Notas sobre a actual situação na Ucrânia

(Major-General Raúl Cunha, in Facebook, 01/11/2023)

Para variar do assunto da Palestina que, de momento, ocupa as nossas atenções, aqui vão algumas notas sobre a atual situação na Ucrânia:

Estamos a testemunhar um grande combate pela área fortificada de Avdeevka – uma povoação com 30 mil habitantes nos arredores da cidade de Donetsk que o exército ucraniano transformou numa fortaleza e de onde mantém um constante e criminoso bombardeamento diário dos civis que habitam aquela cidade. Na realidade e com um elevado grau de probabilidade, penso que estamos perante um momento decisivo nesta guerra. O mesmo momento decisivo que aconteceu com o combate por Debaltseve em fevereiro de 2015 e que levou à assinatura do Acordo de Minsk-2. A captura de Avdeevka, tal como a de Debaltseve em 2015, poderá colocar um fim nas hostilidades e levar ao início de conversações diplomáticas.

No final de setembro começaram a surgir situações de crise para as forças ucranianas na maior parte das áreas onde atacavam e, assim, tornou-se evidente que a grande ofensiva primavera-verão, preparada com grande dedicação e afinco pela Ucrânia e pelos países da OTAN, tinha terminado com um completo fracasso. A iniciativa passou então objetivamente para as mãos da Rússia, o que só mesmo um diletante poderá negar e, portanto, uma contraofensiva da Rússia seria apenas uma questão de tempo. Mas, presumia-se que, devido aos lamaçais que acontecem no outono, tal iria acontecer somente no inverno, quando o gelo acabasse por cobrir as estepes lamacentas.

O Comando Russo iniciou então uma manobra de deceção estratégica no outono, pois devido à omnipresente atividade de informação pelos satélites espiões dos EUA e da OTAN, seria quase impossível apanhar as forças oponentes de surpresa a nível estratégico e operacional. Aconteceu, no entanto, que o chefe do estado-maior das forças russas, general Valery Gerasimov, surpreendeu de novo os planeadores no ocidente. Os russos decidiram que não iriam esperar e que iriam atacar numa área específica.

As numerosas reservas, há muito sob observação pelos especialistas, foram dispersas e, de facto, distribuídas quase uniformemente ao longo de toda a longa linha de frente. Gerasimov teve então de encontrar uma forma de manobrar “sob a luz dos holofotes”. De surpresa, os russos concentraram grandes forças em artilharia e armas combinadas de carros de combate e infantaria perto de Avdeevka, iniciaram uma manobra de envolvimento nos dois sentidos, de norte e de sul, para tentar colocar as forças ucranianas (cerca de 12000 homens) num caldeirão sem saída, e essa posição defensiva ucraniana entrou em crise.

Parece claro que os russos – apesar da propaganda da Ucrânia e do Ocidente dizer que eles estão a sacrificar imensos recursos em pessoal -, não têm pressa e que estão a apostar no seu poder de fogo e numa pressão constante sobre as tropas ucranianas, mas, se necessário, utilizarão as suas “stormtroops” Akhmat/Wagner, seguindo o modelo da Batalha de Bakhmut. Entretanto, se conseguirem fechar o cerco, será como em Mariupol e as forças ucranianas terão de se render. E, quando tal acontecer, creio que estarão reunidas as condições para um cessar-fogo.

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5 pensamentos sobre “Notas sobre a actual situação na Ucrânia

  1. oh menos,

    já leste o artigo da time em que um responsável ucraniano diz que “só não roubam o que está pregado ao chão” e que todos sabem que a guerra está perdida, mas ninguém tem coragem de dizer isso ao zelensky que age como um alucinado? que a média de idade no exército ucraniano é de 43 anos(!)?
    e aqueleoutro da the economist em que o chefe do estado maior da forças armadas ucranianas diz que a guerra está num impasse e que seria preciso um grande salto tecnológico, vulgo milagre, para conseguirem avanços?

  2. Conversações diplomáticas? Cessar fogo?

    Não me parece.

    Em rigor, a Ucrânia perdeu a guerra em finais de Março de 2022, apenas um mês após o início da intervenção russa, e estava pronta a negociar. Se a lógica imperasse ali a guerra estaria terminada por essa altura. As delegações dos dois países chegaram mesmo a um acordo e ele só não foi implementado porque a administração Biden usou toda a sua influência sobre o governo de Zelensky e conseguiu impedir a conclusão do processo.

    Terão sido feitas ameaças de morte (“se você assinar esse acordo receio que não poderemos protegê-lo…”) seguidas de avultados subornos e finalmente promessas de que a NATO iria fornecer todo o dinheiro e armamento necessário para “vencer os russos”.

    Então eu não acredito que a seita que supostamente governa a Ucrânia venha nos próximos tempos a tomar a iniciativa de propor negociações de paz, que obviamente, e dado o estado em que se encontra a guerra, seriam sempre uma rendição incondicional. Eles teriam que aceitar integralmente os termos dos russos, e estes não fariam nenhumas concessões relativamente quer aos objetivos iniciais da Operação Especial, quer ao “status” territorial vigente.

    Quanto aos russos, eles agora estão muito confortáveis, e não devem ter vontade nenhuma de terminar para já o conflito porque o tempo corre a seu favor em várias frentes. Eles conseguiram inverter os termos da jogada americana. Ultrapassaram a fase em que a sua economia poderia entrar em derrocada, e depois resolveram o seu défice inicial de produção de suprimentos.

