Só a pluralidade de informação pode prevenir a guerra

(Por Thierry Meyssan, in Rede Voltaire, 29/11/2022)

A percepção dos factos varia segundo os indivíduos. Aqui o mesmo símbolo é lido como « 6 » por um e como « 9 » pelo outro.

No mundo inteiro, observamos uma miríade de médias, mas sem nenhum pluralismo entre elas. Todos bebem das mesmas fontes que veiculam a mesma visão dos factos. Ora, todos sabemos que se os factos se passam de uma única forma, a maneira como os apreendemos é variada. Já na década de 80, a UNESCO havia posto em evidência o « imperialismo de informação »; essa maneira de impor uma única percepção e de negar todas as outras. Hoje, esta dominação manifesta-se com os News Checkers. O único meio de nos libertarmos deste sistema é, não o de criar novos média, mas novas agências de notícias.


Após a Segunda Guerra mundial, o Direito Internacional moderno foi estabelecido com a ideia de combater a « propaganda de guerra » (Resolução 110 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 3 de Novembro de 1947 [1] e Resolução 381 de 17 de Novembro de 1950 [2]). Rapidamente, os legisladores internacionais, quer dizer os Estados soberanos, acordaram que não se podia lutar contra a guerra senão velando pela « livre circulação das ideias » (Resolução 819 de 11 de Dezembro de 1954 [3]).

Ora, no decurso dos últimos anos, assistimos a um recuo extraordinário que nos priva do pensamento dos outros, nos expõe à propaganda de guerra e, por fim, nos precipita para um conflito mundial.

Este fenómeno começou com a censura privada nas redes sociais do Presidente em exercício dos Estados Unidos, depois continuou com a censura pública dos média (mídia-br) russos no Ocidente. Agora, o pensamento alheio já não é entendido como um instrumento de prevenção das guerras, mas como um veneno que nos ameaça.

Estados ocidentais dotam-se de instâncias encarregadas de « rectificar » as informações que eles dizem falsificadas (Fake News) [4]. A OTAN pensa na criação de uma unidade, baptizada Information Ramstein, encarregue de censurar já não mais as fontes de informação russas, mas as ideias russas no meio dos 30 Estados membros da Aliança Atlântica [5].

Trata-se de uma completa reviravolta de valores da Aliança Atlântica que foi baseada na continuação da Carta do Atlântico, a qual incorporava as « quatro liberdades » do Presidente Franklin Roosevelt. Sendo a liberdade de expressão a primeira delas.

Ora, antes da invenção da Internet, enquanto os Estados-Unidos e a União Soviética acabavam de garantir a « livre circulação de ideias » com os Acordos de Helsínquia, as Nações Unidas e sobretudo a sua agência na matéria, a UNESCO, inquietavam-se com um « imperialismo de informação ». A superioridade técnica dos Ocidentais permitia-lhes impor a sua visão dos factos nos países em vias de desenvolvimento.

Em 1976, durante a conferência de Nairóbi, a ONU levantou a questão do funcionamento dos média a respeito do « reforço da paz e da compreensão internacional, da promoção dos direitos do homem e da luta contra o racismo, o apartheid e a incitação à guerra ».

O antigo Ministro (Chanceler-br) dos Negócios Estrangeiros irlandês e vencedor do Prémio Nobel da Paz, Seán MacBride, criara uma comissão de 16 personalidades no seio da UNESCO. Ela incluía o Francês Hubert Beuve-Mery (fundador do Le Monde), o Colombiano Gabriel García Márquez (Prémio Nobel da Literatura) e o Canadiano Marshall McLuhan (teórico da comunicação). Os Estados Unidos estavam representados por Elie Abel, então reitor da escola de jornalismo da Universidade de Colúmbia, e a Rússia pelo director da agência Tass, Serguei Losev. Apenas a quinta e última parte do relatório (A comunicação do futuro) foi objecto de um debate geral. A comissão MacBride debateu o rascunho das outras partes, mas não pôde por em questão a sua redacção final. Fosse como fosse, o seu Relatório tornado público em 1978 parecia estabelecer um consenso.

