A exótica Universidade de Coimbra e a laicidade

(Por Carlos Esperança, 22/02/2019)

UCOI

A Universidade de Coimbra não é apenas uma fonte de ciência, é a fossa onde desagua a fé, onde a liturgia a coloca como exclave de uma universidade pública e a transforma em confessional, onde o cargo máximo exige missa prévia, com genuflexões, aspersões de hissope e homilia sacra.

conviteO Professor Decano, Professor Doutor Aníbal Traça de Carvalho Almeida, encarregado da cerimónia de posse do novo Reitor, mais preocupado com a salvação da alma do que com a separação da Igreja e do Estado, quiçá ignorante da laicidade a que está obrigada a Universidade pública, quem sabe se ungido pelo Divino, introduziu na cerimónia de posse do novo Reitor uma santa missa. A missa de 1 de março vai merecer o prémio da inovação.

No próximo 1 de março, a missa é a novidade da posse do Magnífico Reitor, Professor Doutor Amílcar Celta Falcão Ramos Ferreira, mas na posse do posterior Reitor será já uma tradição, um uso que se perpetuará para maior glória do cargo e deleite pio. Espera-se que o capelão seja experiente e não dê a comunhão ao novo Reitor e a extrema-unção ao piedoso Professor Decano ou vice-versa.

Não há coisa tão bonita como ver o corpo docente de joelhos e a Universidade pública a desfilar ao som do cantochão, com professores em vestes talares, de borla e de capelo.

Se a moda for contagiante a tomada de posse do presidente do Conselho de Reitores vai abrir com solene Lausperene e Te Deum, seguidos de procissão com o Senhor Exposto, passando sucessivamente de igreja para igreja, por entre aplausos dos profanos.

Nos Politécnicos há de ser também a missa a preceder a posse de diretores. Em escolas integradas a posse exigirá, pelo menos, uma novena e na creche o terço há de preceder a entrada em funções de cada novo diretor.

Os juramentos de fidelidade à Constituição e ao cumprimento das leis da República são obsoletos. O futuro está na Bíblia, na Tora e no Corão, e a Universidade de Coimbra na vanguarda das cerimónias pias.

Do Vale dos Caídos, onde ainda jaz Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco Bahamonde Salgado-Araujo y Pardo de Lama, doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, só não mandou felicitações pela cerimónia pia porque, felizmente, continua morto.

A Universidade Católica e as isenções de impostos

(Por Jovem Conservador de Direita, in Facebook, 14/02/2019)

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(Não há nada como um bom exercício de ironia para denunciar esta escandaleira do financiamento de favor, pouco transparente e injustificado à Católica, com o qual todos os governos tem pactuado. Haja coragem de acabar com esta mordomia. Mas parece que todos os nossos políticos tem medo das milhares de homilias de domingo que ocorrem por esse país fora. É que é difícil ganhar eleições contra o poder dos sermões.

Comentário da Estátua, 14/02/2019)  


Quero condenar todos os ataques catolicofóbicos que têm sido feitos à Universidade Católica desde que a TVI fez uma reportagem a denunciar que a Católica factura 65 milhões por ano e está isenta de impostos.

Se o Estado financia universidades públicas para todos, também deve poder financiar universidades para aqueles que não se importam de pagar propinas mais altas para não terem de se misturar com os outros. É positivo que o Estado financie a Universidade Católica para que esta possa cobrar dezenas de milhares de euros por MBAs para formar os nossos gestores acerca do perigo que é permitir que o Estado intervenha na economia.

É importante que o Dr. João César das Neves possa ter uma tetinha por onde mamar para ter energia para defender a importância da austeridade e criticar a falta de espírito de sacrifício daqueles que não têm a competência para serem professores catedráticos na Católica.

Seria muito difícil para ele fazer este argumento crucial de liberdade económica se tivesse fome. Temos de lhe pagar para que não se torne comunista. Falo em tetinha com todo o respeito. O Dr. João César das Neves é um pequeno bezerro frágil de sabedoria que precisa de ser mantido saudável para que nos possa deleitar com os seus ensinamentos.

