O Porto é o espelho do que pode ser a Nação

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 28/04/2024)

O Futebol Clube do Porto é o espelho da Nação? Não, não é. A Nação não tem espelho, mas a vitória de André Vilas Boas nas eleições para a presidência do Futebol Clube do Porto reflete muitas das expressões de que a nossa sociedade pode tomar perante os desafios de sobrevivência.


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No caso das eleições para a presidência de Futebol Clube do Porto estava em causa a sobrevivência de uma grande instituição popular. Era, na realidade essa a situação e foi essa percepção que os sócios tiveram, percebendo do que se tratava. O governo do FCP, como nas sociedades em geral, fora tomado há muitos anos por uma oligarquia. O processo de tomada do poder processara-se da forma mais insidiosa — mas costumeira — através de eleições em que um grupo se apresenta como a salvação e, depois de instalado, se organiza para se perpetuar no poder, transmitindo a ideia de que ou somos nós ou é caos, enquanto recrutam grupos de mercenários para trabalhos sujos de propaganda e intimidação.

O processo é conhecido e já tem um designativo atual: democracias iliberais. A primeira democracia iliberal da era moderna foi a dos Estados Unidos da América, a última da era antiga foi a Inglaterra. Quer uma, quer outra, são apresentados como o nec plus ultra dos sistemas de governo. Até tiveram um propagandista que lhes atribuiu a glória de serem o «Fim da História». Pelo seu lado, os autores do capítulo do Génesis da Bíblia afirmam ter sido ouvido o Criador proferir: Mais e melhor não consegui fazer. (magis et magis non potui)

Acreditei que o “sistema” que tanto serve a Biden como a Trump, como serviu a a Churchill ou a Berlusconi, atualmente a Macron como a Boris Johnson (ou aos seus valetes) iria funcionar e que Pinto da Costa seria reeleito com mais ou menos venda de lugares e benesses, com mais ou menos fruta, em todos os sentidos, incluindo a que o Macaco (não sei o nome de batismo da personagem do escudeiro que recebe na prisão preventiva os votos de solidariedade de Pinto da Costa, o seu senhor) distribui.

Perante a vitória do desafiador Vilas Boas, tenho de reconhecer que a mobilização para a afluência às urnas e os votos no opositor de Pinto da Costa revelam que quando existe consciência do perigo de derrocada das velhas e corruptas estacas em que assenta o edifício, os cidadãos se mobilizam para o salvar e o puderem continuar a habitar.

Esta lição pode servir para outras situações que não a do futebol, pode servir para pensarmos que a salvação das sociedades em geral depende da proximidade dos cidadãos daquilo que está em causa, da tomada de consciência dos riscos de deixar nas mãos de representantes o que lhes diz respeito. É uma lição política!

Os oligarcas — como era o caso a nível do negócio do futebol — têm por método de se eternizarem no poder e dele retirarem os benefícios a utilização do truque de fazerem os cidadãos olharem para a ponta do seu dedo, criando factos que os distraiam do essencial, enquanto tratam dos seus negócios.

É assim que os políticos populistas deixam os cidadãos (tal como os sócios de um clube) de fora das decisões que determinam as suas vidas, desde o valor do dinheiro às guerras onde os envolvem. A vitória de Vilas Boas e a ação dos sócios do Futebol Clube do Porto constituem uma lição para que os cidadãos repensem a “democracia” que lhes está a ser servida para, na realidade, servir os Pintos da Costa dos negócios, para que os cidadãos tomem consciência, como os sócios do Futebol Clube do Porto que os seus votos não podem servir para legitimar o seu afastamento da política, isto é, do que na verdade se encontra na raiz dos seus interesses. Que os seus votos, ou a sua abstenção, a sua alienação, não podem servir para justificar a apropriação de poderes por um grupo organizado.

A sociopatia e a compreensão das reparações coloniais

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 29/04/2024)

Nem quero imaginar quanto vai pagar a Espanha ao Iraque, ou à Siria,de reparações pela Mesquita de Córdova e pelo Alhambra de Granada, obras dos árabes que vieram de Damasco e da Mesopotâmia com Abderramão, o príncipe fugitivo, e chegaram à Península Ibérica através do Norte de África!


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A proposta de reparações coloniais feita pelo presidente da República causou perplexidade a quem ainda é dado a surpresas e interrogações a quem procura estabelecer relações de causa e efeito nas suas atitudes. De um modo geral serviu para alimentar os comentadores e entreter os programas das televisões após as eleições. O elenco do “circo comentarial” dividiu-se entre malabaristas do Bugalho e ilusionistas do Marcelo.

