Ajustes de contas

(In Blog O Jumento, 18/02/2017)

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Mas não foi isso que Cavaco veio fazer e muito menos dizer; se graças à esquerda perigosa as suas parcas pensões já dão para as despesas, as suas contas vão continuar por saldar, não esclareceu muitas dúvidas que existem em torno de alguns dos seus negócios ou dos seus golpes políticos. O que Cavaco fez foi vir a público para espumar. A raiva acumulada contra Sócrates não foi acalmada pelo Caso Marquês, os ciúmes e relação a Marcelo são insuportáveis ao ponto de não terem aguentado um ano.

Cavaco nunca se seguiu por ideologias, de social-democrata pouco ou nada tem, o PSD serviu-o. Quanto a valores, os seus negócios, os queixumes e outras intervenções descuidadas dizem mais sobre a personagem do que as encenações cuidadosamente preparadas por assessores. Cavaco odeia Sócrates, invejava a dimensão cultural de Soares, sente ciúmes pela popularidade de Marcelo.

O homem que depois de tantas vitórias saiu da Presidência da República sem prestígio não suporta que Marcelo tenha mais popularidade do que alguma vez ele teve. Reedita com Marcelo a ciumeira que tinha da família Soares; o homem que saiu de Boliqueime mas cuja dimensão permanece junto à bomba da gasolina não suporta a classe do citadino Marcelo. A razão aconselhava-o a sofrer em silêncio, em esperar por melhor oportunidade, mas os ciúmes que lhe corroem a alma são mais fortes.

Odeia Sócrates, o ex-primeiro-ministro sempre teve o condão de o irritar e, ainda por cima, nunca perdia a oportunidade de o provocar. Tinha de se vingar de Sócrates, tinha de o apanhar ainda na mó de baixo, nunca lhe perdoou a destruição da sua imagem de austeridade durante a campanha presidencial, sempre pensou que Sócrates esteve por detrás das notícias que o demonstraram. Não poderia esperar mais tempo, tinha que usar o Caso marquês como se fosse o leitor mais inculto do CM.

Não, Cavaco não tem ideologia, nada tem de social-democrata, é ele o seu espelho, é ele e os seus ódios, raivas, ciúmes e vinganças. Cavaco não saldou contas, veio dizer-nos que nunca estaremos enganados a seu respeito, foi o pior Presidente da República, vai ser o pior ex-presidente da República. Cada vez que aparece apenas mostra que as eleições que venceu foram os maiores erros dos eleitores; sim porque como se viu com Trump os eleitores também escolhem o que não desvia ser escolhido.

Cavaco não veio ajustar contas com terceiros, veio ajustar contas com os seus fantasmas.

O LIVRO

(José Gabriel, in Facebook, 16/02/2017)

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O livro de Cavaco Silva, além de não ter qualquer garantia de verdade dos seus conteúdos – dado o autor, muito pelo contrário – é um golpe na fiabilidade da própria instituição presidência da República. A própria proclamação de Cavaco segundo a qual este livro é “uma prestação de contas aos portugueses” é – pela incapacidade do autor admitir o risco de subjectividade, considerando o texto completamente “objectivo” – a primeira e mais óbvia prova do pechisbeque político-literário que nos é oferecido. Mas os efeitos situam-se a outro nível. Quem estará disposto, agora, a ser completamente franco nas conversas reservadas com o presidente? Não que uma tal incomunicação – chamemos-lhe assim – impeça mistificações futuras, já que quem escreve este tipo de memórias mente quando e no que quer – sem ter, sequer, no caso presente, o mérito da qualidade literária. Mas, pelo menos, não será fornecido combustível para putativos incendiários políticos. Dir-se-á que Cavaco não tem credibilidade para provocar grandes prejuízos com as suas inconfidências e a parcialidade da sua narrativa. Mas o mal está feito e haverá sempre quem vá espojar-se neste material.


O sistema semi-presidencialista português tem os seus inegáveis méritos. Mas nem ele resistirá a muitos mais Cavacos e respectivas cavacadas.

E se Cavaco Silva quer mesmo prestar contas ao país, todos temos imensas perguntas a fazer-lhe que nada têm a ver com este desleal e sujo exercício de quadrilhice institucional.

Golpistas, fraudulentos e outros dislates

(António José Teixeira, in Expresso Diário, 19/11/2015)

António José Teixeira

E vão 9 dias. E não sei quantos mais. Contudo, longe ainda dos cinco meses de sacrifício primo-ministerial de há 28 anos… Não é preciso ser de esquerda para perceber a irracionalidade do comportamento de Cavaco Silva. Goste-se, ou não se goste, o Presidente não tem alternativa: indigitar o segundo partido, que já tornou públicos os apoios maioritários. Um governo de gestão não tem suficiente capacidade de decisão. Nem para aprovar um Orçamento. Um outro governo carece de qualquer legitimidade e será derrubado. Uns criativos falam agora de um “governo técnico”. Um disparate. Cavaco Silva sabe tudo isto.