    É perfeitamente natural que tenham surgido alguns problemas nesse campo, pois os russos não tinham maneira de prever a reação tresloucada dos países ocidentais em bloco, que sacrificaram as suas próprias economias a fim de canalizar para a Ucrânia um esforço militar ao nível do que seria se eles próprios estivessem em guerra. Os russos sabem agora que são os países ocidentais que não conseguem acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, tanto no plano económico como na produção de suprimentos militares.

    E depois que os Estados Unidos se deixaram arrastar para um novo atoleiro no Médio Oriente, pode dizer-se que eles estão exatamente onde os russos os queriam. Com a sua economia em farrapos e sob ameaça de o dólar deixar de ser moeda de referência, e tendo deixado destapar as suas dificuldades na produção de armamento, nunca conseguirão sustentar duas guerras em simultâneo.

    O belo plano, tão laboriosamente arquitetado, de enfraquecer a Rússia para depois fazer guerra à China acaba de ir pelo cano todo inteiro. O objetivo máximo passou a ser não deixar cair Israel. Perder Israel significaria perder o Médio Oriente, perder toda e qualquer influência sobre a principal zona de produção de petróleo e gás natural. E no entanto neste momento são as bases americanas na região que estão a ser atacadas todos os dias, numa base de 10 ataques para uma retaliação apenas.

    Recorde-se que, ao chegar ao local Biden, desbocado como sempre, não hesitou em afirmar que os Estados Unidos lutariam ao lado de Israel se preciso fosse, para derrotar a ameaça “terrorista”. Agora teve que dizer que não senhor, nunca tinha dito tal coisa. Provavelmente esta mudança de discurso acontece depois de os responsáveis militares da Rússia e dos Estados Unidos trocarem impressões por telefone.

    É que uma intervenção armada americana no atual contexto iria muito provavelmente colocar os EUA em rota de colisão com o Irão. E a Rússia não pode deixar cair o seu aliado iraniano, da mesma forma que os EUA não podem perder Israel. E ali, tudo o que se mexe está ao alcance dos mísseis russos.

    Voltando à Ucrânia, para finalizar o meu raciocínio a respeito da (im)possibilidade de negociações.

    Se por hipótese Zelensky viesse a encetar qualquer negociação de paz com os russos ele seria imediatamente morto pelas falanges de fanáticos nazis que o rodeiam, para começar. E os “neocons” americanos nunca aceitariam uma vitória russa neste momento porque isso seria o seu fim político. Depois do que Biden andou a dizer sobre Putin e a Rússia, identificando-os como as forças do mal absoluto, e tendo afirmado vezes sem conta que a vitória do Ocidente era certa, ele não tem maneira nenhuma de aceitar uma solução negociada e ainda sobreviver nas próximas eleições.

    Uma vez que o governo ucraniano não tem na verdade nenhuma autonomia e não quer saber do sofrimento do seu próprio povo, é mais provável que decidam recuar para posições defensivas E tentarem assim resistir até à próxima Primavera, na esperança de que a torneira ocidental não se feche entretanto.

    O Major-General Raúl Cunha está a pensar de acordo com a lógica militar, e nesse sentido está a pensar bem, mas nenhuma lógica é aplicável à situação na Ucrânia. Se os líderes ucranianos se guiassem pela lógica não estariam há quatro meses a tentar viabilizar uma ofensiva que já toda a gente viu que não tem hipótese nenhuma. Isso foi evidente para todos os analistas militares com um QI superior ao de uma galinha quando, ao fim de 15 dias, os resultados foram zero. Se uma ofensiva não obtém resultados ao fim das primeiras duas semanas ela fracassou.

    É claro que poderíamos também referir que, sem superioridade aérea, superioridade numérica de homens e materiais de pelo menos 3 para 1 e pelo menos paridade de artilharia, ela nunca teve realmente hipótese nenhuma, mas eu próprio já disse isso mesmo aqui demasiadas vezes.

    Na verdade eu não sei mesmo se podemos continuar a falar de uma ofensiva ucraniana. Uma ofensiva, por definição, implica um avanço numa qualquer direção. Os ucranianos, sempre criativos, acabam de inventar um novo conceito, eles idealizaram uma ofensiva militar que não sai do mesmo sítio…

    Eu tenho acompanhado os últimos desenvolvimentos da guerra e Avdeevka não é o único assentamento ucraniano que está sob ataque. As tropas russas estão a realizar várias ofensivas diversificadas, nomeadamente na região de Karkhov e também na direção de Kupiansk e Izyum. Basicamente trata-se de libertar todo o Donbass e recuperar territórios que já estiveram em poder da Rússia antes da ofensiva – relâmpago ucraniana em Setembro de 2022.

    É natural que várias regiões ainda mudem de dono antes da pausa de Inverno.

    Se houver pausa, claro, porque quando a neve se tornar em gelo duro e o Denieper congelar, muitas coisas interessantes poderão acontecer.

    Mas como eu também já disse, os russos não têm pressa nenhuma.

  3. Quem esteve atento ás declarações dos governantes russos irá perceber que o tempo da diplomacia já passou há muito e o russos depois de terem sido enganados pelo Ocidente com os acordos de Minsk jamais irão fazer papel de tolos novamente. No dia a seguir a qualquer acordo de paz o Ocidente iria fazer o que melhor faz, prometer uma coisa e fazer outra e a Ucrânia entraria para a NATO.
    Os russos têm afirmado repetidamente que só irão parar em Kiev e quando fizerem a estes nazis o mesmo que fizeram aos outros em 1945.
    Quando os russos terminarem, da Ucrânia independente restará apenas a Galícia num pequeno território a Ocidente e vamos ver se os russos o vão permitir.

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