E grávida, não tem férias?

(Joaquim Vassalo Abreu, 22/06/2019)

Os Médicos sim!

Assim deveria acabar a frase que dá título ao texto, muito embora eu até pense que, pensando bem, todo o casal que premedita um filho deveria fazê-lo contando com isso mesmo: o problema das férias da maioria do pessoal do SNS nos meses do Verão, principalmente o Médico!

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Isto é: fazer um filho nos meses de outono só mesmo por acaso dos acasos, porque o calor aqui não ajuda ou por esquecimento da pílula ou do Diu! É que isto mesmo aconteceu com uma sobrinha minha e até chamamos ao seu filho o ” filho do Diu”!

Porque convenhamos: sabendo todos que a Justiça não funciona nos meses de Verão, pois são meses em que todo o organismo está de férias e assim os tribunais trabalham a meio gás, é óbvio que ninguém se lembrará de praticar um crime nessa altura só para “lixar” o descanso do Juíz de turno e ficar ali em banho maria na “prisa” ou na “Judite”…Certo?

Assim como qualquer crime fiscal transita, qualquer multa fica por pagar, qualquer atraso à Segurança Social é para deferir e qualquer imposto por pagar é para esperar, porque todo o pessoal ainda tem direito a “estivar”, também a Grávida tem “direito” a esperar…não vá o seu direito colidir com o de “estivar” dos Médicos…

Assim sendo cabe nos espíritos mais informados o dever da precaução e não fazerem filhos que nasçam no Verão! É que, se assim for, verão como estes argumentos que hoje vi plasmados na televisão, descritos por jornalistas e profissionais de ocasião, não mais ocorrerão!

E eles que dizem (como se diz lá por cima)? Que é tudo falta de pessoal! O Pessoal é que assim diz sugerindo que a solução é, para combater o problema das férias, contratar mais pessoal. Médico e de Enfermagem, diz o Pessoal. E eu, boquiaberto e atarantado pergunto: mas como se eles estão de férias?

Tudo isto eu fiquei a saber porque, contra o que é meu costume e por isso até sou criticado, resolvi ver hoje um Telejornal. Isto é, andei de canal em canal porque no 1° quando está o “orelhas” mudo por uma questão higiénica e no 4° quando está a Judite por uma questão fonética! No 3° depende …

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Mas que vi eu e que tanto me prendeu a atenção a ponto de mudar a ver se a notícia seria diferente ou, no mínimo, apresentada de maneira diferente? Ora, o que já vos disse: a redução dos períodos de atendimento a grávidas nos principais Hospitais, creio que de Lisboa pois parece que só os Lisboetas têm essa estranha mania de ir de férias.

É claro que depois lá vêm as triviais críticas da Direita: a redução do investimento público (bandeira da esquerda); a carga de impostos nunca vista (bandeira da esquerda); a degradação dos serviços públicos (bandeira de Esquerda ainda) e a necessidade de ser o privado a resolver o problema! Aqui a bandeira, claro que impossível, é mesmo da Direita!

Mas aqui resulta claro, embora a Direita não o diga, que para que tal seu desiderato fosse exequível, seria preciso que os Médicos nesse período estivessem de férias para o Público mas não para o Privado! Isto é: se estivessem no estrangeiro onde poderiam estar para…E em Portugal se nem para o Algarve poderiam ir?

Bom isto é tudo tão inverosímil e patético que eu me pergunto: para quê perder o meu rico tempo vendo estas e outras coisas, se elas insistem em ser um permanente atentado à minha inteligência e uma continua violência sobre a minha boa vontade e bonomia até?

De modo que, em modos de resumo, só posso aconselhar: “coisem” no Verão até à exaustão e façam filhos no Inverno para que não nasçam no Verão!!!

As escolhas: o que interessa e o que apenas entretém

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 21/04/2018)

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1 Portugal é um país assaz curioso: dentro da sua pequenez geográfica, o grande fascínio que tem é a sua diversidade — paisagística, cultural, arquitectónica, culinária. É tudo menos um país monótono. Mas, simultaneamente, do ponto de vista político, essa pequena dimensão geográfica, aliada a uma antiquíssima unidade e identidade nacionais e à sua localização na periferia de todos os conflitos contemporâneos que dilaceram a Europa e o mundo, mais os nossos tradicionais brandos, e agora liberais, costumes, deveria fazer deste país uma espécie de modelo perfeito de boa e fácil governança. Por que razão tal não sucede, então — pelo menos a fazer fé nas conversas com que os portugueses se entretêm nas tertúlias de café ou nos fóruns das rádios, onde se aliviam sem tréguas do seu inesgotável ódio e desprezo pela gestão política do país, venham os governos que vierem? Bem, há sempre aquela explicação, meio lenda meio verdade, do general romano que escrevia a César explicando que o problema era do povo que aqui vivia, os lusitanos, que nem se governavam nem se deixavam governar. Deixo a explicação profunda para os politólogos, que estudaram para isso, mas confesso que às vezes fico a pensar se o conceito de política que os portugueses gostam de discutir é realmente a política que interessa discutir. A política, simplesmente. E não a politiquice. Um bom exemplo é o charivari feito a propósito dos dois acordos estabelecidos esta semana entre o Governo PS e o PSD.

