Ciúmes

(Por Estátua de Sal, 10/01/2018)

ciumes na presidencia

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Se pensavam que as afirmações mais polémicas e  virais dos últimos dias terão sido proferidas pelo Trump, pelo Bolsonaro ou por outro qualquer lunático no poder, desenganem-se. Vieram de um escritor francês que ousou dizer-se incapaz de gostar das  mulheres de cinquenta anos, preferindo as mais novas (ver entrevista aqui).

Não sendo tal opinião inédita ao longo da História, nem sequer inédita ao nível da literatura, não percebi muito bem qual a razão para tanta polémica. Afinal, eu até tinha um amigo – psiquiatra de profissão, já falecido -, que dizia, meio jocoso, meio cínico, que depois dos dezasseis anos as mulheres são todas velhas, e tentava fundamentar a blague, para espanto dos auditores, com uma lista de dados fisiológicos que debitava do alto da sua autoridade médica. Para já não falar da atracção que muitos sentem pelas muito jovenstendência retratada por Vladmir Nabokov no polémico romance, Lolita, envolto durante muitos anos numa névoa de escândalo e por isso censurado.

Mas, que relação haverá entre o desassombrado escritor e o Professor Marcelo, além do facto de Marcelo ter também, nos últimos dias, sido o centro de uma polémica aguda, depois de ter entrado em directo, via telefone, no novo programa de Cristina Ferreira na SIC?

É que, Marcelo trocou a Tia Judite já cinquentona  – mas com quem mantinha uma evidente cumplicidade, criada ao longo de anos de convívio dominical no seu espaço de comentário na TVI -, pela Cristina Ferreira, agora na SIC, muito mais viçosa e apelativa.

A Tia Judite deve estar mesmo despeitada, ciúme à flor da pele, e o despeito e o ciúme são coisa grave nos humanos, e nas mulheres, talvez ainda, coisa mais séria.

Escusam, pois, de tentar encontrar fundamentos políticos, enredos maquiavélicos, amizades reatadas com o Dr. Balsemão, ou outras quaisquer motivações arrevesadas para explicar o telefonema de Marcelo à Cristina.

A explicação é mais prosaica. Contrariamente ao Macron – que se baba pelas cinquentonas -, o Marcelo é da escola do Yann Moix, o tal escritor francês e são as mais novas que o desinquietam.

Isto é, a Judite já está entradota, demasiado pintalgada, a tentar esconder que está a perder o viço, enquanto a Cristina está esplendorosa e criativa propondo-se aumentar com denodo a sua conta bancária e de passagem a do Dr. Balsemão.  É a vida.

Como branquear um nazi na TV(I)

(Fernanda Câncio, in Diário de Notícias, 05/01/2019)

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Quinta-feira foi um grande dia para Mário Machado. Esteve em dois programas da TVI, um de entretenimento – o de Manuel Luís Goucha – e outro de alegada informação (SOS24), e correu-lhe muito bem. Na página de Facebook do seu movimento, escrevia-se:“Objectivo n.º 1 – Atingido! “Chegar às pessoas!'”.

Porque, como deveria ser óbvio, o simples facto de convidar um nazi condenado a uma infinidade de anos de prisão – em 2012, as penas consecutivas somavam mais de 19, que resultaram num cúmulo jurídico de dez -, na sua maioria por crimes violentos, para o sofá de um programa de entretenimento, entre uma rubrica que ensina a fazer pastéis e outra em que se impinge vendas aos idosos, é uma forma de o embalar como pessoa “normal”, aceitável, até “simpática”. Machado sabe isso, claro. Dá para acreditar que Goucha e a TVI não saibam?

Aliás, como ninguém convida um nazi criminoso para um programa destes para dizer: “Caros telespectadores, aqui temos este grandessíssimo nazi criminoso para ficarem cheios de nojo dele e de nós por o termos trazido”, Machado foi apresentado, no programa como no Facebook de Goucha – que depois apagou o post, supõe-se que pela enxurrada de críticas (a liberdade de expressão é muito boa, mas) -, como um mero “autor de declarações polémicas.” Transformando um criminoso que professa uma ideologia violenta numa pessoa “controversa”, que pode e deve, como aliás defende Goucha, ser “contraditada com argumentos”: “Ele tem os dele e nós temos os nossos.”

Por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, Goucha caiu na armadilha de achar que poderia fazer um brilharete “desmontando” Machado sem sequer saber quem tinha na frente.

 

Essa é a armadilha em que o apresentador, por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, caiu: a de achar que poderia fazer um brilharete “desmontando” Machado sem sequer saber quem tem na frente, e portanto induzindo os seus espectadores no mesmo erro. É certo que o convidado foi questionado sobre os seus crimes. Mas quem o fez, apresentando-se como “repórter”, limitou-se a ouvi-lo afirmar que tinha sido preso preventivamente – e injustamente – em 1995 por suspeitas de envolvimento na morte do português negro Alcindo Monteiro, assassinado à pancada por um grupo de skinheads no 10 de Junho desse ano, e que fora solto em 1997 por ser “absolvido”. Deixou-o queixar-se: “É um fardo que carrego, pesadíssimo para mim e a minha família.”

Pobre Mário Machado. De facto não foi condenado por essa morte; foi condenado em 1997, pelo Supremo – no mesmo processo em que outros membros do grupo foram condenados pelo homicídio qualificado de Alcindo -, a dois anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, por fazer parte desse gangue que foi ao centro de Lisboa com o objetivo de agredir negros e pela autoria material de cinco dessas agressões, duas delas resultando em traumatismos cranianos. Estaria a espancar outros negros quando os amigos mataram Alcindo.

