O Mundo perdeu o medo!

(Hugo Dionísio, in CanalFactual, 04/12/2023)

Embora os Estados Unidos tenham vindo a resistir à pressão para a desdolarização, conseguindo colocar o dólar a crescer 1% em relação ao ano passado (até Setembro), enquanto moeda de reserva, esta resiliência é conseguida à custa de muito endividamento. Com efeito, a estratégia utilizada pela Casa Branca para manter o dólar no topo e impedir a indesejada (também para a China) bola de neve em que se transformará a saída desta moeda, assenta em taxas de juro muito altas, entre as mais altas do mundo ocidental.

Ou seja, a informação para o mercado é que a economia americana está em expansão, mas, ao mesmo tempo, ao invés desta boa saúde se refletir em juros baixos para a emissão de títulos do tesouro, acontece, precisamente o contrário. Como forma de atrair compradores para o dólar, a estratégia da reserva federal tem sido a de garantir yields (rentabilidades) mais elevadas. Ver aqui.

O problema, desta estratégia, é que aumenta exponencialmente o serviço da dívida pública americana, prevendo-se que, dentro de poucos anos, o serviço chegue a 25% da receita fiscal anual. Daí que, se em Setembro a Reuters dava boas indicações para quem comprava dólares, agora, no final do corrente ano, o discurso mudou de forma diametral.

A maioria dos analistas que a Reuters inquiriu na sua pool, realizada entre dia 03 e 07 de Novembro, retirou a conclusão de que, para o ano de 2024, o dólar perderá espaço para outras moedas regionais e provenientes de mercados emergentes. Ver aqui.

Existem já várias movimentações que apontam nesse sentido: Lena Petrova, no seu canal Youtube, noticiou que, neste momento, os bancos americanos estão com mais de 684 biliões de dólares em perdas relacionadas com de títulos do tesouro americano não vendidos. Ver aqui .

Acresce agora que, para tornar tudo mais negro e depois da própria Reuters voltar a publicar que os investidores estão a despejar dólares no mercado, para poderem realizar ganhos, pois sabem que, para o ano a taxa de juro irá ser reduzida (não é preciso ser esperto, pois, o endividamento não pode continuar a este ritmo), depois do Iraque, vêm agora os Emirados Árabes Unidos anunciar que, para o ano de 2024, acabam-se os almoços grátis. Com efeito, com a entrada para os BRICS, os EAU deixarão de negociar petróleo em dólares, passando a fazê-lo apenas em moedas nacionais, tendo já começado a fazê-lo com a India, vendendo petróleo em rúpias. Ver  aqui. Está tudo farto de um papel que nem o papel vale. Só vale para se ser invadido, bloqueado, sancionado e ameaçado.

Ora, esta é apenas a face visível do processo de complexificação das relações internacionais entre os estados, processo esse a que se convencionou designar de “Multipolaridade”, por oposição a “Unipolaridade”. A este processo não estarão alheios dois factos:

  • O apoio inequívoco a Israel que visa segurar aquele que é a guarda avançada do petrodólar e que tem custado tanto apoio interno ao projeto hegemónico, nomeadamente, por parte da juventude que não consegue conviver com o genocídio ao vivo e a cores.
  • À entrada de dois porta-aviões, um no Mediterrâneo e outro no Mar Vermelho, que visavam praticar a chamada “deterrence” (dissuasão), usando uma arma que os EUA ainda possuem, a força naval.

Há que meter medo para tentar travar uma tendência que, no pensar da Casa Branca, nem deveria ter começado. Não parece é que esteja a dar certo, pelo menos pelas impressões que do Irão têm vindo. Com efeito, face à falta de armas que a NATO tem evidenciado, são os EUA, agora, a não estarem interessados em guerras militares de elevada escala.

