vendido com o falacioso argumento de que se venderiam muitos mais livros visto que seriam muito mais baratos. No final, feitas as contas, apenas o pirata do senhor Jeff Bezos, dono da Amazon, teria acrescentado a sua incontável fortuna, abrigada em paraísos e esquemas fiscais, à custa do talento e do emprego dos outros.

Mas se, contra as expectativas dos avisados crânios, o livro electrónico felizmente se revelou um fiasco, do lado da oferta a nova ameaça são as grandes superfícies de venda de livros que, de facto, matam as livrarias e impõem aos editores condições de sobrevivência insustentáveis. Se ver livros à venda em supermercados já é penoso, pior ainda é saber que é preciso comprar espaços de exposição e entrar em campanhas de promoção ao nível dos descontos em chouriços e detergentes. Mas é assim que estamos.

Mas é assim que estamos porque é assim que está a procura. Já quase ninguém lê livros. Como quase ninguém lê jornais ou revistas. Isto daria tema para todo um outro artigo, para que me falta espaço. Direi apenas, abreviadamente, que as redes sociais têm nisto, obviamente, uma trágica responsabilidade: elas são a maior fonte de leitura actual e a maior fonte de iliteracia funcional. Mas não são a única: a crítica literária que se faz em Portugal (e eu conheço outras) é também altamente responsável, porque não cumpre a sua função essencial de orientar os leitores para o encontro dos livros que lhes podem criar hábitos de leitura. O desporto favorito dos nossos críticos literários é não dizer do que trata um livro. Quanto mais confusa ou inexistente é a história de um romance, mais rebuscada e exaltante é a sua crítica, para no final se concluir que o autor é um génio, o crítico é brilhante e o leitor é um idiota se não entende a genialidade e o brilhantismo de um e de outro e se na próxima vez não voltar a comprar outro livro do mesmo autor. E, desnorteados, os editores botam as frases laudatórias dos brilhantes críticos nas cintas do próximo livro do genial autor e ficam à espera… acabrunhados com os exemplares por vender, devolvidos ao fim de uma semana, por um supermercado perto de si.

É toda uma cadeia feita de suicidárias cumplicidades na mediocridade, de arrogantes sentimentos de superioridade, de desnorte editorial, de falta de senso, de coragem e de imaginação, que aos poucos nos vai transportando, leve, levianamente, para um mundo de pesadelo, que sempre foi o sonho de todas as ditaduras: um mundo sem livros.


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

A falácia das redes sociais como culpadas dos males do mundo

(Henrique Monteiro, in Expresso, 10/11/2018)

HENRIQUE

Henrique Monteiro

(Há tipos de quem discordo politicamente mas com os quais iria de bom grado “beber uns copos” e dar “duas de letra”, porque seguramente teríamos assuntos para partir pedra até fechar o tasco. É o caso do “camarada” Henrique Monteiro que, de quando em quando, dá ao prelo prosas que merecem destaque, como é o caso desta.

As redes sociais vieram para ficar e, em si, não são boas nem más. Serão aquilo que a maioria de nós quiser que sejam: e tanto podem ser um espaço de liberdade nunca visto, como um instrumento de manipulação prodigioso. Nada de novo na história da Humanidade. 

É sempre a eterna luta do BEM contra o MAL, da liberdade contra a tirania.

Comentário da Estátua, 10/11/2018)


Sinceramente estou farto de ouvir inteligências várias culpar as redes sociais pela explosão do populismo, pela radicalização de posições políticas ou pela existência de extremismos vários. Mesmo que possa concordar com tal tese (no que não caio tão facilmente), interrogo-me: e depois? O que pretendem fazer? Censurá-las? Limitá-las a pessoas que as sabem usar? Adotar uma licença de utilização das redes?

Se olharmos para as redes como uma democratização da opinião, porque qualquer pessoa a elas tem acesso e pode, em teoria, espalhar a sua opinião de forma global, teremos de concluir que não gostamos dessa democratização sociológica que permite o acesso de todos a todos. O fim da intermediação, seja nas notícias (jornalistas), seja na ciência (cientistas), seja nos negócios do Estado (políticos) é um facto adquirido. Não existe! A mensagem é o que o emissor quiser. Este, por muito idiota que seja, está nas redes em quase pé de igualdade com especialistas. Os recetores deixaram de estar na sala de uma conferência ou fazer parte da elite que comprava jornais. São, literalmente, toda a gente.