O que acordaram Costa e Rio de tão determinante e grave que levou a oposição interna a Rio a acusá-lo de posicionar publicamente o PSD como “muleta do PS”, os parceiros de extrema-esquerda do Governo a entrar em histeria de cônjuge enganado e os especialistas da politiquice a cheirarem sinais iniludíveis de regresso ao “bloco central”? Bom, primeiro acordaram numa posição conjunta em Bruxelas que permite defender a manutenção do valor do cheque de fundos estruturais a favor de Portugal no programa 20/30, já sem a contribuição inglesa, após o ‘Brexit’. É caso para perguntar a quem é que isto incomoda? Há por aí alguém, algum partido, que defenda o contrário, menos dinheiro de Bruxelas? A seguir, os dois conjurados defenderam aquilo a que pomposamente chamaram “pacote da descentralização”, que mais não é do que um tímido acréscimo de competências para as autarquias locais, acompanhado do respectivo envelope financeiro. Aqui entre nós, um simulacro de descentralização, que nada de substancial muda e a ninguém incomoda — a começar pelo PCP, o outro partido autárquico. Descentralizar é coisa absolutamente diferente e estamos longe, muito longe de ouvir o primeiro partido atrever-se a defendê-la, além dos discursos vácuos. E há duas formas de a fazer. Uma é a forma falsa, demagógica e ruinosa, que consiste em recuperar o já derrotado processo de regionalização. Dividiria o país em coutadas políticas, ao serviço dos partidos e seus caciques locais, instalaria um clima de guerra civil, financeira e política, permanente, e levaria Portugal à bancarrota num instante. A outra seria a fórmula séria, a única que verdadeiramente promoveria a descentralização e combateria aquele que é um dos principais problemas que enfrentamos, que é o despovoamento e envelhecimento galopante do interior. Consistiria em deslocar para fora dos grandes centros urbanos empresas públicas de vocação industrial e serviços públicos de apoio à indústria, à agricultura e infraestruturas, deslocar universidades e centros de investigação, em lugar de alterar excepcionalmente o PDM de Lisboa para os colocar à beira-Tejo, obrigar os museus, teatros e orquestras nacionais a passarem metade da temporada em digressão pelo interior, promover uma radical reforma fiscal que tributasse a zero por cento de IRC as empresas que se fossem instalar longe dos grandes centros urbanos criando postos de trabalho efectivos e com 50% de desconto o IRS dos trabalhadores, que criasse uma jurisdição especial para resolução acelerada de conflitos na aérea comercial, empresarial e de trabalho, e, já agora, se faz favor, uma política implacável de protecção ambiental, sem celuloses nem pocilgas nem lagares de azeite a despejarem esgotos sem tratamento para os rios. Enfim, uma descentralização que, preservando a superior qualidade de vida do interior e tirando partido dela, lhe trouxesse o mais precioso dos capitais para o seu desenvolvimento: o capital humano. É a isso que eu chamo política a sério. Mas dá trabalho e exige reflexão e coragem. Não vai a tempo das eleições de 2019.

2 Deixemos então de lado as escolhas que apenas entretêm e que tanto ocuparam os partidos, o Parlamento e os especialistas nestes assuntos esta semana, e vamos àquelas, que, de facto, interessam. A mais importante de todas foi levantada por Mário Centeno a propósito do Programa de Estabilidade para os quatro próximos anos e já aqui escrevi brevemente sobre isso há oito dias.

A questão pode resumir-se, como Centeno fez. E de forma simples e linear, o que só torna a escolha mais fácil: o que fazer com os 800 milhões de euros de saldo que vamos herdar da execução orçamental: aproveitá-los para diminuir a dívida ou gastá-los? Num cenário perfeito, a resposta seria simples: vamos gastá-los e renegociar a dívida, cortando parte do capital ou dos juros. Não digo que não fosse justo, pelo menos em parte e atendendo à composição da dívida, mas o certo é que não está nas nossas mãos consegui-lo e o contexto político europeu está longe de se mostrar propício a tal. Mais vale portanto tratar do assunto sem esperar a generosidade alheia.

O que fazer com os 800 milhões euros de saldo que vamos herdar da execução orçamental: aproveitá-los para diminuir a dívida ou gastá-los?

