Velha estirpe

(Baptista Bastos, in Correio da Manhã, 18/05/2016)

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Baptista Bastos

Só um povo como este tem suportado tanta ignomínia com o estoicismo demonstrado.


Marcelo convidou Ramalho Eanes, o primeiro Presidente eleito na liberdade, a estar presente em Castelo Branco, para o facto ser assinalado. Nada mais justo, decente e honrado.

Eanes possui as virtudes republicanas, cada vez mais raras, de recusar a prebenda, as honrarias e a futilidade das homenagens vãs. Acresce a esta integridade de carácter a repulsa pela mentira e o desprezo pelo dúplice.

A fim de não cair no logro das ambiguidades, gravava todas as conversas que mantinha, à época, com o primeiro-ministro, em quem não confiava minimamente. Quando aparece ou fala em público é porque tem algo a dizer que possa servir de pretexto para reflexão. É um senhor à maneira antiga, para o qual o aperto de mão ou a palavra dada correspondem a demonstrações de honra e a compromissos que se não desdizem.

Nesta dimensão e com esta estirpe não há quem se lhe seja igual. E é pena. A nossa República tem sofrido tratos de polé, com insídias, mentiras, abocanhamentos e velhacarias, muitas vezes com a cumplicidade de estipendiados na comunicação social e de agrupamentos sórdidos para os quais a democracia ainda é um transtorno. Adianto: só um povo como este, o nosso, tem suportado tanta ignomínia e tal sofrimento com a dignidade e o estoicismo demonstrados.

Há uma frase, atribuída a Herculano e, por vezes, a Garrett, que abomino pela vacuidade e pela perfídia. Ei-la: “Portugal é um país pequeno; e não maior é quem o habita.” Sei Portugal de cor e salteado, e da história desta gente conheço-lhe o rasto, o rosto e o sonho. Nunca, por nunca ser, me deram razões de desconfiança ou de desprezo.

Pelo contrário: se aqui estou também é por eles e por ser deles. Jamais desistiram de lutar e de procurar ser felizes. Mesmo nas épocas mais ominosas. Ramalho Eanes pertence a essa estirpe que a grosseira inanidade dos tempos condena ao esquecimento. Bem-haja.