As redes sociais, impõem soundbites pela limitação de carateres e levam à radicalização? (…) basta o futebol para ver que se pode ser muito mais ofensivo em muito menos carateres

Enfim, não gostamos (também não gosto) do que vimos. E o que estamos sempre a ver, a ler e a ouvir vem de todos os lados. Notícias falsas sempre existiram, como teorias estranhas de conspiração ou perseguições e bullying. Podemos recordar a tradução do latim para línguas correntes da Bíblia e o problema que isso trouxe à Igreja ao pôr em causa a sua intermediação, ou o episódio das ‘bruxas’ de Salém (ver filme). O que era mais ou menos local passou agora a global. Pensemos na praça de uma pequena vila e no que a multidão chamava ao detido por qualquer crime; em tamanho minúsculo temos o que o hoje é macro.

As redes sociais, impõem soundbites pela limitação de carateres (como no Twitter) e levam à radicalização? A mim basta pensar-me no que se dizia — enforquem-no! matem-no! encham o tipo de alcatrão e penas — para não ser tão taxativo. Aliás, basta um estádio de futebol para ver que se pode ser muito mais ofensivo em muito menos carateres.

Antes das redes, dirigentes bárbaros, sanguinários, estúpidos ou perversos foram adorados pelas massas. É muito melhor e útil analisarmos as vagas de irracionalidade próprias dos seres humanos do que culparmos o meio (e já não só o mensageiro, porque foi este que, em suma, tem vindo a desaparecer).

Culpar as redes dá um certo ar elitista; pode, até, ser chique, mas não parece ter base sólida. O mundo global e as suas ferramentas permitem-nos viver lado a lado com ignaros. O mundo sempre assim foi, apenas o conhecemos melhor.

O conhecimento pode ser comunicado, mas não a sabedoria

Herman Hesse (1877-1962)
escritor e poeta alemão, prémio Nobel em 1946, no seu romance “Siddharta” (1922), que relata a sua viagem à Índia em 1910. Siddharta é o nome próprio de Buda, pensador e monge indiano do século V a.C.


OS DIAS QUE ME OCORREM

WEB SUMMIT

Terminou e foi mais um grande evento. Apesar de num artigo interessante o presidente do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, dizer que é tudo um pouco superficial, sempre nos dá um ar vanguardista. Que Marcelo matizou ao dizer (com razão) que tudo isto tem de ser “ao serviço do bem humanidade”. Fez bem em voltar ao básico.

DIREITOS HUMANOS

Por falar nisso, Vital Moreira, presidente da Comissão de Comemorações, e Paulo Saragoça da Matta, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, abriram, ontem, no Parlamento, o dia dedicado a celebrar os 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma sessão de dia inteiro, com uma parte solene a que não faltaram Marcelo, Ferro Rodrigues e a ministra da Justiça. Debatem-se diversos aspetos dos direitos: pessoas vulneráveis, bioética ou prisões. Menos tecnologia e… mais humanidade.

100 ANOS DEPOIS

A nossa grande parada foi domingo passado, mas é amanhã que passam 100 anos sobre o armistício. Há quem diga (por exemplo, o historiador António José Telo), que o mundo já está numa espécie de guerra semelhante à de 1914-1918. Seja como for, mais sentido faz celebrar a paz, o que se fará em Paris (Marcelo lá estará). E aprender que a sobranceria e intransigência de Versalhes há 100 anos foi, em parte, o detonador da II Guerra Mundial.

80 ANOS PASSADOS

Ontem, há 80 anos, os nazis destruíram 1400 sinagogas e propriedades judaicas na chamada Noite de Cristal, na Alemanha. Merkel foi a uma sinagoga prestar homenagem às vítimas. Em França, segundo o jornal “Libération”, os crimes antissemitas aumentaram este ano 69%.​

ELEIÇÕES MADE IN USA

Trump aguentou-se, embora ficasse sem a Câmara dos Representantes. Horas depois já estava a maltratar um jornalista e os seus serviços a manipular um vídeo contra o mesmo jornalista. Palavras para quê? — como dizia o velho anúncio — é um artista e grande parte do povo adora os seus números.