Na tese dos que defendem que o dinheiro sobrante é para ser gasto, coexistem dois argumentos, um formal e outro substancial. O argumento formal é que o défice previsto para este era de 1,1% e não de 0,7, como agora se prevê — a tal diferença de 800 milhões de euros, já incluindo nova injecção para prejuízos desse ruinoso brinquedo que é o Novo Banco. Logo, cumpra-se o Orçamento. A tese substancial é que não é socialmente aceitável continuar uma política de contenção de despesas além do acordado, quando falta dinheiro para serviços públicos essenciais, designadamente na saúde e na educação. Isto é o que diz o BE, porque o PCP vai mais longe e quer dinheiro para tudo o resto, na sua tradição de que não há limite para a despesa pública e que se os governos não aumentam salários, pensões, subsídios e tudo o resto, é só porque não querem.

A tese oposta, aparentemente partilhada sem estados de alma por António Costa e todo o Governo, é que não sobra dinheiro algum: há sim 800 milhões de euros de dívida a menos para pagar, mais os respectivos juros. E que, se não aproveitarmos esta conjuntura excepcional de crescimento económico, aqui e na Europa, e de juros baixos (a qual em breve se espera que começa a mudar), teremos perdido uma oportunidade, que tão cedo pode não se repetir, de trazer o monstro da dívida pública para patamares que não nos sufoquem a todos. E que nos coloquem em situação de nos deixar mais bem preparados para enfrentar uma crise como a de 2008, que nos obrigou a pedir ajuda externa quando os juros da dívida chegaram aos 10% nos mercados.

A escolha é esta. Há pormenores mal explicados em cada uma das posições: custa-me a perceber, por exemplo, como é que com cada vez menos crianças e menos escolas e depois do imenso investimento na Parque Escolar, ainda falta tanto dinheiro para a educação; assim como me custa a perceber como é que a banca, mesmo depois da Resolução e alegada privatização do BES, continua a ser um saco de dinheiro roubado aos contribuintes cujo fundo ninguém conhece. Mas, independentemente dessas nebulosas, também não consigo entender como é que os partidos que mais gritaram contra os encargos da dívida pública, o BE e o PCP, agora acham que diminuí-la, aproveitando as condições favoráveis, não é uma prioridade da política de finanças públicas. Ou conhecerão uma solução milagrosa?


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia 

CRISTAS E A AUSTERIDADE

(In Blog O Jumento, 06/04/2018)
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Há mais de dois anos que Assunção Cristas insiste que a austeridade não acabou, como se o fato de haver rigor orçamental, austeridade ou o que quer que seja pudesse justificar as canalhices que aprovou enquanto membro de um governo de que insiste ser a derradeira defensora. Esta birrinha idiota está a levá-la de forma sistemática ao desespero, ao ponto de já fazer o papel de imbecil.
Para a líder do CDS qualquer aumento da receita fiscal significa aumento da carga fiscal e isso prova que há agora mais austeridade. É um argumento que está entre o desonesto e o imbecil. Quando o seu governo tentou aumentar a TSU dos trabalhadores, reduzindo a dos patrões, pretendia reduzir os salários de todos os trabalhadores portugueses sem aumentar as receitas do Estado, neste caso da Segurança Social.
Quando decidiu reduzir o rendimento de todos os trabalhadores com um aumento brutal do IRS, através da sobretaxa, para financiar uma redução do IRC, medida com a qual Vítor Gaspar tentou substituir o golpe da TSU, não se pretendia um aumento da receita fiscal.
São dois exemplos de medidas brutais de austeridade que são neutras em relação à evolução das receitas fiscais. Esse fato mostra como a austeridade que deve ser a regra normal de governar, pode ser usada como instrumento político de um governo sem escrúpulos, que a coberto de uma crise nacional tentou promover uma brutal alteração na distribuição de rendimentos em favor dos mais pobres.
A esquerda cometeu o erro de referir-se a esta política como de austeridade, associando-as ao objetivo de redução do défice orçamental. Criou a ideia de que menos défice significa mais austeridade e que os défices são progressistas enquanto o rigor ou austeridade orçamental é um atributo das políticas de direita. Tudo isto é falso.
Na hora de distribuir o que conseguia tirar aos trabalhadores e pensionistas o governo da Assunção não era rigoroso, não foi rigoroso na forma como injetou dinheiro nos bancos, não foi rigoroso na forma como subsidiou os colégios privados, não foi rigoroso na pressa em descer o IRS a qualquer custo. Não admira que o governo da Crista tenha falhado sistematicamente nas previsões orçamentais, essa não era a sua preocupação.
É natural que agora o rigor do Estado tenha impacto nas contas públicas, ao contrário do que sucedeu com o governo da Cristas o aumento das receitas fiscais ou o que se poupa não se destina a financiar colégios privados ou a enriquecer os mais ricos. É também natural que com o crescimento económico e o aumento do consumo aumentem as receitas fiscais.
Há um par de meses a Assunção Cristas defendia que o crescimento se devia às exportações e não ao consumo, apontando isso como um falhanço da política do governo. Agora que o aumento do consumo se traduz num aumento das receitas fiscais, por via dos impostos sobre o consumo, Assunção Cristas em vez de aceitar que se enganou arma-se em burra e acusa o governo de promover mais austeridade.