Podemos ter dúvidas sobre a durabilidade e a eficácia de um governo do segundo partido, mas isso não anula a sua legitimidade nem os apoios com que conta. Será a menos má de todas as soluções que poderíamos considerar, mas é uma solução que cumpre o essencial para fazer caminho. Não há soluções blindadas para quatro anos. A democracia comporta riscos, os governos podem ter percalços, mesmo os que dispõem de maiorias absolutas.

Um Presidente em final de mandato tem poderes limitados. Não é por acaso. É precisamente para não ceder a tentações. Em contrapartida, a Assembleia da República goza de proteção. Não é uma desvalorização do papel presidencial. É um equilíbrio de poderes, que nesta circunstância não pode deixar de ser tido em conta.

UM PRESIDENTE EM FINAL DE MANDATO TEM PODERES LIMITADOS. NÃO É POR ACASO. É PRECISAMENTE PARA NÃO CEDER A TENTAÇÕES. EM CONTRAPARTIDA, A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA GOZA DE PROTEÇÃO. NÃO É UMA DESVALORIZAÇÃO DO PAPEL PRESIDENCIAL. É UM EQUILÍBRIO DE PODERES

Ao contrário do que muitas vozes mais exaltadas têm vindo a dizer, não vivemos por estes dias nenhuma espécie de anormalidade democrática, seja em sentido jurídico, ético ou político. O Presidente indigitou e empossou (mesmo sem garantir qualquer espécie de viabilidade) um governo do partido e da coligação mais votados. Legítimo e correto. O governo chumbou. Nada a apontar. A decisão do Parlamento é soberana e tão legítima jurídica, ética e politicamente como a do Presidente. Só relembro e repito os factos e argumentos porque muitos parecem continuar a alimentar uma irracionalidade sem precedente. As regras constitucionais são as que são e a liberdade/vontade dos eleitos (Presidente e deputados) não deveria autorizar dislates como as alegações de golpe e de fraude. Propor uma revisão constitucional porque se discorda do chumbo do nosso governo pela Assembleia da República não lembra ao mais atrevido… Ou melhor, talvez lembre aos que confundem derrota democrática com usurpação de poder. Questões básicas, que não nos deviam ocupar a atenção. Podemos e devemos ter opinião sobre programas, propostas, acordos, políticas e políticos. Podemos concordar e discordar. Podemos contestar, marcar diferenças, denunciar contradições. Não vale é meterem-nos os dedos nos olhos com lições terceiro-mundistas de funcionamento democrático. A quem exerce ou disputa o poder democrático exige-se mais responsabilidade.

A lentidão de Cavaco Silva é preocupante. Não porque não tenha o direito de ouvir todas as organizações e personalidades de que se lembre (outros o fizeram). Mas porque Portugal não se pode dar ao luxo de estar sem governo só porque o Presidente quer marcar o seu território, valorizar o seu papel ou afirmar que é ele que decide.

Temos os cofres cheios… sossega Cavaco. Cheios de dívidas. O seu antigo assessor João César das Neves alertou (já depois das eleições…) para aquilo a que chamou “ratoeira”. Registo algumas das suas ideias: os sinais positivos são aparentes, há bombas retardadas que gerarão problemas graves, desemprego perdeu dinâmica de descida, investimento recusa-se a atingir um nível decente, empresas continuam descapitalizadas, bancos continuam frágeis… Como se tudo isto não bastasse, diz o insuspeito César das Neves, há um cansaço da austeridade. Serão argumentos suficientes para convencer o chefe de Estado a colocar rapidez na sua decisão? Ou precisará de ouvir mais personalidades? O contexto internacional não é suficientemente incerto para não se perder tempo?

À atenção do Presidente da República.

Guerra

O que aconteceu em Paris já mereceu rios de revolta, medo e solidariedade. Sentimentos por vezes contraditórios, nem por isso menos autênticos e nobres. Insuficientes contudo para contrariar uma direção cada vez mais nítida. Não estamos perante meros atos de terrorismo. Deparamo-nos com ações de clara insurgência, dentro das nossas fronteiras e fora das nossas fronteiras. Procura-se enfrentamento direto, o rosto do inimigo. Quer-se convocá-lo para a guerra. Só faltava que a Europa voltasse à guerra civil… Para já, a França está em guerra. Estaremos todos em guerra? Estaremos já a matar-nos? Não são fáceis as respostas. Saibamos ser lúcidos e conjugar segurança com liberdade.