Não há saída para a guerra, portanto continue-se

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 06/02/2024)

Quando será que nós, os povos outrora informados e livres, abriremos os olhos?


Tucker Carlson, o ex-pivô da Fox News, não é flor que se cheire nem jornalista que se recomende. A sua preanunciada entrevista com Vladimir Putin, “paga a expensas próprias”, não seria nunca um modelo a seguir, mas não deixaria de ser um “furo” por todos invejado e que interpelava a boa e instalada imprensa “liberal” ocidental: afinal de contas, porque é que nenhum deles tinha conseguido um estatuto de isenção suficiente aos olhos do Kremlin para fazer o trabalho que Carlson fez? Não o tendo conseguido, ou não o tendo sequer seriamente tentado, dedicaram-se então a desvalorizar e desacreditar, antes e depois, a entrevista de Tucker Carlson. Foi um tiro nos pés, confirmando aquilo que o próprio entrevistador dissera antes: que a opinião “liberal” não queria que o público tivesse acesso à opinião do outro lado. As duas horas de entrevista tiveram, assim, direito a uma imediata e pré-preparada barragem de críticas, que, no essencial, assentaram nisto: Putin dispusera de uma “plataforma” para exprimir livremente as suas ideias sobre a guerra na Ucrânia, para fazer “passar a sua mensagem” e expor a sua “propaganda” — intolerável.

A mesma imprensa que, quando ouve falar Biden, Sunak, Scholtz, Von der Leyen, Stoltenberg — e, claro, Zelensky — sobre a guerra da Ucrânia, nem por um momento sente que lhes esteja a proporcionar uma “plataforma” para exporem livremente a sua “propaganda” já não acha o mesmo se se tratar de ouvir Vladimir Putin. Porque nós somos os cowboys e ele é o índio.

Mas o que disse, então, o “autocrata” russo, como habitualmente o tratam? Começou por fazer uma longa dissertação sobre a história da Ucrânia, em defesa da sua conhecida tese de que a independência da Ucrânia foi um erro histórico, sem razão de ser. Uma tese revivalista, ultrapassada pela História e, obviamente, incapaz de legitimar a invasão do país. Mas, do ponto de vista russo, tão justificável quanto as razões de Inglaterra para se opor à independência da Escócia ou da Irlanda do Norte, de França para se opor à independência da Córsega ou de Espanha para se opor à da Catalunha. Depois, justificou a invasão com a iminente adesão da Ucrânia à NATO e à luz do constante alargamento da NATO a leste desde 1991, contra­riando todas as garantias dadas à Rússia depois da extinção do Pacto de Varsóvia e da desintegração da URSS. Trata-se de um facto indesmentível, que um simples olhar à evolução dos mapas da NATO em direcção às fronteiras russas e os testemunhos e avisos de vários protagonistas do lado ocidental confirmam. Sobre este ponto, os críticos assanhados da entrevista preferiram manter um conveniente silêncio.

Não há saída para a guerra, portanto continue-se
Ilustração Hugo Pinto

Enfim, e o mais importante: Putin declarou que era absurdo acreditar numa derrota russa e que a guerra só continuava porque o Ocidente não parava de fornecer armas à Ucrânia — ambas afirmações consensuais, independentemente do juízo político que se faça sobre elas. Mas, pela quarta ou quinta vez, declarou-se pronto para negociações de paz, dizendo que, desde o início da guerra, é a Ucrânia que as tem rejeitado sempre. Aqui, Tucker Carlson falhou ao não lhe perguntar em que condições ou com que concessões estaria pronto a negociar. Mas é significativo que, mais uma vez, a declaração de Putin tenha sido acolhida por toda a imprensa e todas as chancelarias ocidentais como se não tivesse existido. Pelo contrário, o discurso do lado de cá permanece inalterável: a Rússia não quer a paz e é preciso continuar a financiar e a armar a Ucrânia, a qualquer custo e sem limite de tempo, pois que, se a Ucrânia cair, outros se seguirão — apesar de Putin também ter dito que a Rússia não tem quaisquer ambições territoriais sobre quaisquer outros países.