Na realidade, ao sublinhar que os mesmos factos podem ser entendidos de forma diferente e ao elaborar sobre os meios dos média do Norte e os do Sul, ele abriu a caixa de Pandora. Concomitantemente, a UNESCO foi confrontada com a propaganda do regime sul-africano de apartheid e a de Israel, negacionista das culturas muçulmana e cristã. Por fim, os Estados Unidos e o Reino Unido encerraram o debate retirando-se da UNESCO. Sabemos hoje que o Império Britânico havia assegurado o seu domínio intelectual ao criar agências de notícias. O Information Research Department (IRD) foi encerrado por Whitehall (o Ministério dos Estrangeiros-ndT) precisamente antes da publicação do relatório MacBride [6]. Mas a guerra contra a Síria veio mostrar que tal dispositivo foi inteiramente reconstituído sob uma outra forma [7]. Os Ocidentais continuam a falsificar a informação logo na sua própria fonte.

Ao fim de quarenta anos, o panorama mediático transformou-se : apareceram televisões internacionais de informação contínua, sítios internet e redes sociais. Simultaneamente, assistimos a uma gigantesca concentração dos média nas mãos de um punhado de proprietários. No entanto, nenhum dos problemas listados em 1978 mudou. Pelo contrário, com o mundo unipolar eles pioraram.

A profissão jornalística consiste hoje em dia em redigir despachos de agências ou em contextualizar essas notícias para os média. As agências de notícias não têm fontes, são factuais, enquanto os média propõem comentários e análises referindo-se às agências de notícias. A contextualização requer muitos conhecimentos históricos, económicos, etc.. dos quais os actuais jornalistas são em grande parte desprovidos. O imediatismo nas rádios e nas televisões não lhes confere tempo para a leitura de livros e muito menos para a consulta de arquivos, salvo durante investigações de fundo. Assim, os comentários e as análises foram ficando consideravelmente empobrecidos.

A ideologia dominante no Ocidente, que tende a ser « global », tornou-se uma religião sem Deus. Só há dois campos: o do “Bem” e o dos “apóstatas”. A verdade é determinada por um consenso no seio das elites enquanto a população a rejeita. Toda a crítica é considerada blasfema. Já não há mais espaço para o debate e, portanto, para a democracia.

A imprensa alternativa tornou-se tanto mais pobre quanto ela se baseia nos mesmos dados que os média internacionais : os despachos das agências de notícias. Basta, com efeito, controlar a AFP, a AP e a Reuters para nos imporem uma visão dos factos. Pode-se condimentá-la segundo esta ou aquela tendência, republicana ou democrata, conservadora ou progressista, etc., mas acabará por dar sempre o mesmo prato.

Desde os atentados do 11-de-Setembro, os que contestam a versão oficial dos acontecimentos são qualificados de « conspiracionistas ». Desde a eleição de Donald Trump, os que contestam os dados das agências de notícias são acusados de deformar a realidade e de imaginar Fake News (notícias falsas-ndT). Os jornalistas, após se terem interdito de veicular o pensamento dos «conspiracionistas», quer dizer, dos dissidentes, tentam agora “corrigir” as Fake News com Check News.

Ora, no mesmo período, a crença nas versões dos grandes médias afundou. Nos Estados Unidos, o Instituto Gallup avalia a confiança na imprensa escrita desde 1973 e na imprensa audiovisual desde 1993. Assim, a dos jornais passou de 51% para 16% e a das rádios e das televisões passou de 46% para 11%. .

A única solução suporá que se multiplique as agências de notícias, quer dizer, as fontes de informação. Não que as tornemos inúmeras, mas antes diversas. Só então perceberemos que a forma como se relata um acontecimento determina a maneira como acabamos a pensar sobre ele.

Por exemplo, hoje em dia as três agências de notícias citadas acima apresentam o conflito na Ucrânia como uma « invasão russa ». Elas garantem que Moscovo não foi capaz de tomar Kiev e derrubar o Presidente Zelenky, mas que comete crimes de guerra todos os dias. É uma maneira de ver. Não temos os meios necessários para publicar despachos a todo o instante, no entanto editamos um boletim semanal idêntico [8]. O nosso critério é diferente. Baseamo-nos no «Direito Internacional» e não nas « regras » ocidentais. Descrevemos, pois, o mesmo conflito como a aplicação da Resolução 2202 do Conselho de Segurança e da « responsabilidade de proteger » as populações oprimidas desde 2014. Os acontecimentos são os mesmos, mas para alguns a forma como os relatam leva a pensar que os Russos estão errados, enquanto a nossa leva a pensar que a posição russa é legal. Verdadeiramente falando, há uma outra diferença : interpretamos os factos a longo prazo. Para nós e para o Conselho de Segurança, há uma guerra civil na Ucrânia desde há oito anos, a qual provocou 20. 000 mortos, e as três grandes agências fingem ignorá-la. Para nós os « nacionalistas integralistas » têm um longo historial criminoso, que custou a vida a 4 milhões dos seus concidadãos, e que as agências ocidentais também fingem ignorar [9].

