Como vai ser

(Major-General Raúl Cunha, in Facebook, 26/07/2023)

Penso que já deve ser óbvio para toda a gente que a guerra na Ucrânia constitui uma verdadeira catástrofe que provavelmente não irá terminar tão cedo e, quando terminar, o resultado final não vai ser uma paz duradoura. Vejamos então como foi que o Ocidente acabou por se encontrar nesta terrível situação. A argumentação tradicional da maioria dos dirigentes e “sabichões” ocidentais sobre as origens da guerra é que Putin lançou um ataque não provocado em 24 de Fevereiro de 2022, motivado pelo seu grande plano de criar uma Rússia ainda maior. A Ucrânia, assim o pintam, era o primeiro país que ele pretendia conquistar e anexar, mas não seria o último.

Mas, em alternativa a esse delírio visionário e como já muitos e bons repetiram em várias ocasiões, não há quaisquer evidências a sustentar essa linha de alegações e, pelo contrário, há provas consideráveis que directamente a contradizem. A realidade foi que, em 2021, ucranianos e americanos já tinham decidido tentar a recaptura da Crimeia pela força (o que projectaram para o final do inverno seguinte) e para esse efeito começaram a concentrar as tropas ucranianas na frente do Donbass, procederam ao fornecimento maciço de armamento e ao treino de combate acelerado dos regimentos ‘Azov’ e do exército. Entre 16 e 23 de Fevereiro e obviamente no âmbito de uma grande operação militar em perspectiva, foram intensificados de forma exponencial os bombardeamentos sobre Donetsk e Lugansk. O objectivo da operação (à semelhança do que foi feito na operação “Tempestade” na Croácia em 1995) seria rapidamente tomar o controlo de todo o território ucraniano na posse dos separatistas, sem que os russos tivessem tempo de reagir.

Em face desta possibilidade, a reação russa teve de ser planeada e executada à pressa – decidiram surpreender os ucranianos tomando a iniciativa de serem os primeiros a atacar e em cerca de dez dias reconheceram a independência das repúblicas separatistas e estabeleceram com as mesmas os legítimos acordos de cooperação e operação militar à luz do direito internacional. Embora não haja dúvidas de que, na prática, a Rússia invadiu a Ucrânia, a causa final e principal desta guerra foi de facto a decisão do Ocidente – e neste caso referimo-nos principalmente aos Estados Unidos – de fazer da Ucrânia um baluarte ocidental na fronteira da Rússia.

O elemento fundamental dessa estratégia era a entrada da Ucrânia para a NATO, um acontecimento que Putin e os seus acólitos, e os deputados de todos os partidos do espectro político russo, viam unanimemente como sendo uma ameaça existencial que teria de ser eliminada. Esquecemo-nos frequentemente que um grande número dos que conceberam as políticas e de estrategas, americanos e europeus, se opuseram à expansão da NATO desde o início, porque entendiam que os russos a veriam como uma ameaça e que essa política acabaria levando ao desastre. A lista dos que se opuseram inclui George Kennan, o Secretário da Defesa do Presidente Clinton, William Perry e o seu Chefe do Estado-Maior Conjunto, general John Shalikashvili, Paul Nitze, Robert Gates, Robert McNamara, Richard Pipes e Jack Matlock, apenas para citar alguns.

Na cimeira da NATO em Bucareste, em Abril de 2008, quer o Presidente francês Nicolas Sarkozy quer a Chanceler alemã Angela Merkel se opuseram ao plano do Presidente George W. Bush de trazer a Ucrânia para a Aliança. Merkel disse mais tarde que a sua oposição se baseou na sua crença de que Putin interpretaria esse facto como uma “declaração de guerra”.

É agora claro que aqueles que se opunham à expansão da NATO estavam correctos, mas infelizmente perderam esse debate e a NATO avançou para o leste, o que acabou por levar os russos a desencadearem esta guerra.