Não podendo, ou querendo, ir já para a fase militar (pelo menos no Médio Oriente, como acredito), os EUA jogam tudo noutros campos. Neste processo enquadram-se também as recentes denúncias que acusam o presidente da COP-28 de usar a sua posição para fazer charme a favor do uso de combustíveis fósseis. Afinal, o Sultão Ahmed Al Jaber é apenas CEO da Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), que no ano passado vendeu 2.7 milhões de barris. Sabendo-se que os EAU querem aumentar a produção em 2024, não era preciso ser-se um génio para saber para que quereria o Sultão tal poiso.

E se isto diz tanto do que é a COP-28 e de como veem estes tipos o problema da poluição, também diz muito do porquê de só agora se ter levantado o problema. Por que razão, só agora, logo BBC e New York Times vieram denunciar a situação? Pois… O meu palpite está precisamente nas ações dos Emirados em matéria de petrodólar e de reposicionamento geopolítico. Ou seja, mais preocupação com o meio ambiente.

Mas, para aqui chegarmos, ao ponto em que os EUA tentam esconder a queda, em que já vão, por todos os meios ao seu alcance, inclusive, à custa de afundarem a vassalagem europeia; algo foi acontecendo que, na essência e no substrato, representou o despertar para a liberdade de muitas nações, antes prisioneiras, passarem a pensar pelas suas cabeças. O que é que se terá passado, então, que tão grande segurança dá a estas nações?

Enquanto descansavam à sombra da arquitetura hegemónica construída a partir da Segunda Guerra Mundial, segundo a qual dominam as instâncias saídas de Bretton Woods, fazendo-as dançar ao som do consenso de Washington, o resto do mundo, os chamados “países emergentes”, tão desprezados pelas elites oligárquicas americanas, foram-se reorganizando e cooperando mutuamente.

O estudo “multipolar ou Multiplex? Interaction capacity, global cooperation and world order” dá-nos uma visão do barro com que o mundo multipolar (ou o mundo multiplex como lhe chamam no estudo) foi sendo construído.

Analisando cerca de 33.104 tratados comerciais assinados entre 1945 e 2017, este trabalho permite retirar conclusões muito importantes:

  • É após a queda da URSS que se dá a construção da base sobre a qual irá assentar o “mundo multipolar”, sendo o período de 1991-2005 aquele em que mais tratados de cooperação comercial se assinaram;
  • Até 1990, os EUA eram o país que, todos os anos mais contratos assinavam, sendo ultrapassados pela Alemanha entre 1991-2005 e 2006-2017;
  • O Reino Unido que era sempre o segundo, entre 1976-1990 foi ultrapassado pela Alemanha;
  • Nos períodos 1991-2005 e 2006-2017, o Reino Unido foi ultrapassado por Brasil, França, Holanda, Coreia do Sul, Austrália, Turquia, Argentina, Japão, México Espanha, Suíça, Africa do Sul…;
  • Os próprios EUA, entre 2006-2017 estão na casa das duas centenas de acordos celebrados, tal como Austrália, Turquia, Argentina, Arica do Sul.
  • Ao longo dos anos, a própria centralidade dos EUA em matéria de cooperação foi-se mantendo, mas observa-se uma aproximação desse centro por vários países, principalmente europeus.
  • A China, por exemplo, passou do 37.º país a 13.º com mais acordos celebrados.
  • Interessante é também o aprofundamento do agrupamento de países (clusters), com muito relevo para um cluster nórdico estabelecido a partir de 1991, entre a Federação Russa e os países escandinavos, mais a Islândia e a Etiópia (sim, a Etiópia), a que se juntou, depois, Israel;
  • A partir de 1991 a Alemanha surge a liderar o segundo maior cluster mundial (a seguir ao dos EUA);
  • A Alemanha, a ASEAN, México, Brasil, China e Coreia do Sul parecem ser os que mais se fortaleceram com o adormecimento dos EUA.

Estes dados, que podem ser consultados aqui, dão-nos pistas extremamente importantes para caracterizar o declínio do império hegemónico, bem como para explicar o que aconteceu com a Europa.