Esta diferença pode ser aplicada a todos os assuntos. Por exemplo, as grandes agências de notícias explicam-nos que os Ocidentais lançaram sanções a fim de punir a Rússia por ter invadido a Ucrânia. Nós não lemos os acontecimentos dessa maneira. Mais uma vez, baseando-nos no « Direito Internacional » e não nas «regras» ocidentais, salientamos que as decisões dos Anglo-Saxónicos e da União Europeia violam a Carta das Nações Unidas. Não se trata de « sanções » uma vez que não houve julgamento, mas de armas de teor económico para fazer a guerra contra a Rússia, tal como no passado se sitiava castelos para matar à fome os que aí se tinham refugiado.

Cada diferença na interpretação dos acontecimentos provoca outra a propósito. Por exemplo, como tínhamos salientado que as pseudo-sanções ocidentais não tinham sido avalizadas pelo Conselho de Segurança, respondem-nos que isso é natural, uma vez que a Rússia dispõe de direito de veto no Conselho. O que é fingir esquecer por que é que a ONU foi organizada dessa maneira. O seu objectivo não é o de expressar o Bem, mas, sim evitar guerras. Foi precisamente o que permitiu ao Conselho adoptar a Resolução 2202 para resolver a guerra civil na Ucrânia. Ora, os Ocidentais, apesar do compromisso da Alemanha e da França (Acordos de Minsk-ndT), não a aplicaram, forçando a Rússia a intervir.

Poderíamos continuar esta dupla leitura até ao infinito. O importante é reter que a apresentação dos factos muda radicalmente a maneira como os entendemos. Para finalizar, convido-vos a fundar agências de notícias que descrevam os factos à sua maneira e não mais à dos nossos dirigentes. É desta forma e não glosando informações tendenciosas que recuperaremos a nossa lucidez.

Fonte aqui


[1] « Résolution 110 (II) de l’Assemblée générale des Nations Unies », Réseau Voltaire, 3 novembre 1947.

[2] « Résolution 381 (V) de l’Assemblée générale des Nations Unies », Réseau Voltaire, 17 novembre 1950.

[3] « Résolution 819 (IX) de l’Assemblée générale des Nations Unies », Réseau Voltaire, 14 décembre 1954.

[4] “O Ocidente renuncia à liberdade de expressão”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 10 de Novembro de 2022.

[5] «La OTAN prepara la creación de un “Ministerio de la Verdad”», Voltaire, Actualidad Internacional – N°16 – 25 de noviembre de 2022

[6] Britain’s secret propaganda war, Paul Lashmar e James Oliver, Sutton Publishing, 1998. documentos sobre as origem do IRD foram desclassificados : IRD. Origins and Establishment of the Foreign Office Information Research Department, 1946-48, Historians IRD, History Notes #9, August 1995.

[7] “A invenção do mito da «revolução síria» pelo Reino Unido”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 25 de Fevereiro de 2020.

[8Voltaire, actualité internationale é um boletim semanal publicado em seis línguas : alemão, inglês, espanhol, francês, italiano e neerlandês.

[9] “Quem são os nacionalistas integralistas ucranianos ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Novembro de 2022.


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7 pensamentos sobre “Só a pluralidade de informação pode prevenir a guerra

  1. O fim da energia não se deve apenas a cortes de energia, mas também e acima de tudo a um período de escuridão.

    Todos os pilares da sociedade estão em colapso, seja a justiça, jornalismo , hospitais, a nossa indústria, a segurança dos Portugueses, etc…

    Os nossos líderes tornaram-se os nossos piores inimigos!

    Os homens de cultura já não têm lugar neste caper dos meios de comunicação ………..
    A mediocridade tem prevalecido sobre a inteligência, a reflexão e a crítica ……

    Obviamente o assunto é relevante para os tempos actuais e questiona todos sobre a crise política e a desconfiança, para não dizer o abandono dos cidadãos pela política… Vemos como a história oscila entre os partidos e a governação oligárquica…

    As politicas sobre o totalitarismo são hoje completamente verdadeiras.
    Nunca pensei que a liberdade fosse tão frágil.