O que terá levado o senhor prior Montenegro a elevar o menino de coro a cónego da sua confraria em Bruxelas e o mestre de fogos-de-artifício de Belém a sacudir a esfarrapada passadeira que se desenrolou de Lisboa ao Índico durante cinco séculos?

Deixando Montenegro e Bugalho na prateleira dos monos, resta a questão mais séria do que parece das reparações coloniais. Porque tirou Marcelo um assunto tão mal enterrado do jazigo onde repousava coberto de teias? O que pretende Marcelo? Matar o pai Baltazar, governador colonial e ministro das colónias que passaram a ser províncias ultramarinas e o padrinho Marcelo, esse sim, ministro das colónias e chefe do governo que se ofereceu em sacrifício por elas, sacrificando na guerra uma geração de portugueses? O que pretende Marcelo com a proposta? Entalar a direita colonialista, dizendo-lhe, já que foram colonialistas, agora paguem e devolvam o que sacaram em café, em diamantes, petróleo, em cervejas Cuca, Nocal, Laurentina e 2M, em tabaco, madeiras, amendoim e até em chá licungo, caju para aperitivos, minérios de ferro e terras raras? Provocar a esquerda, dizendo-lhes, ora tomem lá seus anticolonialistas de garganta, sou eu que vou fechar a loja do colonialismo, devolver aos fornecedores os produtos em dívida? Ou afrontar os dirigentes dos novos estados fruto do colonialismo, confrontá-los com a sua matriz neocolonial? Dizer-lhes: Angola, Moçambique, a Guiné apenas existem porque o colonialismo oficializado pelos europeus na Conferência de Berlim de 1884/5 lhes deu origem, como deu às Rodésias, hoje Zâmbia e Zimbaué, à Tanzânia, ao Senegal, à Costa do Marfim, à República Centro Africana, aos Camarões, à Nigéria. Nem depois da dita conferência de Berlim qualquer negro africano se considerava centroafricano, camaronês, liberiano, angolano, sudoesteafricano, moçambicano, guineense, ou guinéu, rodesiano, mas sim balanta, ovambo, mandinga, maliniano, bailundo, cuanhama, mandinga, macua, ronga, maconde, ajaua, papel. Enfim, afirmar aos presidentes de Angola, Moçambique, Guiné, Timor, São Tomé e Cabo Verde que eles, não sendo sobas, não detendo a autoridade ancestral, têm a mesma legitimidade dos governadores coloniais!

Oferecer compensações pelo colonialismo aos atuais dirigentes dos estados africanos resultantes do colonialismo é entalar-lhes o rabo.

A quem entregar o espólio? A quem mais se bateu pela independência dos novos estados? Ao PAIGC na Guiné-Bissau, ao MPLA em Angola e à FRELIMO em Moçambique? E os outros, a FLING, a FNLA, a UNITA, a COREMO, a UNDENAMO? E, na Guiné, quem recebe a cota dos caboverdeanos? E, em Angola, quem recebe a cota de Holden Roberto, mas também a dos irmãos Pinto de Andrade, ou de Chipenda, ou de Savimbi? E em Moçambique quem recebe a cota de Uria Simango, por exemplo, ou de Kavandame? E quem na Guiné tem direito a receber a arte Nalu? Ou as cabeças reduzidas dos Felupes? E, em Angola quem recebe as obras dos Tchokwé? E, em Moçambique, quem recebe as esculturas maconde? Porque deverão ser restituídas as obras de culturas ancestrais, com identidade própria criada ao longo dos tempos, muito antes do colonialismo e muito antes dos novos estados-nação de matriz europeia aos dirigentes aculturados que hoje, fruto das circunstâncias da História, dirigem governos regidos por princípios estrangeiros às culturas de origem? E como devolvemos a esses povos os deuses que lhes matámos, substituindo-os pelos nossos?

A proposta de Marcelo levanta problemas onde eles não existiam. Esse é um comportamento que a ciência explica muito melhor do que a opinião política baseada no empirismo, no comentarismo de que Marcelo Rebelo de Sousa foi um mestre. É um comportamento não apenas típico dos assassinos em série, mas de uma grande percentagem de “homens de estado”, ou de “grandes homens”, ou pretendentes a sê-lo. Tipos que a ciência classificou de “sociopatas”, que em inglês é apresentado com a sigla DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders).

