Em defesa do Tiago (Brandão Rodrigues)

(Joaquim Vassalo Abreu, 17/10/2019)

Vassalo Abreu

Dos vis ataques de um franco atirador (Daniel Oliveira), um autêntico “sniper” que, mesmo não conhecendo a vítima, sobre ela não hesita em atirar.

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Para além de preciosidades várias como “um verbo de encher que poderia ser substituído por um boneco insuflável e ninguém daria pela diferença…”, prognosticava-lhe uma “curta e irrelevante carreira política…e, no caso dos professores “ia fazendo cair o Governo…”. “ um imóvel inútil” sentenciou  o “sniper” Daniel.

Desde já uma declaração de interesses: conheço Tiago e toda a sua Família desde pequeno, acompanhei o seu percurso académico e científico e sou seu Amigo, desde muito antes dele ser Ministro.

E assim, em primeiro lugar, acerca do TIAGO, quero elucidar o opinador Daniel: ele precisa tanto da política como eu preciso do Daniel. Não é seu amigo e isso é, desde logo, um constrangimento para si. Não frequenta os seus círculos e esse pormenor, mais que um constrangimento, é para si uma tremenda dor de cabeça pelo , que se pergunta boquiaberto: como é que Costa foi buscar este “gajo”, não se arrependeu e não o despediu? “Só por teimosia ou alienação…” alvitrou o dito que, quando o TIAGO foi há quatro anos nomeado, também sentenciou que o TIAGO ia ser “ um boneco nas mãos do Nogueira..”, ou coisa assim do género…

Como é que Centeno, a quem nos primórdios chamou de “nabo” em política e que só estava no Governo para prejudicar o Costa, também foi reconduzido, parece que já não é mistério para si e até devia, se fosse coerente. 

Só que acontece que ambos não se ofereceram a Costa: foi Costa quem os convenceu a saírem das suas zonas de conforto e integrarem o seu Governo. E também não consta que Costa seja desleal para quem, para lá da competência, lhe seja leal.

Mas se o Daniel não sabe, e “arrota postas de pescada” como quem palita os dentes, de como funciona Costa e os seus Governos e como politicamente são administrados, eu até que também o poderia elucidar…mas não vale a pena pois o Daniel é um pensador de certezas feitas! Mas ele que diz que “ O Daniel pensa”, deve ter pensado bem no que escreveu.

Com que então o “imóvel inútil” TIAGO ( Brandão Rodrigues), que pelos vistos o Daniel não conhece, nem alguma vez ele lhe deu trela, andou a “pastar” quatro anos e o pastor Daniel nunca o viu! Andava escondido do rebanho do Ministério e que quem dirigiu as lutas foi a Alexandra Leitão ( competentíssima, é verdade) e o João Costa que, para o sapiente e bem informado Daniel, também teriam assento no Conselho de Ministros.

Conselho onde, por incompetência do TIAGO, só poderia ser,  eram eles que discutiam e definiam as estratégias (vide casos dos Contratos de Associação, Manuais Escolares ou Progressão na Carreira dos Professores)…Que é que o Daniel que tudo julga saber afinal sabe? 

Ou seria o malandro do Costa que, ultrapassando o TIAGO pela esquerda baixa, ia reunir à socapa com a Alexandra e com o João para lhes dar as indicações do Governo? O Daniel até que acredita que sim…e aí eu já nem sei se hei-de rir ou chorar! 

Mas este nosso inefável Daniel, jornalista político e político comentador em tudo o que à Impresa diga respeito, a quem reconheço fácil verve em delirantes elucubrações, não podendo assim às boas confessar, ficou desgostoso com o fim da Geringonça, não tanto por esta em si mas pela não cedência do Costa ao seu ex-amado mas nunca esquecido Bloco, e pelo avilte de este ter convidado a votar contra a sua nomeação, remetendo-o para uma certa irrelevância activa ! E isso não se faz ao Daniel!

O sonho do Daniel era ver o José Soeiro no lugar do TIAGO, uma Mortágua no lugar do Centeno e a outra no lugar do Heitor ( ou o vice versa) e a Catarina no lugar do Siza! Isso é que seria um Governo, não era Daniel?