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Então vejamos, como tenho lido por aí. No horizonte está o regresso ao poder do louco perigoso Donald Trump, que quer acabar com a NATO e negociar a paz com Putin em 24 horas; sem os americanos, a Ucrânia ficará apenas dependente do apoio europeu, que já não consegue fornecer-lhe o armamento prometido e que, mesmo assim, paga uma factura económica cada vez mais alta pela guerra da Ucrânia e o desvario de Israel; os ucranianos, que ninguém se preocupa em escutar, estão “exauridos” na frente de batalha, sem homens nem munições, e forçados a novas mobilizações militares que dividem a sociedade. E se este é o panorama actual e próximo, o que dizem os bem-pensantes? Que não há alternativa que não seja continuar a guerra e continuar a ajudar a Ucrânia com tudo o que pudermos, para que eles continuem “a lutar por nós” até ao último ucraniano vivo. Tudo o resto — como a luta decisiva contra as alterações climáticas ou contra os populismos desintegradores das democracias — fica em suspenso para depois. Um depois que ninguém é capaz de nos dizer quando e como acontecerá. Percebem agora porque era tão inconveniente ouvir o outro lado e ter de o ouvir dizer outra vez que está pronto para negociar a paz? Quando será que nós, os povos outrora informados e livres, abriremos os olhos?

2 Acontece sempre em épocas eleitorais: uma catrefada de opinadores, todos sem acesso às televisões ou sem visibilidade nelas, põe em causa a utilidade dos debates televisivos entre candidatos ou partidos. Eleição após eleição, repetem-se os argumentos: que o tempo para debater é escasso e não permite discutir nenhum assunto a sério; que se confrontam mais emoções do que razões; que se valoriza mais a forma do que o conteúdo; que o trabalho dos moderadores (cuja dificuldade eles nem imaginam) compromete tudo; enfim, que aquilo nada esclarece e nada acrescenta. Por exclusão de partes, o eleitorado seria antes melhor esclarecido nas arruadas, nos comícios ou através dos programas eleitorais que ninguém lê. Esta cíclica e concertada dor de cotovelo é, porém, amplamente desmentida pelas audiências dos debates, pelas conversas entre todos e pela importância que os participantes lhes dão — para não falar já da memória futura e perene que de alguns deles fica.

Pois eu sigo os debates, todos os que consigo: por dever de ofício e por interesse de cidadania. Eles ajudam-me, desde logo, a fazer um primeiro julgamento sobre quem se apresenta às urnas: um julgamento de comportamento ou até de carácter. Pela forma como os intervenientes se comportam num debate trato de avaliar — para além da preparação, do conhecimento dos assuntos, da seriedade, da combatividade — um primeiro critério de selecção que sempre aplico em teoria: quem é que eu convidaria ou não convidaria para jantar em minha casa. Nestas eleições, esse critério deixaria imediatamente de fora André Ventura — não apenas por ser um demagogo e um aldrabão, características que não suporto à vista, mas por ser alguém sem maneiras à mesa: fala por cima de todos e julga-se acima de todos. Em minha casa tudo menos um salvador da pátria ao assalto de um rebanho de eunucos. De fora ficaria também Inês de Sousa Real, essa aproximação vegetal da Madre Teresa de Calcutá, a quem começaria por não saber o que servir, depois teria de justificar porque não vivo com animais domésticos, excepto no congelador, e, quando me atrevesse a interromper o seu desfiar de um mundo de virtudes sem fim, arriscar-me-ia a ser acusado de grosseria machista. Que os deuses me mantenham a salvo de tanta perfeição e virtude! Paulo Raimundo parece-me um tipo bem simpático para convidar, a quem serviria com gosto uns carapaus alimados de entrada. O problema é que temo que antes de chegar ao prato de substância eu já tivesse adormecido de aborrecimento ao ouvi-lo falar com entusiasmo da modernidade da obra “Problemas Candentes do Nosso Movimento”, de Vladimir Ilitch Ulianov, datado algures de 1908. Mariana Mortágua e Rui Rocha poderiam ser duas pessoas interessantes para convidar, não tanto pela companhia, mas pela discussão de ideias — que me parece mais desafiante do que a personalidade de ambos, em que suspeito qualquer coisa de inflexível, e mesmo ditatorial, debaixo de uma aparente amabilidade. Na Iniciativa Liberal, Tiago Mayan ou João Cotrim eram bem mais cativantes; e no BE conheci igualmente pessoas bem mais abertas e menos dogmáticas, das quais destaco o saudoso João Semedo, um ser humano raro. Com Rui Tavares podia ser um encontro interessante, mas, à cautela, ficaria por um almoço, porque nunca se sabe quanto da conversa com um político um civil consegue aguentar. E, enfim, lá teria de convidar Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro — sem grandes expectativas, confesso. Ao primeiro teria de arranjar um trono onde coubesse todo o seu ego; ao segundo, uma cadeira mais alta, para ele me convencer de que é mesmo candidato a primeiro-ministro. Como trataria de os testar em dificuldades, serviria a Luís Montenegro uma espetada à madeirense e a Pedro Nuno Santos um menu de bordo da TAP, em versão 3,2 mil milhões: duplamente intragável.