Os EUA, está bom de ver, adormeceram à sombra da vitória. Derrotada a URSS, não mais os EUA se preocuparam como antes no estabelecimento e crescimento das suas redes transnacionais. Foi o tempo da arbitrariedade, da hegemonia, do quero, posso e mando. O que esta realidade reflete, a meu ver, é também a crescente incapacidade por parte dos EUA em fazerem acordos que não fossem exatamente como queriam. O mundo viu a verdadeira cara dos EUA, a sua arrogância e supremacismo, e não gostou, começando a trabalhar na base e surdamente, para a viragem que agora estamos a presenciar.

Quando acordaram, os EUA viram o perigo de autonomização da Europa, principalmente a União Europeia, resquício da guerra fria e instrumento de combate político anticomunista. A Alemanha crescia fortemente, à custa da energia e matérias-primas baratas da Rússia e dos tratados que ia fazendo por todo o mundo. Foi o tempo da Alemanha motor da EU e do Eixo Franco-Alemão. Não nos podemos esquecer do papel da NATO (keep Germany down; Russia out and other in – colocar a Alemanha em baixo, a Rússia fora e os outros dentro). As coisas estavam a sair “dos eixos”.

A norte, os países escandinavos iam resistindo às formas mais brutais de neoliberalismo, protegendo o seu modelo com recurso à energia e matérias-primas baratas da Rússia, bem como a um mercado de mais de 200 milhões de pessoas (Rússia e EAEU) para escoar os seus excedentes.

É aqui que se torna ainda mais trágico o suicídio europeu, em particular o alemão e o francês. Mas como é que, de uma assentada, entre 2017 e 2022, estes países prescindem dos seus fatores mais vantajosos? Degradação democrática à parte, infiltração da CIA e muita corrupção e tráfico via mundo académico e comunicação social, à parte, foi o reabrir do capítulo da guerra fria que permitiu o acordar dos arquétipos adormecidos que tinham estado na origem da EU – o anticomunismo primário, o reacionarismo e o pensamento neocolonial em relação aos países considerados “menores”.

Uma autêntica tragédia, que se agravou com a tragédia da NATO na Ucrânia e que se acelerará logo que já não se possa esconder que a NATO é supérflua, anacrónica e ultrapassada como estrutura. O mundo, a natureza e a história não precisa dela. Todos sabem que, quando olham para a NATO, é Washington que veem. A própria EU não está longe dessa visão também, pois quem aceita autoflagelar-se como o fez a Comissão Europeia, colocando em depressão os países que a alimentam, em nome de interesses que se situam do outro lado do Atlântico, não pode ir muito longe.

A guerra que opõe a NATO à Rússia, em solo Ucraniano e usando o povo ucraniano como exército, e, agora, a limpeza étnica sionista em curso, serão dois dos episódios trágicos da queda da “hegemonia liberal” como lhe chama o estudo.

O que já ninguém pode esconder, e apenas a comunicação social corporativa o tenta fazer (quantos milhões recebe para isso!), é que aconteceu o que os EUA andaram mais de 30 anos a evitar: o mundo perdeu o medo!

Só faltam agora os oligarcas que nos governam na sombra, se confrontarem com o medo que lhes sobra: o medo que os povos percam o seu próprio medo!

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Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas

(Elisabete Tavares, in Página Um, 03/12/2023)

É um caso de marketing e de propaganda para totós. Ainda assim, jornalistas cobrem estes eventos como se fossem sérios e realmente produtivos, com o objectivo de se melhorar o mundo e as vidas de todos. Ainda assim, se fazem debates sobre esses eventos, como se realmente houvesse algo, de substância, para se debater no que lá se diz que se vai fazer.

Um desses eventos é a “Cimeira do Clima” ou sobre o Ambiente, ou Alterações Climáticas, … O nome do “espectáculo” pode ir mudando, mas o assunto é sempre o mesmo: líderes mundiais deslocam-se nos seus aviões para um local remoto do Mundo, para anunciar a “atribuição” de dinheiros e criação de fundos e medidas que vão melhorar a saúde do planeta e o futuro de todos os que nele vivem.