A Universidade Católica tem os melhores cursos de gestão, não pela qualidade da educação que oferece, mas porque oferece aos seus alunos uma excelente oportunidade de networking. A triagem que faz à entrada através do preço das propinas permite que os estudantes que se inscrevem na católica têm a certeza de que vale a pena perder tempo a fazer networking com quase todos os seus colegas.

Pelo contrário, uma universidade pública aceita estudantes que não têm o mínimo para oferecer em termos de networking. Ninguém se devia sentir orgulhoso por ser a primeira pessoa da sua família a tirar uma licenciatura, porque está só a assumir que pertence a uma família que não vale a pena conhecer. Se tiver sorte e a sua empresa lhe pagar um MBA na Católica pode acabar por ser levado a sério. Até lá, mais vale esconder as suas origens para não afastar potenciais amigos importantes.

Nas universidades públicas entra quem tem melhor média. Na Católica o critério é muito mais exigente: entra quem pode pagar as propinas. Isto faz toda a diferença. Qualquer pessoa pode estudar e ter boas notas, mas poder pagar 10.000€ por ano em propinas garante um nível de qualidade incrível e é importante que o Estado financie isto.

Não é por acaso que os estudantes da católica são conhecidos por serem mais atraentes fisicamente. É natural. Estão mais bem alimentados, frequentam os melhores ginásios, vestem-se melhor e resultam do cruzamento dos melhores genes. Dr. Jesus até pode ter defendido que todas as pessoas eram iguais perante os olhos de Deus. Mas os melhores dos melhores exemplares estudam na Católica.

Todos os governos desde o Dr. Cavaco mantiveram esta isenção, que pode ser considerada inconstitucional. Felizmente, temos tido governos que têm a coragem de financiar uma instituição de ensino superior elitista e que garante a liberdade de escolha daqueles que não querem misturar-se com o ambiente esquerdalho de sexo, drogas e Chomsky das universidades públicas. Se queremos ter bons governantes e bons gestores temos de manter esta relação especial com a igreja.

Não se esqueçam que já saiu o novo episódio do meu podcast.

A propaganda da direita católica

(Joseph Praetorius, in Facebook, 15/09/2017)

 

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Joseph Praetorius

Há truques na propaganda da direita católica para os quais me falta a paciência.

Às vezes, confesso, basta que se pronunciem os daquela gente para eu tomar a posição contrária. Foi assim quando Zapatero aprovou o “casamento homossexual”. Sempre achei tal coisa um disparate. O Estado não deve celebrar ritos matrimoniais por não lhe incumbir a guarda de quaisquer altares, sendo a sua tarefa meramente registral quanto às decisões de vida em comum, quando lhe peçam tal registo (por razões fiscais e sucessórias entre muitas outras). Bastou a ousada e intrusiva sordidez do bispo de Ávila a “condenar”, para me parecer politicamente indeclinável enfiar-lhe o dito “casamento homossexual” pela cabeça abaixo.

Continua a parecer-me um disparate. Mas onde tais bocas se abram é aplicar-lhes a rebarbadora aos dentes que mostrem. Os cristãos que vivam de outro modo. Isso basta e tem de bastar à moral cristã, desde que essa liberdade não seja posta em causa.

A direita católica infesta com a opus, entre outras barbaridades, todas as escolas portuguesas de direito – e algumas de economia – ao ponto de as agrilhoar aos limites da quase indigência intelectual, tem extensões da “universidade de palma de baixo” em todo o país, sendo certo que ali conspira contra os direitos fundamentais de modo politicamente indecoroso, inclusivamente disseminando doutoramentos entre gente sua, para garantir promoções na estrutura dos serviços de Estado, como a judicatura.