JAWOHL!!!!

Em português, ‘Sim, Senhor’. É o que se deve responder a Rio quando fala alemão. Por alguma razão Carlos V terá dito: “Falo espanhol com Deus, italiano com as mulheres, francês com os diplomatas e alemão com meu cavalo”. Ah! É verdade, aquilo do Silvano não tem qualquer importância. É só uma marosca digna de um vendedor de tapetes de feira… (sem ofensa para os vendedores nem para ninguém que, por eles, se possa indignar).

COISAS SOLTAS

Nota alta para Manuel Alegre na carta contra o politicamente correto que dirigiu a Costa. Feliz achado numa gruta no Bornéu — desenhos de mãos e de animais com mais de 40 mil anos obrigam a novas datações da Pré-História. E ainda o caso do holandês que tem 69 anos e quer mudar a idade legal para 48 a fim de atrair mulheres na aplicação Tinder. Afinal, se se pode mudar de sexo, porque não de idade, reclama. E esta, hein? (como dizia o Pessa).

CONFORTOS DA ALMA

SALÉM

Uma interessante peça de teatro de Arthur Miller (1905-2005), com o título original “The Crucible” (A Tenaz). Miller, um dos maiores dramaturgos dos EUA, bem conhecido por “A Morte de um Caixeiro Viajante” (e também por se ter casado com Marilyn Monroe), terminou esta obra em 1953 como resposta ao ‘maccartismo’. Um pouco por todo o mundo a obra foi difundida num filme de 1996, traduzido entre nós como “As Bruxas de Salém”, realizado por Nicholas Hytner, com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder nos principais papéis. A história baseia-se em factos verdadeiros, passados em 1652 em Salém, Massachusetts quando umas jovens participam numa sessão de ‘magia negra’ organizada por uma escrava africana. Apanhadas, desencadeia-se uma teia complexa de crenças e jogos que terminam no julgamento de três respeitáveis e totalmente inocentes cidadãos. Quando estão a ser enforcados rezam o Padre-Nosso. O último a sucumbir, John Proctor, morre antes do momento de dizer ‘Amen’, que significa ‘assim seja’. Um efeito magistral do autor.

MENTIRA PORTUGUESA

Na “Crónica de D. João I”, muito antes de haver fake news e redes sociais, uma enorme mentira fez movimentar as massas populares. É no capítulo com o atrativo nome ‘Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavam o mestre, e como alá foi Alvaro Paez e muitas gentes com elle’. Aí se conta que o pajem do Mestre de Aviz (que havia de ser D. João I) correu pela cidade em direção a casa de Álvaro Pais, antigo chanceler-mor de D. Fernando, a gritar que matavam o Mestre. “Matam o Mestre nos paços da rainha. Acorrei ao Mestre que o matam”. Mentira pura. O Mestre, esse sim, matou o valido da rainha, o conde Andeiro. Mas o povo, bem manipulado, como diz Fernão Lopes, ajuntou-se. Gritava-se pelo Mestre “ca filho de el-Rei D. Pedro” como gritava Álvaro Pais. Já agora, este episódio está no Capítulo XII. O capítulo seguinte tem o sugestivo título “Como o Bispo de Lisboa e outros foram mortos e lançados da torre da Sé a fundo”. Estávamos em 1383, em Lisboa. O povo já era sereno…

VARIAÇÕES GOLDBERG

A pianista Angela Hewitt é especialista em Bach. As Variações Goldberg, que Glenn Gould genialmente popularizou, serão executadas na sua pureza. Na terça-feira, dia 13, às 20 horas no Grande Auditório, onde já apresentou a integral de ‘O Cravo bem temperado’, em 2009. A pianista gravou as ‘Variações’ em 1999 e em 2015. A qualidade é imaginável. A Hyperion tem, em digital, mais de duas horas de Bach por Hewitt.