As eleições e o próximo Governo

(Carlos Esperança, 18/10/2019)

Carlos Esperança

Contrariamente ao que afirma a comunicação social, o PS não ganhou as eleições, foi apenas o partido mais votado, a razoável distância do segundo. Pensar diferente é legitimar a vitória do PSD nas anteriores legislativas, como se as eleições se destinassem a eleger um governo e não os deputados à AR.

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Ao contrário dos analistas encartados, que dizem não ter oposição, o próximo governo já conta com a hostilidade da comunicação social, a agitação sindical, os palpites do PR e a oposição de Francisco Assis, agora livre na oposição interna da ala mais conservadora.

Desejei a repetição dos acordos que permitiram a última legislatura, mas, depois da campanha eleitoral e das alterações à geometria partidária, tornaram-se inviáveis, e não adianta procurar culpas onde se percebem os interesses próprios de cada partido.

O PS está só, numa conjuntura internacional instável, e a longevidade do seu governo depende mais das convulsões da União Europeia e evolução económica dos parceiros comerciais do que dos humores das oposições antagónicas.

No início terá a indulgência da esquerda e a inação da direita, em convulsão profunda, até esta encontrar o D. Sebastião que surgirá do intenso nevoeiro que a envolve, ainda que tenha de suportar Rui Rio mais tempo do que deseja, por ele valer muito mais do que a concorrência.

O medo de apear o próximo governo pode atrasar a queda, mas quando a popularidade baixar e os interesses do PR e os das oposições convergirem, teremos eleições antecipadas, a menos que um improvável erro maioritário dê pretexto à demissão do governo e o reforce.

Pode dar-se como certa a demora da direita a lamber as feridas, mas não haja a ilusão de que, com este PR, a queda do atual governo possa dar origem a outro mais à esquerda.

Das críticas ao Governo anterior, imprescindíveis à democracia e compreensíveis na oposição, foi obscena a obsessão mórbida dos incêndios e os ataques aos laços familiares de membros do Governo, como se ministérios e secretarias de Estado, da estrita confiança do PM, fossem sinecuras ou tivessem caráter vitalício. Não se pode confundir a precariedade dos governantes com os lugares rentáveis e estáveis que a política distribui.

Penso que o ruído criado à volta das relações familiares de ministros competentes condicionou as escolhas de António Costa para o próximo governo. Para ruído basta a interesse que o IL e o Chega suscitam, não por serem exóticos, mas por serem perigosos.

É a vida.

A geringonça morreu. Viva a geringonça!

(Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 15/10/2019)

O BE diz que a geringonça morreu porque o PS a matou. O PS diz que a geringonça está viva e continua tudo como dantes. O PCP diz que a geringonça nunca existiu. Nenhum dos três tem razão. A geringonça existiu, sim, e não existe mais. Mas morreu de morte natural, não há que lamentar.

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A geringonça foi uma solução inédita, que resultou de circunstâncias excepcionais. Em 2015, o PS dependia da esquerda para liderar o governo. As alternativas seriam ficar na oposição ou aceitar um papel subalterno num executivo do PSD. Isto levou a que o PS aceitasse algumas condições básicas impostas pelo PCP e pelo BE para ver o seu programa de governo aprovado. Por seu lado, PCP e BE dispuseram-se a viabilizar um governo socialista, no qual nunca se reviram por inteiro, para evitar que PSD e CDS continuassem no poder – e porque uma grande parte do seu eleitorado assim o exigia. Todos arriscaram por razões válidas, todos levaram o compromisso até ao fim e todos merecem ser elogiados por isso.

Como aqui escrevi há um mês, a necessidade da geringonça desapareceria no momento que o PS vencesse as eleições, com ou sem maioria. Era há muito previsível que isto iria acontecer e é um bom sinal. Uma legislatura bem-sucedida não poderia senão ter como resultado a vitória do partido no governo e a derrota da oposição de direita. Mas era também previsível que a vitória do PS tornaria os acordos de há quatro anos irrepetíveis. Vencendo as eleições, o PS não precisa de acordos à esquerda para liderar o governo e ganha assim flexibilidade nas opções de governação. PCP e BE, por sua vez, ganham mais espaço para se distanciar do PS em tudo o que não concordam.

A geringonça acabou porque deixou de ser necessária e porque o seu fim interessa a todos os participantes. PS, PCP e BE não têm motivos para o lamentar.