    Os oligarcas detém o poder dos media, realçaram a corrupção até à mais alta cimeira estatal, realçaram as disfunções dos hospitais, escolas, desemprego crescente, a perda de indústrias, uma força policial que mais parece uma milícia, campos com arame farpado para migrantes que não conseguem sair a não ser dentro do campo, mais tentativas de fuga, como para estudantes universitários, pensionistas que acabam mal e que no entanto trabalharam toda a vida..

    O primeiro objectivo de um político nada mais é do que a conquista do poder, por isso para eles a teoria da verdade é diferente da do ouvinte, uma vez eleito, se estes argumentos se revelarem inexactos, não é uma mentira mas sim a conjuntura dos acontecimentos, cabe ao eleitor fazer a diferença. O apriori da mentira é uma verdade política, há a questão!

    TUDO ESTÁ RESUMIDO NESTA FRASE.
    “O pensamento da classe dominante é também o pensamento dominante de todas as épocas, por outras palavras, a classe que é o poder material dominante da sociedade é também o poder espiritual dominante”.

    É quando compreendemos que se o Iraque tivesse realmente armas nucleares, os Estados Unidos nunca se teriam atrevido a combatê-las, a prova com a Coreia do Norte….., precisavam de um pretexto para entrar no Iraque e levar o que precisavam para realmente roubar o que precisavam porque agora já não podemos dizer que vamos declarar guerra contra aquele país, dizemos que é um país problemático e vamos como salvadores.

    Arthur Ponsonby (Falsidade em Tempo de Guerra) em 1928 (!)

    “Temos de fazer crer que :
    1 o nosso lado não quer a guerra
    2 o adversário é responsável por ela
    3 ele é moralmente repreensível
    4 a guerra tem objectivos nobres
    5 o inimigo comete atrocidades deliberadas (não nós)
    6 eles sofrem muito mais baixas do que nós
    7 Deus está connosco
    8 o mundo da arte e da cultura aprova a nossa luta
    9 o inimigo utiliza armas ilegais (não nós)
    10 aqueles que duvidam dos primeiros nove pontos ou são traidores ou vítimas das mentiras do inimigo (porque o inimigo, ao contrário de nós que informamos, faz propaganda)”.

    Actualizado por Anne Morelli em ‘Princípios Elementares de Propaganda de Guerra’.

    O capitalismo financeiro criam um conjunto de restrições muito factuais através de leis, lobbies, meios de comunicação de massas, capitalismo bolsista. De facto, a liberdade de desejar é estruturalmente limitada por leis, um tipo de economia, um ambiente mediático. Acho sempre interessante distinguir entre aquilo por que somos agidos como indivíduos (as causas internas) e aquilo que o ambiente, a sociedade nos incita, nos obriga a tomar uma posição (as causas externas de dominação ou influências às quais respondemos).
    Em todos os casos devemos tentar mostrar discernimento, compreensão. “Nem rir, nem chorar, nem odiar, mas compreender” para resumir um pensamento de Spinoza.

    Sim, agradeço pela escolha dos seus temas .
    E dar-nos os meios, ainda que ilusórios, para sair do nosso condicionamento psíquico individual e social
    A manipulação em massa parece-me ter ido longe!
    Será razoável prever um governo esclarecido?

    . A emoção das massas perante a razão, aterroriza-me + nenhum espírito crítico antes de tomar posições. No entanto, os manipuladores nem sequer se escondem. E pensar que as pessoas pensam que são livres, quando na realidade são escravizadas.

    O que é manipulado nas sociedades capitalistas (liberais) é a fantasia, ou seja, o sentido em que o desejo é suposto encontrar o prazer. O desejo pode ser orientado e a alavanca desta orientação é a fantasia.
    O discurso capitalista é portanto um discurso de fantasia, ao contrário do discurso do mestre (para utilizar conceitos lacanianos de discurso) utilizado pelas religiões em particular..

    Fez-me pensar nesta citação de Aldous Huxley
    “A ditadura perfeita seria uma ditadura com a aparência de democracia, uma prisão sem muros da qual os prisioneiros não pensariam em fugir. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e entretenimento, os escravos teriam o amor da sua servidão”…

    Nunca existiu uma democracia sem escravos. A única questão é quem serão os escravos: o facto de podermos eleger livremente os senhores não elimina nem os senhores nem os escravos.

    E esta é exactamente a sociedade em que vivemos. Portanto, se não podemos mudar a sociedade, temos de começar por mudar a nós próprios.

    Manipular as pessoas, a sua forma de pensar ou o seu comportamento ou a sua forma de consumir é certamente um truque de inteligência e controlo psicológico; no entanto, a demagogia é um grau superior, que ainda é muito mais superior à manipulação; mas ambos fazem um trabalho laborioso e comedido ..