Fora de brincadeiras, não sei se este exercício ajuda algum indeciso a escolher como votar em 10 de Março. Mas acreditem que é um bom método para seguir os debates e fazer algumas escolhas prévias. Noutros tempos e noutras circunstâncias, houve alguém altamente colocado na política portuguesa que, estando em posição de o fazer, me perguntou se eu achava que ele deveria indicar fulano para o cargo de primeiro-ministro. E eu, que achava que não, perguntei-lhe: “Você convidá-lo-ia para jantar em sua casa?” Ele ficou a olhar para mim durante uns instantes, com os olhos esbugalhados, e depois disse: “Caramba, a sua resposta é demolidora!” Ao que eu apenas acrescentei: “Não, para mim é simples.”

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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António Costa, um socialista com fortes preocupações capitalistas

(Elisabete Miranda, in Expresso Curto, 17/09/2019)

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Bom dia. A julgar pelas análises políticas, o aguardado duelo de ontem entre António Costa e Rui Rio acabou sem vencedores claros nem derrotados óbvios. Há quem considere que houve um empate, quem ache que António Costa não ganhou mas também não perdeu, e quem não tenha dúvidas de que o líder social-democrata dominou em várias frentes. Da interceção destas três opiniões, Rui Rio pode até ter-se saído ligeiramente melhor, mas sem fôlego para abalar o favoritismo do PS e perturbar o curso da campanha (na dúvida, tire as teimas e ajuíze por si).

Rui Rio saiu favorecido pelo estilo, ao apresentar-se emotivo frente a um António Costa glaciar, e politicamente incorreto por oposição a um primeiro-ministro calculista (por exemplo no caso das críticas ao Ministério Público e aos julgamentos na praça pública). Tentou desmontar a magia das “contas certas” e relativizar os méritos do Governo nos resultados económicos (a propósito, vale a pena recuperar estes gráficos), deu o braço a torcer quando encurralado por António Costa e ensaiou um discurso ideologicamente mais próximo do seu eleitorado tradicional.

Fê-lo quando defendeu as parcerias público-privadas (PPP) na saúde, a urgência de reduzir o peso do Estado na economia, a baixa acentuada da carga fiscal, calibrada entre o curto prazo (famílias) e o longo prazo (empresas) ou quando vitimizou a iniciativa privada, esmagada por burocracia e custos de contexto.

Rui Rio falou ao coração da direita, mas António Costa já ocupou parte desse espaço. Embora não prometa choques fiscais, o primeiro-ministro concede uma nova ronda de descidas de impostos para a abrangente e indefinida “classe média” portuguesa, apostou forte numa agenda de digitalização e simplificação administrativa, e, no início da legislatura tratou logo de entabular um longo e promissor namoro com a classe empresarial.

Em 2016, mal tinha aquecido a cadeira, o primeiro-ministro já deixava cair uma das suas mais arrojadas promessas eleitorais: um imposto sobre heranças superiores a um milhão de euros. Pouco tempo depois travou o imposto sobre fortunas reclamado pelos parceiros à esquerda e reciclou-o num (mais inócuo) imposto sobre o grande património imobiliário (AIMI). Inviabilizou medidas mais musculadas contra o negócio do trabalho temporário. Convidou destacados empresários da praça a proporem um cardápio de instrumentos de ajuda à capitalização e financiamento das empresas, o que lhe valeu a tal menção honrosa da Comissão Europeia, que ontem exibiu no debate. Não beliscou o regime de residentes não habituais (o que pretende transformar Portugal na Florida da Europa), apesar dos embaraços diplomáticos e de pressões dentro do seu próprio Governo. Desbloqueou o impasse dos ativos por impostos diferidos na banca. E ainda deu corpo a uma promessa de Passos Coelho e lançou as SIGI, um novo tipo de sociedades imobiliárias pelas quais o mercado há muito suspirava.