“Denota completa ausência de arrependimento”, escreveu o tribunal em 1997. 23 anos depois, Machado apresenta-se como vítima da justiça e repete as mentiras de 1995: que se tratou de “um confronto entre nacionalistas e africanos”, quando se provou que foram, armados de soqueiras, tacos e botas de ponta de aço, à caça de negros para agredir.

 

“Denota completa ausência de arrependimento”, lê-se no acórdãoAusência de arrependimento evidente 23 anos depois ao apresentar-se como vítima do “falhanço da nossa justiça” e repetir a mentira que o grupo apresentou desde o primeiro momento: que se tratou de “um confronto entre nacionalistas e africanos no Bairro Alto”, quando, deu-se como provado, Machado e amigos iam armados com soqueiras, tacos e botas de ponta de aço à caça de negros para agredir, querendo “com essa atuação, integrada nos objetivos do grupo de skins, contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial.”

Nada disso Goucha ou o seu “repórter” souberam ou quiseram evidenciar. Como os escritos racistas e nazis muito mais recentes de Machado, as fotos a fazer a saudação nazi, as tatuagens nazis, a informação sobre as suas condenações, a última das quais, a sete anos e dois meses por roubo, sequestro, coação e posse ilegal de arma, é de 2010 – esteve preso até 2017, quando saiu em condicional. É de resto tal a profusão e a gravidade das condenações que talvez nem o próprio se lembre de todas, quanto mais Goucha. Daí que tenha podido dar-se ao desplante de se dizer “a primeira pessoa em Portugal a ser presa dois anos e nove meses por um texto escrito na internet”, coisa que, comentou, “no tempo de Salazar não aconteceu a ninguém” – referindo-se à condenação, em 2016, por uma carta escrita em 2014 a partir da prisão, na qual afiançava a uma mulher, que acusava de o ter “tramado”, que se não lhe pagasse 30 mil euros iria ser morta “à frente dos teus filhos”, e “encomendava” agressões a outras pessoas.

Após tal performance no programa de Goucha, Machado seguiu para o inominável SOS24 , onde debitou a sua cartilha racista e odienta, falando de “africanos”, “portugueses brancos” e “da nossa cultura” (para quem precise de um desenho: portugueses são brancos, os não brancos não são portugueses) e afirmando que “hoje em dia o racismo vem sobretudo dos negros contra os próprios brancos, (…) desses grupos de marginais que espalham o terror nas nossas cidades, que perseguem os nossos miúdos nas escolas, que violam as raparigas sempre que têm uma oportunidade, porque o fazem movidos por ódio racial”. Também aí, ninguém lhe pediu que apresentasse provas do que disse, ninguém o contraditou com o mínimo de eficácia.

A TVI quis dar “respeitabilidade” e “seriedade” a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de “liberdade de expressão”. Parabéns a todos.

 

Não sei se Machado e a TVI violaram alguma lei; não sei se faz sentido “resolver” isto com queixas à ERC, alimentando a sua estratégia de vitimização. Não se trata, para mim, de o impedir de ser o nazi e o racista repelente que é e de defender essas “ideias” – direito que lhe reconheço, desde que sem apelar à violência (se bem que ser nazi sem apelar à violência seja difícil); sequer de querer impedir alguém de o entrevistar. Trata-se de tornar claro o que a TVI fez: branqueou uma carreira de duas décadas de crime (no programa de Goucha) para a seguir dar tempo de antena, no SOS24, ao discurso de ódio que enforma essas duas décadas de crimes. Quis dar “respeitabilidade” e “seriedade” a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de “liberdade de expressão”. Parabéns a todos.

TVI – 25.º aniversário

(Carlos Esperança, 21/02/2018)

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Foi já no estertor do cavaquismo (julgávamos nós, a memória foi curta), mas no auge da prepotência, que foi atribuído à Igreja católica o segundo canal privado, sem um projeto coerente, sem um caderno de encargos credível, sem viabilidade, mas a render homilias favoráveis ao PSD nas missas dominicais, contra um projeto mais elaborado e credível, em pia arbitrariedade governamental.

Do início nebuloso, que celebrizou o mais indigente dos programas, “A amiga Olga”, já não há memória. Durou a telemadrassa enquanto os crentes não se cansaram de acorrer aos aumentos de capital, desistindo das “boas ações” e do Paraíso, mais pela despesa do que por ausência de fé.

Do aborto informativo gerado no ventre do patriarcado de Lisboa, arrancado a ferros e com ventosa, pelo PM, diria mais tarde o pioneiro da crítica televisiva e seu excecional expoente, Mário Castrim, «nasceu na sacristia e desaguou na sarjeta».

À míngua de óbolos e orações, a TVI (‘I’ de Independente e de Igreja) mirrou e emigrou para o capital laico, onde a programação deixou de ser anunciada em missas dominicais, enquanto o Patriarcado garantiu missas, tempos de antena e mensagens cardinalícias no canal público, em flagrante atropelo à laicidade do Estado.

Deste projeto megalómano da Igreja católica e da cedência vergonhosa do Estado não se fala no 25.º aniversário em que muitos recordarão mais os programas escabrosos do que os negócios e as lutas políticas travadas no seu seio.
Para memória futura, ficam estes apontamentos que os cúmplices gostariam de ocultar e certamente empalideceriam os festejos de aniversário. Tudo se esquece e perdoa, longe do escrutínio de uma opinião pública esclarecida e participativa.

Ontem foi dia de festa na TVI, mas o passado ficou envolto nas brumas da memória.