    O que mais me entristece é ver que no Ocidente, as populações, em princípio intelectualmente bastante evoluídas, cedem, na sua maioria, mais facilmente à propaganda. No entanto, a (intervenção no Iraque, Síria e, acrescentaria, Líbia), a mentira era grande, visível como o nariz no rosto. Alguns de nós, no Ocidente e noutros lugares, opusemo-nos a estas intervenções, mesmo antes de elas terem tido lugar. Porque é que a maioria não foi contra?

    Como peixe num mar bravo, não temos ideia das forças que nos empurram numa direcção ou noutra, ou o que gera as contracorrentes que temos de enfrentar.
    Um dia, se tivermos sorte, apercebemo-nos de que passámos as nossas vidas num mundo de falsidades e ilusões em que as pessoas têm desempenhado um papel sem sequer saberem que estavam a actuar.
    Se nos sentimos tão perdidos, pode ser porque não evoluímos para viver no mundo que fizemos.

    Certos valores desapareceram dos valores essenciais para a sobrevivência da natureza da humanidade.
    Esta indiferença pelo sofrimento dos outros, aceitando o impensável.

    Se me afastar dos princípios da manipulação, só pode ser exercida sobre mentes que consintam em ser manipuladas pelo interesse que nela podem encontrar. E as técnicas de manipulação são, em grande medida, construídas sobre mentiras. A mecânica da manipulação só pode, portanto, funcionar sobre aqueles que gostam de obter um ganho sem se preocuparem com os meios utilizados. Quer este ganho seja emocional, material ou qualquer outro aspecto que possa contribuir para o prazer.

    Enquanto o valor de um ser humano estiver limitado ao seu estatuto social, a arte da manipulação apenas aumentará e o ser humano será apenas uma vítima fantoche do que ele acredita serem os seus desejos!

  2. A propósito de manipulação: hoje, 8-12-22, no Telejornal da RTP-1, ao minuto 20:55, disse a pivot Ana Lourenço o seguinte:

    “Bombardeamentos russos contra um mercado em Donetsk, na Ucrânia, mataram dez pessoas. Dezenas ficaram feridas.”

    Qual é o problema, perguntarão os “distraídos”? O problema é que a cidade de Donetsk tem sido bombardeada quase diariamente, é verdade, mas pelos ucranianos e não pelos russos, como pivotou a pivot. E tem sido bombardeada não hoje, nem sequer desde 24 de Fevereiro, mas desde 2014. Há oito longos anos que, entre muitas outras, a cidade de Donetsk, desde 2014 nas mãos dos ucranianos pró-russos, é bombardeada por outros ucranianos, pelo exército ucraniano, pelos nazis ucranianos, sem que isso perturbe durante um microssegundo que seja a digestão dos indignadíssimos borregos que há nove meses despertaram, subitamente, do seu abençoado sono de beleza. Bem pesado era, o dito sono, e bem reidratadas devem ter ficado as ressequidas peles.

    O modo como a RTP noticia a coisa é chocante, mas, infelizmente, é rotineiro. Porque quem diz RTP diz SIC ou TVI, já que todas estas capelinhas usam o mesmo método. Um bombardeamento russo matou realmente hoje dez civis, mas não em Donetsk cidade (que é o que subliminarmente a notícia pretende transmitir) e sim numa povoação da província (oblast) de Donetsk chamada Kurakhovo. O que é que esta subtileza de elefante consegue? Elementar, meus caros Watsons: consegue, por exemplo, que bombardeamentos ucranianos efectuados anteontem à Donetsk cidade, que mataram seis civis e feriram muitos mais, sejam assimilados pelos incautos, après la lettre, como mais uma sacanice russa e não, como na verdade foi, ucraniana. E temos assim não um empate de massacres, um dos russos e outro dos ucranianos, mas dois a zero a favor dos demónios da Moscóvia. Este truque da confusão deliberada entre Donetsk cidade e Donetsk província, aliás, não começou ontem com a Ana Lourenço, vem de há muitos meses e tem permitido ao mainstream merdia reciclar todas as sacanices ucranianas sobre Donetsk em sacanices russas e todos os civis pró-russos mortos quase diariamente pela tropa ucraniana em pobres civis ucranianos genocidados pelas hordas moscovitas.