Muitos comunicados de imprensa. Muitos discursos “inspiradores” e “assertivos” escritos pelas diversas equipas de comunicação e os melhores spin doctors. O resultado são, invariavelmente, clichés como “não há humanidade B”, frase de António Costa nesta última Cimeira do Clima, citado na Lusa, frase que foi repetida até à exaustão pelos gabinetes de relações públicas do Governo, ou seja, os principais media do país.

Nestas cimeiras e conferências, os políticos de repente acordam para a causa ambiental e, tal como um cristão renascido, banham-se nas límpidas águas das diversas cimeiras do clima para sair delas discípulos da Nova Terra salva da poluição e imaculada. Pelo menos, até aterrarem de novo com os seus aviões nos países de origem e tudo voltar ao “business as usual“, que é como quem diz, ao andar de carro para cima e para baixo, conceder o licenciamento de empresas poluidoras e apelar ao consumo desenfreado para salvar empregos e “a economia”.

Desde pequena que ouço falar na desertificação, na necessidade de se reduzir o consumo, na urgência de se poupar água e proteger o meio ambiente. Desde pequena que assisto a sucessivos governos portugueses e descurar a ferrovia e a despejar dinheiro dos contribuintes na construção de estradas (ou melhor, nas construtoras suas amigas que construíram as estradas).

E todos os anos, sem excepção, assistimos a descargas ilegais em rios, a poluição diversa no mar. A investimentos estapafúrdios em obras e construção de monos com dinheiros públicos. Fecha-se os olhos a projectos poluidores porque criam empregos? Baixam-se os requisitos ambientais para atrair aquele investimento na fábrica que até foi classificado de PIN (projecto de interesse nacional)? Autoriza-se o abate daquelas árvores protegidas para aquele empreendimento de luxo? Dá-se o OK a mais um campo de golfe em zona onde falta a água? Avança-se com a construção de um novo aeroporto em zona de migração e nidificação única na Europa? Olha-se para o lado para o uso de pesticidas que acabam com espécies de relevo e causam cancro? Arrasa-se aquele rio selvagem e aqueles ecossistemas para construir mais uma barragem?

E incentiva-se ao consumo. Muito consumo. A quantidade de embalagens e lixos produzidos hoje é estonteante. Avassaladora. Os governos lucram com isso através dos diferentes impostos cobrados. O ambiente é que se lixa, tal como todos nós. E o planeta.

Desta vez, Costa pediu acção mais rápida e ambiciosa. Todos concordaríamos com isso, se não tivéssemos visto o que Costa fez, por exemplo, na gestão da pandemia de covid-19, desde 2020. Mas, como vimos e sentimos na pele e nos bolsos o que fez, o que lemos nessa intenção do “rápido e ambicioso” é isto: muitos vão encher os bolsos (de novo) e nós vamos ficar agarrados aos problemas e aos prejuízos. Além do atropelo que fez à Constituição da República.

Ou seja: há o risco de um acelerar no caminho da destruição da democracia, por via de leis e medidas inconstitucionais, e um novo o empurrão para fortes cargas de impostos sobre “poluidores”, que vão acabar por cair afinal sobre os consumidores finais. Há o risco de se inventarem mais “políticas verdes”, mas que irão beneficiar empresas amigas. Vão anunciar-se regras que serão aplicáveis aos comuns dos mortais, enquanto os que têm amigos e cunhas serão poupados.

Talvez porque acompanhe os mercados de capitais há várias décadas, desconfio destas promessas “verdes” que até agora renderam milhares de milhões a fundos e “veículos” de investimento, filantropos, fundações e políticos a vender este peixe da economia “verde” e trouxeram mais e mais problemas ao planeta e às populações.   

Estas cimeiras do clima ou do ambiente fazem-me também lembrar os congressos dos jornalistas (vai-se agora para o 5º Congresso). Fala-se muito e não se muda nada. Fala-se muito, mas não se mexe naquilo que se precisa mesmo mexer para que haja mudanças.