A direita católica ousa mesmo desafiar a ordem constitucional de outros países, instrumentalizando aqui a liberdade religiosa e pondo a desfilar na procissão do senhor dos passos da graça e na do “corpo de Deus”– como num corso carnavalesco, com gente mascarada em conformidade – a “ordem constantiniana de S. Jorge”, reportada à Casa das duas Sicílias, pronunciando-se, portanto, pública e politicamente, contra a integridade territorial italiana (em Itália tal coisa daria prisão em flagrante) e isto sob a presidência do cardeal de Lisboa a quem tal delito não deveria deixar de ser imputado. (Acusatoriamente, sim).

A direita católica tem a moribunda (e prostituída) imprensa do território quase inteiramente nas suas mãos. Não há esparvoamento partidário onde a temibilidade e conveniência da sua pretensa influência popular não chegue (com três por cento de assistência aos cultos) ao ponto do presidente da câmara de Lisboa ser mero figurante nas suas encenações. (Um terror, isto).

Mas abre-se uma crónica da Maria João Avillez e vem ela dizer que se sente (a direita católica) sob perseguição e constrangimento invencível. Protesta.

Imagine-se.

O país onde a direita católica conseguiu que nunca fosse investigada a execranda pederastia do seu clero.

O país onde a direita católica conseguiu manter, até hoje, sem inquérito nem julgamento a pedoclastia das suas gentes (clericais ou do seu funcionalismo asilar).

O país onde a direita católica conseguiu ver entregue às estruturas, que para tanto constitui na órbita clerical, a nunca fiscalizada exploração (em regime de monopólio) dos subsídios estatais, a pretexto da assistência à miséria, na rua ou fora dela, bem como os da pretendida assistência aos refugiados e migrantes,

Compreendendo a assistência subsidiada às casas de detenção administrativa – onde não entram advogados – onde nenhum controlo jurisdicional existe, como não existe defesa possível, sendo duvidoso que ali haja, até, completo recenseamento e identificação dos sequestrados que não vejo outro nome a dar-lhes… (interessante que lhes entreguem um inferno onde possam desalterar-se das suas sedes de alma).

O país onde uma miríade de estabelecimentos de ensino básico e secundário são organizações parasitárias – ostensivamente confessionais e segregacionistas – claramente reportadas à direita católica, todas com subvenção estatal a que se julgam com direito, havendo até colégios de ordens religiosas entregues a meros funcionários, por falta de efectivos bastantes para garantir o respectivo funcionamento (não poderia haver – mas há – colégios de jesuítas sem jesuítas, por exemplo).

Um tal país é a terra onde a direita católica vem dizer-se perseguida.

Porquê? Porque não consegue impor o seu léxico.

A direita católica enfurece-se só por ouvir falar de outro modo. Porque isso significa que há quem pense de outro modo. Isso significa também que a Cidade não lhe pertence, que o país não lhe pertence, que as consciências não lhe pertencem, que a vida sobre a terra não lhe pertence.

Isso angustia-a.

À direita católica não lhe basta a possibilidade de responder a quem pense de modo diverso. Não, a direita católica proclama logo que se sente desapossada da cidadania, que nem sabe o que seja – e sob perseguição – pelo simples facto de notar quem viva de modo diverso, quem fale de modo diferente e quem pense de forma diversa. E como isso ocorre com a generalidade das pessoas, proclama a direita católica uma conspiração dos radicais da esquerda minoritária que lograriam assenhorear-se das consciências, por serem professores universitários, ou jornalistas. Imputa pois e por isso a essa imaginária esquerda o que ela própria, direita católica, tem feito. E teme.

Razões para temer não lhe faltam. Mas que não seja por isso.

A direita católica quer a censura, parece. Sob pena de se sentir angustiadamente desapossada dos seus direitos, pelo simples facto dos outros poderem falar. Creio, até, que reacenderia as fogueiras do asqueroso Domingos Guzmán, em razão da angústia que lhe suscitará a evidência da existência dos outros, porque existindo os outros descobre-se a convicção de não poder existir ela própria.