Segundo um artigo científico de Renato M.E. Sabbatini, PhD, neurocientista, doutor pela Universidade de São Paulo e pós-doutoramento no Instituto de Psiquiatria Max Planck, em Munique, o DSM define um “distúrbio da personalidade antissocial (DPA)” e lista as suas principais características: Os sociopatas são caracterizados pelo desprezo pelas obrigações sociais e por falta de consideração pelos sentimentos dos outros. Exibem egocentrismo patológico, emoções superficiais, falta de auto perceção, pobre controlo da impulsividade, irresponsabilidade, pouca empatia e ausência de remorso. São geralmente cínicos, manipuladores, incapazes de manter uma relação e de amar. Mentem sem vergonha, roubam, abusam, trapaceiam, negligenciam as suas famílias e parentes. São “predadores intra espécies que usam o charme, a manipulação, intimidação e violência para controlar os outros e para satisfazer as suas próprias necessidades. Na sua falta de consciência e de sentimento pelos outros, apropriam-se friamente daquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de culpa ou arrependimento. Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição, e de modificar os seus comportamentos. Quando descobrem que o seu comportamento não é tolerado pela sociedade, reagem escondendo-o, mas nunca o suprimindo, disfarçando de forma inteligente as suas características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram no passado o termo ‘insanidade moral’ ou ‘insanité sans délire’ para caracterizar esta psicopatologia. “

O sociopata geralmente exibe um charme superficial e tem uma inteligência normal ou acima da média. Tem boa presença social e boa fluência verbal. Em alguns casos os sociopatas são os líderes sociais. Poucas pessoas, mesmo após um contacto duradouro com os sociopatas, são capazes de imaginar o seu “lado negro”, que a maioria dos sociopatas é capaz de esconder com sucesso durante sua vida inteira, levando a uma dupla existência. Sob situações de stress, os sociopatas podem adquirir o status de líderes regionais ou nacionais.

Se analisarmos os comportamentos dos chefes políticos, todos eles, à luz dos comportamentos típicos da sociopatia — se os tomarmos como potenciais sociopatas — talvez consigamos encontrar respostas para muitas interrogações a propósito das atitudes dos políticos que nos surgem a propor-se para nos conduzirem à felicidade.


Os métodos do Império — música para camaleões e a utilidade do papel higiénico

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 09/04/2024)


Complicar o que é simples. Baralhar o que parece evidente. Entontecer as vítimas antes de as dominar. Estes são os princípios que motivam as infindáveis horas em que cientistas políticos, comentadores de secos e molhados discutem a situação internacional. Música para camaleões, o título de um grande livro de Truman Capote, neste caso para camelos e multidões.

As duas questões do momento, a guerra na Ucrânia e na Palestina são simples de analisar: Na Ucrânia, os Estados Unidos repetem o que têm feito desde o Vietname, o que fizeram no Iraque e no Afeganistão, na Sérvia: depois de causarem o caos através de marionetas locais, de realizarem os negócios de venda de armas com os corruptos que colocaram no poder e de desestabilizarem uma região, abandonam os seus “aliados”, os prostitutos da ocasião, pagam-lhes ou eliminam-nos. Zelenski já percebeu a sorte que lhe está reservada e começou agora a esbracejar. Já terminou a procissão de cangalheiros que o visitavam para o animarem com palmadas nas costas e beijos para exibição pública. Já terminaram as visitas de condolências a Bucha, erigido em local de peregrinação.

Quanto a Israel, é a hipocrisia do costume: Israel é uma âncora regional, um pilar da fortaleza americana no Medio Oriente, como o Reino Unido é na Europa. Israel é impune e o apoio americano não se baseia em moral, mas nos interesses.

O regime de Biden montou uma grande campanha de manipulação para passar a mensagem do repúdio pelo genocídio dos palestinianos cercados em Gaza, com viagens sucessivas de um animador de pista, o secretário de Estado Bliken, enquanto fornecia armas e vetava condenações na ONU.

Agora, quando Gaza está arrasada, os palestinianos mortos, ou sem casa, quando se aproximam os momentos decisivos da campanha eleitoral nos Estados Unidos, surgem as negociações promovidas pelo “capitão América”, anuncia-se a retirada das tropas sionistas e até a saída de cena de Netanyahou, o carniceiro de Gaza. A hipocrisia tem de ser bem adulterada para fazer engolir a mistela.

Zelenski e Netanyahou são os atuais rostos da estratégia dos Estados Unidos que se desenvolve desde o final da Segunda Guerra para imporem e manterem o seu poder global. Cumprem papéis determinados como outros antes deles. Têm a utilidade e o destino do papel higiénico.

Os Estados Unidos repetem os seus métodos de poder imperial quer na Ucrânia, quer na Palestina. Os cientistas políticos e acompanhantes passam horas a explicar que é tudo em nome dos valores do Ocidente — o que é verdade, sendo a mentira que esses valores sejam os da boa justiça e do mínimo respeito pelos direitos elementares dos seres humanos. A máquina de propaganda tem como objetivo fazer de nós cúmplices dos crimes e assim nos castrar o sentido critico.


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