Se os Estados Unidos e os seus aliados não tivessem actuado de forma a procurarem trazer a Ucrânia para a OTAN em Abril de 2008, ou se tivessem estado dispostos a acomodar as preocupações de segurança de Moscovo, depois de ter rebentado a crise na Ucrânia em Fevereiro de 2014, provavelmente não teria acontecido a actual guerra na Ucrânia e as fronteiras desta estariam ainda como eram, quando do seu acesso à independência em 1991.

O Ocidente cometeu um erro colossal, pelo qual todos nós e muitos outros mais, ainda iremos pagar severamente.  


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28 pensamentos sobre “Como vai ser

    • Claro que proibir o uso da língua russa, queimar livros escritos em russo, chegar fogo à sede de sindicato com as pessoas dentro, entre outros mimos do regime Zelensky, não era motivo para a população se revoltar. Por mais esforços que façam, os factos estão aí e não podem ser ignorados

  1. Há separatismos bons e maus para certos bons espiritos. Se nos der jeito é bom, se não nos der e mau. O separatismo que desmembrou a união soviética, a Jugoslávia, partiu o Sudão em dois foi bom porque foi o Ocidente que o promoveu. Já o catalao, basco ou galego, claro que é mau, o de gente que não quer viver só o domínio de nazis, claro que é mau. A verdade é que andamos a formigar o separatismo em todo o lado sempre que nos deu jeito. Mas quando não nos dá jeito quem se revolta é traidor, separatista e merece todos os castigos havidos e a haver. Estas nossas regras mudam conforme o cenário e conforme nos convém. A integridade territorial dos países também é sagrada quando nos convém porque não tivemos também problemas nenhuns em apoiar separatistas na Bolívia no tempo do Evo Morales. Na China também os separatistas de xixiang são uns coitadinhos reprimidos pela China, isto é mais aquilo.Quando andamos a armar separatistas sanguinários na Tchechenia e a justificar terrorismo que transformava crianças em alvos prioritários também não houve problema nenhum. Só a malta do Donbass é que tinha de comer e calar com gente que deitava fogo a edifícios com gente dentro e tinha na violação e na pilhagem o seu modo de vida. Trata se da tal ordem mundial baseada em regras que mudam quando nos dá jeito. Nada de novo, quartel general em Washington.

    • Exatamente.

      E o “jornalismo” ocidental não passa de presstitutas. Isto aconteceu quase em simultâneo:

      – no “independentismo” de Hong Kong (maluquinhos violentos, avençados ou de cérebro lavado pela propaganda ocidental, que andavam a matar polícias e a destruir edifícios, a abanar bandeiras do ex-império Britânico, do actual dos EUA, e cartazes de apoio a Trump), a RTP/SIC/TVI, CNN/BBC/FOX/Euronews, e companhia, chamaram de:
      “activistas pró-democracia”.

      – e às forças policiais de Hong Kong que arriscaram a vida para travar está estupidez toda, chamaram de “repressão”, e ao governo legítimo pró-China chamaram de “agentes do Xi Jiping/CCP”.

      – no independentismo Catalão, pacífico (gente a cantar na rua), legítimo (um povo, uma língua, um território, uma cultura, uma história), democrático (só queriam ter o direito a votar num referendo sem ter de levar com a repressão policial em cima), esse mesmo “jornalismo” ocidental, chamou assim:
      “nacionalistas radicais/extremistas violentos”

      – e às forças policiais que atacaram civis a votar, que roubaram urnas de voto, que bateram em crianças, mulheres e idosos, que dispararam balas de borracha, que faziam sucessivos drive-by ameaçadores com carros policiais em alta-velocidade e chegaram a atropelar gente, que perseguiram e prenderam activistas pró-República e pró-Democracia, a essa repressão vinda de Madrid, chamaram:
      “forças da ordem”.

      Qual ordem? A ordem do capital-fascismo (oligarquia NeoLiberal), do Globalismo (€Urofanatismo), e do império genocida ocidental (USAtlantismo).

