(José Sócrates, in Expresso, 16/07/2023)

O antigo primeiro-ministro escreve sobre a manhã de buscas à casa de Rui Rio: “A espetacular ação judicial daquela manhã não decorreu sob o rigor do Estado de Direito, mas do arbítrio do Estado de exceção. E no Estado de exceção quem decide a exceção é o verdadeiro soberano”.
Sim, aquelas buscas são um caso sério. Muito sério. A começar pelo que está mesmo à frente dos nossos olhos: o único crime que temos a certeza de ter sido cometido é o crime de violação do segredo de justiça. Um crime em direto na televisão. Um crime cuja especial gravidade consiste em ter sido praticado por agentes do Estado, aqueles a quem confiamos o cumprimento da lei – o polícia, o procurador ou o juiz.Ninguém mais sabia. Assim começa o dia no prodigioso mundo do combate ao crime económico – cometendo um crime. Mais de cem agentes policiais envolvidos, dizem com orgulho. A desvalorização deste crime é um dos silêncios da conversa oficial sobre a atuação judicial. Ela tem sido habilidosamente promovida sob a alegação de que tem objetivos nobres e de que visa um respeitável interesse público. Na verdade, nem uma coisa nem a outra.
Nenhum interesse público justifica o crime e a violação da lei e nenhuma moral particular disfarça o que é: evidentemente, um abuso de poder. Os que dão estas informações aos jornalistas não são justiceiros, são criminosos. A espetacular ação judicial daquela manhã não decorreu sob o rigor do Estado de Direito, mas do arbítrio do Estado de exceção. E no Estado de exceção quem decide a exceção é o verdadeiro soberano. Mas há mais. Há também as buscas por motivos frívolos.

A operação escancara perante todos a costumeira e escandalosa prática de ordenar buscas exclusivamente destinadas ao espetáculo televisivo. Há muito que as invasões policiais do domicílio privado deixaram de ser decididas em função da utilidade para a investigação ou da necessidade de obter provas que, de outra forma, não se poderiam obter. Acompanhadas das câmaras de televisão, as buscas servem para ferir, para humilhar, para intimidar, para destruir a reputação dos visados. A câmara de televisão transforma-se assim no novo instrumento do poder estatal. O novo punhal do assassinato político. Nada disto é precipitação ou maluqueira. Não. Há um método e um propósito por detrás de tudo isto.
A tese é que o direito penal evolui por transgressões. Se violarmos as normas legais com frequência, elas passam a ser outras. Reescrevemos a lei, violando-a muitas vezes. Há muito que a separação de poderes está ameaçada, não por invasões do poder político no poder judicial, mas exatamente ao contrário – quem tem mandato apenas para aplicar a lei acha que chegou o momento de se substituir ao Parlamento para a mudar segundo a sua vontade e o seu interesse.
Tudo isso está a acontecer a uma velocidade assustadora. A ação judicial contemporânea foi lentamente transformando as buscas domiciliarias em ações rotineiras, como se o direito à inviolabilidade residencial constituísse agora uma garantia constitucional obsoleta e arcaica. As buscas sem fundamento sério são um dos mais sérios indicadores da deriva penal autoritária em desenvolvimento.
Finalmente, o motivo. O sério motivo.
Aparentemente, dizem os relatos, a ação policial, com tantos agentes, com procuradores no terreno e com a assinatura de juízes, destina-se a esclarecer a distinção legal entre atividade parlamentar e atividade partidária, questão que julgávamos reservada a quem tem falta de assunto para uma tese de doutoramento. Para os outros, para os que têm ainda alguma cultura democrática, parece óbvio que toda a atividade parlamentar é também atividade partidária, visto que os lugares do parlamento ainda são monopólio dos partidos e na medida em que só eles têm a prerrogativa de propor candidatos a sufrágio. Mas servirá a explicação de alguma coisa? Não me parece. No espaço televisivo basta pronunciar as palavras deputados e partidos para acabar de vez com a conversa e despertar a fúria da taverna. E eles contam com isso.
P.S. – As maravilhas que a ausência de rivalidade política é capaz de fazer. O que antes era “à justiça o que é da justiça” transformou-se subitamente em “julgamento de tabacaria”. Sempre esteve de acordo, faltou-lhe a coragem de o dizer.
Ericeira, 16 de julho de 2023
O articulista já passou pelo mesmo quando foi recebido a chegada de Paris e quando foi dentro por uma comissão de boas-vindas formada por elementos da extrema-direita e, claro, muita gente a filmar tudo. O segredo de justiça há muito que é um segredo de Polichinelo.
Não tendo qualquer simpatia pelo homem achei a coisa indecente. Não tendo simpatia pelo Rui Rio achei a coisa indecente. Mesmo que o homem seja inocentado pela justiça já foi julgado nas tabernas. E, claro, considerado culpado. A extrema-direita agradece. A quem interessa que caiamos todos nas garras da extrema-direita. Serão os mesmos que acolheram o governo de extrema-direita que tivemos até 1974 como defensor do mundo livre? Quando aqui se podia ser preso e torturado por dizer que a vida estava cara? Adivinhe quem sabe.
« A extrema-direita agradece» Concordando com a generalidade do que expõe, mas.
Quem é PM há sete anos? Que espaço para a Justiça, tem sido contido nos programas eleitorais ou de governo?
Quem foi em tempos idos ministro da Justiça, mais tarde companheiro de um PM inconveniente e agora PM?
Concordo inteiramente com a posição do ex PM José Sócrates. Ele foi também alvo de uma situação muito idêntica não fosse bem pior. Chegava ao aeroporto com montes de jornalistas que sabiam antecipadamente ao que iam . Quanto a Rui Rio é uma situação de invejas internas
Um nojo de democracia, é o que vivemos hoje, em Portugal. Aqui e ali, aparecem uns laivos de justiça de direito, mas é muito raro. A mais das vezes, já vivemos nos tribunais plenários de antes do 25 de Abril, mas agora com uma característica: esses tribunais funcionam na praça pública, à vista de todos e com o quarto poder (alguns jornalistas) a aproveitarem o furo para subirem na vida.
https://youtu.be/fa-oVmdrFkU (Sonus Mortis – I See Humans But No Humanity)
E o ascensor social da democracia abrilesca a funcionar!
Cumprido o regulamento, o estatuto de magistrado ao alcance de todos!
Ui, qualquer dia ainda diz mal de Carlos Alexandre…
justiça dos homens / seres humanos (deixem-me rir cinicamente …) ❓
justiça da mãe-natureza ❓ talvez … nascer é confirmar a morte ❣
Tudo certo, sobre a violação do segredo de justiça!
Mas, se parece óbvio que toda a atividade parlamentar é também atividade partidária, não é menos evidente que a vida dos partidos não se limita à sua actividade parlamentar! Daí as duas: lei do financiamento partidário e lei da organização e funcionamento dos serviços da assembleia da república…
E daí? Neste caso quem burlou quem? O assessor pago pelo parlamento quando acompanha o líder fora do parlamento deve ser pago por quem? O grupo parlamentar tem autonomia fiscal? O NIF dos documentos de despesa não é o do Partido? Alguém sabe dizer em quanto é que as finanças públicas foram desfalcadas? A favor de quem?
talvez, do futebol_negócio_mercenário_mafioso 🔮