Nenhum dos três partidos admite esta leitura, o que não é surpreendente. O papel dos partidos não é fazer análises imparciais da situação, é fazer política. Isto implica influenciar percepções e expectativas, antecipando o que poderá vir a acontecer. É isso que determina o seu discurso.

Para o PS, o maior desafio do novo quadro político é assegurar uma maioria no Parlamento para aprovar os Orçamentos do Estado. Interessa-lhe por isso fazer pressão sobre os partidos à sua esquerda, tentando pôr neles o ónus de eventuais crises políticas. Convém ao PS mostrar-se empenhado no diálogo à esquerda, passando a ideia de que se o diálogo não existir a culpa é dos outros. Mas a tese de que a geringonça está viva não tem sustentação. O que definiu a geringonça não foi uma predisposição para o diálogo (que, de resto, o PS estende agora ao PSD). Foi um compromisso programático claro, com um horizonte de quatro anos. Com a força que tem agora, o PS já não precisa de fazer compromissos como os que fez em 2015. Nem lhe convém. Ao contrário do que diz, o PS sabe que a geringonça morreu – e, na verdade, não o lamenta.

O BE sabia que, no contexto actual, seria muito mais difícil obter concessões do PS do que foi há quatro anos. Se houvesse acordo, o BE ficaria comprometido com uma governação na qual não se revê e sobre a qual não teria controlo, com a agravante de ter o PCP fora do arranjo. Nestas condições, também o BE tinha pouco interesse na continuação da geringonça. No entanto, as bloquistas seriam mal recebidas pelos seus eleitores caso não se mostrassem disponíveis para um novo acordo. Além disso, sabem que o PS fará tudo para as culpar por uma eventual crise política, tanto mais que os dois partidos disputam entre si uma parcela do eleitorado.

Ao acusar António Costa de matar a geringonça, o BE procura apenas defender-se de futuras acusações do PS. As condições anunciadas por Catarina Martins na noite das eleições, sendo coerentes com o que o BE sempre defendeu, eram contrárias a muitas posições recentes do PS – o que indica que os bloquistas não apostavam as suas fichas na repetição dos acordos.

Na sequência de várias quedas eleitorais e de críticas internas às posições do partido, o discurso do PCP é mais virado para dentro do que para fora. A tese de que a geringonça nunca existiu serve para sublinhar que o governo anterior era apenas do PS e que o PCP teve sempre autonomia para aceitar ou rejeitar o que entendeu. Permite valorizar o que de positivo foi conseguido, distanciar-se de medidas com as quais o PCP não concordou e, ao mesmo tempo, justificar a postura que os comunistas terão no actual contexto. Mas também aqui a narrativa adoptada é questionável: os acordos de há quatro anos são muito diferentes do que se avizinha, dado o grau de compromisso que implicaram. Há bons motivos para o PCP se demarcar da ideia de que existiu um “governo de esquerda” entre 2015 e 2019. Mas é difícil negar que as coisas estão hoje muito diferentes.

A geringonça viveu e morreu, portanto. Teve uma vida intensa, cheia de realizações. Não há motivo para lamentar a sua morte, mas há razões para celebrar a sua existência.

A geringonça representou várias rupturas com a prática de 40 anos de democracia. Primeiro, o PS aceitou tratar o PCP e o BE como interlocutores políticos válidos, acolhendo diversas propostas em vários domínios. Segundo, PCP e BE aceitaram não fazer do PS o seu principal inimigo, mesmo sabendo que alguns dos traços que sempre criticaram nos socialistas iriam persistir. Terceiro, o Parlamento português passou a funcionar num regime de negociação quotidiana – um padrão comum em várias democracias europeias, mas quase ausente na prática parlamentar portuguesa. Por fim e não menos importante, difundiu-se na sociedade a convicção de que é possível e desejável um projecto de desenvolvimento para Portugal baseado no combate às desigualdades, na justiça social, em serviços públicos universais e na protecção dos direitos sociais e laborais.

A geringonça acabou, mas deixa no sistema político uma experiência de negociação que não se esquece. E deixa na sociedade portuguesa a convicção de que o retrocesso dos direitos não é inevitável nem desejável. Não é pouco. É o critério pelo qual os partidos em causa serão julgados no futuro pelos seus eleitores.

Economista e professor do ISCTE