Com tamanho curriculum não admira o rasgado elogio que em janeiro a presidente da bolsa de Lisboa lhe fez aqui no Expresso ao dizer que “desde que Miguel Cadilhe foi ministro das Finanças nunca tivemos um Governo com uma iniciativa tão estruturada relativamente ao mercado”. Nem espanta que os empresários se acotovelem para ouvi-lo e lhe façam juras de fidelidade.

Por muitos choques fiscais que prometa aos empresários, não é certo que Rui Rio lhes consiga falar mais ao bolso nem dar maiores garantias de estabilidade. Afinal, António Costa revelou-se um socialista com fortes preocupações capitalistas e tem quatro anos com provas dadas.

A moral do regime em relação ao Estado Novo (onde Rio perdeu)

(Vítor Matos, in Expresso Diário, 17/09/2019)

O líder do PSD foi ao tapete no debate que estava equilibrado quando caiu na armadilha de Costa e disse que o atual regime (o democrático), com as fugas de informação da Justiça, perdia a “autoridade moral” em relação ao salazarismo. Não foi uma frase feliz…


“Se isto fosse hóquei em patins, este debate seria um Portugal-Espanha” Rui Rio, presidente do PSD, no debate com António Costa

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12 valores no índice dos melhores do mundo. A metáfora de Rui Rio logo no início do debate tem piada, mas é ligeiramente exagerada. O frente a frente emitido pelas três televisões esta segunda-feira era o primeiro confronto entre o líder do PSD e António Costa – e era terreno virgem por desbravar, daí o interesse dos 2,8 milhões de pessoas que assistiram àquela ‘final’ de 60 minutos. Havia, de facto, grandes expectativas sobre o desempenho de Rui Rio naquele ringue, mas não estávamos perante uma final entre iguais, não era um Portugal-Espanha daqueles emotivos até ao último segundo. Por uma razão muito simples: o ponto de partida dos dois protagonistas era demasiado desigual: Rio partia para o debate com uma enorme desvantagem em relação a Costa. Foi mais como se estivessem a disputar a segunda eliminatória de uma competição, em que o socialista entrava em campo com uma séria vantagem e bastava gerir o resultado (avanço nas sondagens, na perceção dos eleitores, o facto de Costa estar no poder e de Rio ter o seu próprio partido dividido e desmobilizado, etc.).

Como balanço geral, Rui Rio esteve bem – sobretudo no tom, pode assim convencer alguns indecisos, recuperar em relação ao que as sondagens preveem – mas isso não chega. O debate não foi decisivo, como aliás seria de esperar que não fosse. Apesar de o líder do PSD ter cumprido o que se lhe exigia – até porque as expectativas eram muito baixas –, se analisarmos o debate ao detalhe quem ganhou foi António Costa. Escrutinando a troca de argumentos tema a tema, foi mais Rio quem acabou por ceder ou por ficar encostado às cordas do que o socialista, que teve sempre mais frieza e golpe de asa para desacreditar os argumentos do social-democrata ou para o levar ao seu regaço. Já lá vamos.

Outra consideração genérica tem a ver com a falta de dramatismo e contraste: Rio foi criticando Costa, mas com exceção da questão fiscal o líder do PSD não se apresentou ao eleitorado como uma verdadeira alternativa à governação socialista. Desde 2005, pelo menos, que PS e PSD se apresentam ao eleitorado com dois modelos diferentes, alternativos e contrastantes de sociedade e de governação – e os debates Sócrates-Santana, Sócrates-Passos, ou Passos-Costa foram muito mais dramáticos. Esta segunda-feira isso não aconteceu. No final, a sensação também foi de que aqueles dois homens podiam perfeitamente entender-se a governar o país juntos (mais Rio em relação a Costa do que Costa em relação a Rio) se limassem umas arestas das propostas – as diferenças do PS para a esquerda são bem maiores e aguentaram-se quatro anos.