Na política, continua a promover-se o crescimento eterno das economias e a cultura de consumo, como se isso fosse racional ou sensato. O crescimento eterno do Produto Interno Bruto, vendido nos telejornais como sinal de sucesso político…

Nos congressos de jornalismo fala-se que o sector está em crise, os jornalistas são mal pagos e até que há disparidade de salários e promoções entre homens e mulheres. Mas, hoje, há que assumir, que os jornalistas não têm quase nenhum poder e estão alinhadíssimos com o poder político e empresarial.

A liberdade de imprensa está ameaçada (sobretudo, desde 2020) e há notícias verdadeiras a serem censuradas no mundo digital. Os grupos de comunicação social estão vendidos (rendidos) às “parcerias comerciais” (conteúdos e eventos patrocinados por entidades públicas ou privadas). Directores de jornais, revistas, TVs e rádios fazem o papel de entertainers e apresentadores em eventos e conferências e actuam como embaixadores de políticos, de reguladores, de figuras da autoridade e todos os “clientes” que pagam as “parcerias comerciais” aos seus grupos.

As redacções estão magras, mas cheias de jornalistas e estagiários que fazem copy/paste (churnalism) das notícias da Lusa e de comunicados de imprensa. Não há tempo (nem pensamento crítico) para mais. E háá que falar nos jornalistas que têm empresas e funções incompatíveis com a profissão. Nos grupos de comunicação social com “clientes” que lhes pagam para escrever “notícias” e fazer eventos sobre os quais depois escrevem (sempre) favoravelmente. E há que falar na evidente subserviência do sector em geral face ao poder, seja do Governo, de autoridades, de reguladores, de direcções-gerais, da Comissão Europeia, (como, de resto, se viu na pandemia).

Além de que se tem obrigatoriamente de falar na falência completa de reguladores e dos que deveriam ser vozes em defesa da profissão e do sector, com destaque para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Mas também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social só tem actuado quando sente pressão. E o Sindicato de Jornalistas tem ficado em silêncio perante irregularidades e situações de promiscuidade inaceitáveis.

Como jornalista, ao longo dos anos sempre me mantive afastada de congressos e do corporativismo patente no sector da comunicação social. Não me identifico com operações de autopromoção, nem com os silêncios sobre os problemas graves, como as “parcerias comerciais”, nem com a cultura das palmadinhas nas costas enquanto o sector arde.

A meu ver, na defesa do ambiente e do planeta e na defesa do jornalismo existe algo em comum: jamais serão defendidos por políticos do actual establishment, nem pelas grandes indústrias, por bilionários donos de multinacionais ou filantropos com um histórico ético duvidoso. Nem por jornalistas que há muito se vergaram perante dinheiros públicos, privados ou de fundações, com medo de perderem o emprego, a nomeação a prémios e bolsas, além dos que não escondem agendas ideológicas.

Nem a defesa do planeta, nem a defesa do jornalismo irão ser feitos por aqueles que têm contribuído para criar os problemas existentes, seja pelas suas acções seja porque pactuaram com os ataques, ficando em silêncio.

Num mundo de árvores de Natal de plástico, enfeitadas de bolas e fitas de fantasia em material sintético, o jornalismo é hoje um adereço brilhante para vender frases bonitas sobre como políticos e bilionários que contribuíram para nos trazer ao desastre, são agora os maiores defensores do ambiente e da vida no planeta.

Num mundo de cimeiras do clima da tanga e congressos dos jornalistas da treta, temos de começar a pensar se está na altura de deixarmos de ser totós. Em relação aos políticos, aos media que destroem o jornalismo e em relação ao que podemos fazer sobre o futuro do planeta e do jornalismo.