    Não me parece, porém, que o QI de amiba dos pés de microfone da RTP, SIC ou TVI lhes dê imaginação suficiente para engenhariar subliminaridades simultaneamente tão eficazes quanto uniformes. Tudo indica que nada é deixado ao acaso, que todos bebem nas mesmas fontes, na mesma matriz (ou meretriz). Tudo aponta para uma centralização, uma coordenação que evite ao máximo contradições, que centralize e uniformize o que pode e deve ser despejado pela goela abaixo dos borregos, tudo indicia “empresas” especializadas nestes magníficos efeitos especiais, que entregam a papinha toda feita à obsequiosa criadagem.

    Tal convicção é reforçada quando, no mesmo Telejornal, logo a seguir à Ana Lourenço, se vê e ouve o comediante Herr Zelensky von Pandora Papers und Vogue perorar assim: “Hoje, o exército russo atacou Zurakhovo de forma muito brutal, totalmente calculada. Precisamente contra pessoas pacíficas, pessoas vulgares. NO MERCADO, na bomba de gasolina, NA ESTAÇÃO DE AUTOCARROS, NUM PRÉDIO DE HABITAÇÃO. Até agora, temos dez mortos e muitos feridos.” Coincidência dos diabos, ou subtileza de elefante: os bombardeamentos ucranianos de anteontem à cidade de Donetsk, que mataram seis pró-russos e feriram muitos mais, tiveram como alvos precisamente UM MERCADO, UMA ESTAÇÃO DE AUTOCARROS E VÁRIOS PRÉDIOS DE HABITAÇÃO. Como bónus, atingiram ainda um centro de negócios, um complexo desportivo, uma catedral, o gabinete do procurador, centros comerciais e a Donbass Arena. Insisto: os distraídos que, depois de ouvir a Ana Lourenço, ouçam falar nos bombardeamentos de anteontem em Donetsk, da responsabilidade dos ucranianos, atribuem imediatamente a autoria aos russos, e é essa a finalidade cirúrgica da aparente “imprecisão” jornalística.

    Pois é, continua a haver muitas maneiras de esfolar um gato.

    Aqui:
    https://swentr.site/russia/567758-donetsk-center-kiev-shelling/
    e aqui:
    https://swentr.site/russia/567787-donetsk-politician-killed-shelling/

    Slava borreguini! Mééééé!

    • Muito bem analisado. Fazem isso também em relação a Zaporojie (ainda Ucraniana, mas escrevo o nome da forma Russa) e Energodar (sob controlo Russo quase desde o início da intervenção militar).

      A central nuclear é do oblast de Zaporojie, mas fica em Energodar.
      Ora os vigaristas dizem quase de seguida as expressões:
      “central nuclear de Zaporíjia”
      “bombardeamento Russo em Zaporíjia”
      – e quando se houve falar em bombardeamentos contra a central nuclear, feitos pelos Nazis com armas de NATO, os distraídos fazem imediatamente a ligação… foram bombardeamentos russos.

      Nem lhe interessa para nada que a Rússia esteja em Energizar, com anti-aérias para proteger a central e quem nela trabalha.
      Alguns, “jornalistas” incluídos chegam a dizer no mesmo minuto que “a Rússia ocupa a central” e “a Rússia bombardeia a central”.
      Coitados dos Russos, que se bombardeiam a si próprios… E a carneirada, ou melhor, esta multidão de burros, come a palha toda e ainda abana a cauda…

      Por isto e por muitas outras coisas, adorei a tua expressão (porque diz uma verdade e é marota aí mesmo tempo) e espero lembrar-me dela para a usar daqui para a frente:
      mainstream merdia

      Os mainstream são realmente um serviço de merdia. Foi em merdia que está gente se formou, e é na merdia que estão todos os dias, e em todos os formatos de merdia: merdia televisiva, merdia escrita, e merdia online. E começa logo nos merdia das agências de notícias, AFP, AP, Reuters ou Lusa.
      Seja RTP, SIC, TVI ou CMTV, Euronews, BBC, CNN ou FoxNews, NYTimes, Expresso, Público ou Político, etc, são todos uns grandessíssimos órgãos de mainstream merdia.

      Heheheheh

      (obrigado Joaquim Camacho por me deixares mais bem disposto, e espero que que a EstatuaDeSal não leve a mal)

      • Tens razão em relação à vigarice de Zaporíjia, Carlos Marques. Aliás, há dias até tínhamos falado aqui disso, num post do major-general Raul Cunha. O que me impressiona mais é a falta de respeito que os tarefeiros mer****ticos revelam por si próprios. Como é que esta gente consegue olhar para o espelho sem vomitar?

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