Ora, acontece que o hóquei luso-espanhol é um desporto que exige rapidez, reflexos e capacidade de reação, algo que tem faltado a Rui Rio, cujo risco no fim da partida, quando assomarem os adversários internos, são mesmo os “patins”…

“É mais um debate (…). Espero que seja esclarecedor para os portugueses” António Costa, secretário-geral do PS, à entrada do debate com Rui Rio

17 valores no índice do jogo para empate. António Costa subiu para o estúdio improvisado no Pavilhão do Conhecimento a desvalorizar o adversário. Rui Rio era só mais um igual aos outros, e essa estratégia podia ter corrido mal, mas não correu. O socialista jogou o seu ‘catenaccio’ político, com a sorte de Rio não ter sacado de golpes que o seu eleitorado adoraria, como o ‘familigate’ ou as falhas do Estado (fogos, Tancos, hospitais, urgências das maternidades, etc.). Se Rio preferiu a credibilidade moderada a ataques que podiam parecer excessivos, Costa defendeu os tiros do adversário e ripostou com eficácia e golpe de asa (jogou sobretudo no contra-ataque quando Rio desguarneceu a sua posição, como o David Dinis explicou aqui.

Resumindo esta ideia, Rio Rio entrou em perda quando Costa lhe desmentiu os números da emigração – passou a ideia de que estava mal preparado – mas também resvalou noutros temas. Na economia desmontou bem como Centeno cumpriu o défice, mas depois foi desarmado no dossiê do Montijo (afinal concordava com Costa) e também no TGV (quando viu Costa a ler-lhe o programa do PSD). Se nos impostos Rio estava a marcar pontos – foi o ponto onde mais se distinguiu dos socialistas –, a seguir acabou a concordar com a leitura de Costa sobre os valores das contribuições para a Segurança Social que insuflaram os números da carga fiscal com o aumento do emprego. Na Saúde, esteve bem ao lembrar a falta de medicamentos e a falta de investimento, mas admitiu um “empate” no jogo dos números. Era onde teria mais terreno aberto, mas o mantra de Costa a debitar números acabou por também ser eficaz.

No fim de contas, Costa geriu o debate e jogou apenas aquilo que precisava de jogar… e jogou ao centro e centro-direita, no terreno do adversário: lembra-se de alguma coisa de esquerda que Costa tenha dito no debate, depois de quatro anos a liderar o Governo teoricamente mais à esquerda de sempre?

“Rui Rio tem uma obsessão contra a Justiça, não gosta de juízes, é o líder da oposição ao Ministério Público, felizmente não tenho essa obsessão, a democracia precisa de uma democracia forte” António Costa

17 valores no índice do uppercut político. António Costa tinha esta engatilhada. Foi o momento em que ganhou o debate, que estava basicamente empatado. Tocou no tema e no nervo que faz Rui Rio estremecer até às entranhas e só pode ter sido propositado. A estratégia para um debate político também passa por isto, a política é um jogo, sempre foi um jogo: levar o adversário a reagir. O social-democrata caiu na armadilha e soltou-se, no momento mais emotivo e genuíno da sua prestação. O que nos leva à próxima frase…

“Temos um país em que os julgamentos se fazem nas tabacarias e nas televisões. Arrumam logo com uma pessoa nas capas dos jornais. Isto é digno de uma democracia? Defendo o Ministério Público, mas quero um Ministério Público eficaz. Qual é a autoridade moral de um regime que faz uma coisa destas sobre o Estado Novo?” Rui Rio

18 valores no índice da sinceridade total. Rui Rio não se tentou moderar com hipocrisias e disse mesmo aquilo que pensa sem filtros. Costa provocou a reação e levou o líder do PSD a cair na armadilha, ao usar argumentos que José Sócrates ou Ricardo Salgado (cujos casos foram enunciados na pergunta) não desdenhariam. Que Rio tem uma “obsessão” com a justiça e os jornalistas é uma evidência há muito tempo (Costa explicou-lhe que hoje não é possível a informação ficar confinada às paredes dos tribunais), mas o problema já nem é esse. É a questão do relativismo político enunciado pelo social-democrata em relação ao salazarismo.

Rui Rio acha que pode comparar as fugas de informação da Justiça (ou o jornalismo de investigação) numa sociedade democrática com as prisões da PIDE ou os tribunais plenários. As coisas têm o seu lugar na memória e na história e o líder do PSD não distinguiu bem as coisas: não é ‘o regime’ que está a fazer os julgamentos na praça pública que incomodam Rio (mais do que os casos em si), mas era o regime anterior que fazia aquilo que Rio acha que o regime atual não tem moral para condenar. O líder do PSD perdeu o debate com esta frase triste.