Elisabete Tavares é jornalista


.Continuar a ler em: Um passeio dos banqueiros pelo Colombo: dava jeito! – Página Um


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Israel reabre o matadouro de Gaza

(Chris Hedges, in The Chris Hedges Report, 01/12/2023, trad. Estátua de Sal)


Os céus de Gaza estão repletos – após uma trégua de sete dias – de projécteis mortais. Aviões de guerra. Helicópteros de ataque. Drones. Cartuchos de artilharia. Conchas de tanque. Morteiros. Bombas. Mísseis. Gaza é uma cacofonia de explosões e gritos desamparados pedidos de ajuda sob edifícios desabados. O medo, mais uma vez, envolve todos os corações no campo de concentração de Gaza. 

Na noite de sexta-feira, 184 palestinos – incluindo três jornalistas e dois médicos – foram mortos por ataques aéreos israelenses no norte, sul e centro de Gaza, e pelo menos 589 ficaram feridos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. A maioria deles são mulheres e crianças. Israel não será dissuadido. Planeia terminar o trabalho, destruir o que resta no norte de Gaza e dizimar o que resta no sul, tornar Gaza inabitável, ver os seus 2,3 milhões de habitantes expulsos numa campanha massiva de limpeza étnica através da fome, do terror, abate e doenças infecciosas. 

Os comboios de ajuda, que trouxeram quantidades simbólicas de alimentos e medicamentos – o primeiro lote consistiu em mortalhas e testes de coronavírus, segundo o diretor do hospital al-Najjar – foram interrompidos . Ninguém, muito menos o presidente Joe Biden, planeia intervir para impedir o genocídio. O secretário de Estado, Antony Blinken, visitou Israel esta semana e, embora apelasse a Israel para proteger os civis, recusou-se a estabelecer condições que perturbassem os 3,8 mil milhões de dólares que Israel recebe em assistência militar anual ou o pacote de ajuda suplementar de 14,3 mil milhões de dólares . O mundo assistirá passivamente, murmurando brometos inúteis sobre mais ataques cirúrgicos , enquanto Israel gira a sua roleta da morte. Quando Israel terminar, a Nakba de 1948 , onde os palestinianos foram massacrados em dezenas de aldeias e 750 mil foram limpos etnicamente pelas milícias sionistas, parecerá uma relíquia pitoresca de uma era mais civilizada. 

Nada está fora dos limites. Hospitais. Mesquitas. Igrejas. Casas. Blocos de apartamentos. Campos de refugiados. Escolas. Universidades. Gabinetes de imprensa. Bancos. Sistemas de esgotos. Infra-estruturas de telecomunicações. Estações de tratamento de água. Bibliotecas. Moinhos de trigo. Padarias. Mercados. Bairros inteiros. A intenção de Israel é destruir as infra-estruturas de Gaza e matar ou ferir diariamente centenas de palestinianos. Gaza está a tornar-se um terreno baldio, uma zona morta que será incapaz de sustentar a vida.

Israel começou a bombardear Khan Younis na sexta-feira, depois de ter lançado folhetos a avisar os civis para evacuarem mais para sul, para Rafah, situada no posto fronteiriço com o Egipto. Centenas de milhares de palestinianos deslocados procuraram refúgio em Khan Younis. Quando os palestinianos são empurrados para Rafah, só resta um lugar para onde fugir – o Egipto. O Ministério dos Serviços Secretos israelita, num relatório que foi divulgado, apela à transferência forçada da população de Gaza para a Península do Sinai, no Egipto. Um plano pormenorizado para deslocar intencionalmente os palestinianos de Gaza e empurrá-los para o Egipto está incorporado na doutrina israelita há cinco décadas. Já 1,8 milhões de palestinianos em Gaza foram expulsos das suas casas. Assim que os palestinianos atravessarem a fronteira com o Egipto – o que o governo egípcio e os líderes árabes estão a tentar impedir, apesar da pressão dos EUA – os palestinianos nunca mais voltarão.

Esta não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra os palestinianos.

Os ataques israelitas são gerados a um ritmo vertiginoso, muitos deles a partir de um sistema chamado “Habsora” – O Evangelho – que se baseia na inteligência artificial e que selecciona 100 alvos por dia. O sistema de IA é descrito por sete actuais e antigos funcionários dos serviços secretos israelitas num artigo de Yuval Abraham nos sites israelitas +972 Magazine e Local Call, como facilitando uma “fábrica de assassinatos em massa”. Israel, assim que localiza o que supõe ser um agente do Hamas a partir de um telemóvel, por exemplo, bombardeia e lança bombas numa vasta área à volta do alvo, matando e ferindo dezenas e, por vezes, centenas de palestinianos, afirma o artigo.

“De acordo com fontes dos serviços secretos”, lê-se no artigo, “o Habsora gera, entre outras coisas, recomendações automáticas para atacar residências privadas onde vivem pessoas suspeitas de serem operacionais do Hamas ou da Jihad Islâmica. Israel leva então a cabo operações de assassinato em grande escala através de bombardeamentos pesados nessas residências”.

Cerca de 15.000 palestinianos, incluindo 6.000 crianças e 4.000 mulheres, foram mortos desde 7 de outubro. Cerca de 30.000 ficaram feridos. Mais de seis mil estão desaparecidos, muitos enterrados sob os escombros. Mais de 300 famílias perderam 10 ou mais membros da sua família. Mais de 250 palestinianos foram mortos na Cisjordânia desde 7 de outubro e mais de 3.000 ficaram feridos, embora a área não seja controlada pelo Hamas. Os militares israelitas afirmam ter morto entre 1.000 e 3.000 dos cerca de 30.000 combatentes do Hamas, um número relativamente pequeno tendo em conta a escala do ataque. A maioria dos combatentes da resistência abriga-se no seu vasto sistema de túneis.

O livro de jogo de Israel é a “Doutrina Dahiya”. A doutrina foi formulada pelo antigo Chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (IDF), Gadi Eizenkot, que é membro do gabinete de guerra, na sequência da guerra de 2006 entre Israel e o Hezbollah no Líbano. Dahiya é um subúrbio do sul de Beirute e um reduto do Hezbollah. Foi bombardeada por jactos israelitas depois de dois soldados israelitas terem sido feitos prisioneiros. A doutrina postula que Israel deve empregar uma força maciça e desproporcionada, destruindo infra-estruturas e residências civis, para garantir a dissuasão.

Daniel Hagari, porta-voz das FDI, admitiu no início do mais recente ataque israelita a Gaza que a “ênfase” seria “nos danos e não na precisão”.

Israel abandonou a tática de “bater no telhado”, em que um foguete sem ogiva aterrava num telhado para avisar as pessoas que se encontravam no interior para evacuarem. Israel também acabou com as chamadas telefónicas que avisavam de um ataque iminente. Agora, dezenas de famílias de um bloco de apartamentos ou de um bairro são mortas sem aviso prévio.

As imagens de destruição maciça alimentam a sede de vingança em Israel, após a humilhante incursão dos combatentes do Hamas a 7 de outubro e a morte de 1200 israelitas, incluindo 395 soldados e 59 polícias. Muitos israelitas manifestam um prazer sádico pelo genocídio e uma onda de apelos ao assassínio ou à expulsão dos palestinianos, incluindo os da Cisjordânia ocupada e os que têm cidadania israelita.

A selvajaria dos ataques aéreos e dos ataques indiscriminados, o corte de alimentos, água e medicamentos, a retórica genocida do Governo israelita, fazem desta uma guerra cujo único objetivo é a vingança. Isto não será bom nem para Israel nem para os Palestinianos. Irá alimentar uma conflagração em todo o Médio Oriente.

O ataque de Israel é a última medida desesperada de um projeto colonial de colonos que pensa tolamente, como muitos projectos coloniais de colonos fizeram no passado, que pode esmagar a resistência de uma população indígena com genocídio. Mas nem mesmo Israel conseguirá escapar impune a uma matança desta dimensão. Uma geração de palestinianos, muitos dos quais viram a maior parte das suas famílias, se não todas, serem mortas e as suas casas e bairros destruídos, terão uma sede de justiça e de retribuição para toda a vida.

Esta guerra não acabou. Ainda nem sequer começou.

Fonte aqui


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