      É isto o regime imperialista genocida ocidental. Está podre e tem de ser mudado com urgência!
      É preciso soberania e democracia representativa, é preciso patriotismo digno, e é preciso um novo modelo económico que sirva todos os povos e todos os humanos dentro de cada povo.
      Não vamos chegar lá através do voto, pois o actual regime tem eleições de farsa, e a oligarquia é genocida e não abdicará do poder pacificamente.
      Mentalizem-se disso. Se não forem dos que têm coragem e meios para fazer a mudança, pelo menos serão dos que têm noção do regime em que vivem e do estado a que isto chegou outra vez…

  2. Na mente dos incomodados acima residem os miasmas do sovietismo que sempre se traduziam no seguinte:
    – O Ocidente e o seu imperialismo sempre empreendiam as maquinações mais perversas.
    – Tudo o que os soviéticos empreendiam, sempre aparecia como a legítima, autónoma e democraticamente validada vontade dos povos alvo de tais acções.
    Rebéubéu, os males do capitalismo, o inevitável enredo marxista… havia um qualquer suporte ideológico.

    Agora, fazerem herdeiros dessa falcatrua, um sistema corrupto e desprovido de tudo que não sejam os tiques imperiais, coloniais, nacionalistas ao nível da paranóia de raça eleita, a Rússia do Putin & C.ª, excede tudo o que possa imaginar-se de mais delirante!!!!
    Espantoso!

    • Espantoso mesmo é tanto cinismo junto no que toca aos russos…e de onde herdou tal julgamento ? dos seus amados americanos ? esses combatentes da democracia ? é ver onde está o Assange.
      De resto, leia por favor o comentario do Whale…está lá espojada toda a sua hipocrisia !!

      • O tipo não é cínico. É um tarefeiro e está numa missão. Mas até como missionário é incompetente, alvo do escárnio dos hereges. Não converte ninguém, mas adora ouvir-se a si próprio. Dele será o Reino dos Céus.

      • Maria, tu que tanto alcanças, ilumina-me!
        Diz-me onde está o nazismo nos ucranianos em tudo que não encontre paralelo nos russos.
        E fala-me do presente, não me tragas nem o Bandera e o anti-semitismo, nem o pacto Molotov-Ribbentrop, a partilha da Polónia e Katyn e tudo o mais que seja passado.

  3. O presente? Ataques a populações civis, 14 ml mortos desde 2014, novos ataques a populações civis, gente amarrada a postes com a cara pntada com o altamente cancerígeno verde Schelle, gente que desaparece sem deixar rasto, ataques à bomba contra “inimigos” do estado urcraniano. Ainda querem mais? O que é que queriam, que os ucranianos fossem suficientemente estúpidos para empalar gente em praça pública? Assim já iam reconhecer que lá há nazismo? Era reconhecido pela polícia alemã que todos os neo-nazistas que por lá andavam fazendo desgraças eram treinados na Ucrânia. Treinado na Ucrânia foi um artista que matou, com um tiro no meio da testa, um deputado da CDU que era contra os discursos contra os refugiados, enquanto o homem fumava um cigarro na varanda da casa. Os ucranianos passeiam-se com símbolos nazis, erguem estátuas ao Bandera, tudo isso se passa no presente, no ano da graça de 2023. Da graça ou da desgraça. Já agora, continua a ressoar no presente o grito dos Banderistas, Slava Ikraini, que era gritado enquanto se chacinavam judeus e polacos. O actual regime ucraniano é legítimo herdeiro dessa gente toda, por isso tem de se falar dela, gostem certos bons espíritos ou não. Porque essas atrocidades estão a ser replicadas no presente, com a nossa conivência. E se quer falar no passado, está à vontade que também os aliados fizeram um pacto para entregar a então Checoslováquia a Hitler, A Russia de então teve bons mestres. Mas A Russia de hoje não é herdeira de nada disto, até porque se converteu ao capitalismo, de inicio na sua forma mais selvagem. E só recomeçou a ser odiada quando tentou por algum travão na coisa, antes que metade da população morresse de frio e de fome. Agora os ucranianos ocidentais são legítimos herdeiros do nazismo mais vil e essa gente não pode ter armas nucleares ou não é só a Russia que está em perigo.

    • Desde 2014?
      Não são esses os anos dos ‘homens verdes’ na Crimeia e das armas russas distribuidas pelos russos a ucranianos e a agentes russos e tropas russas no Donbass, e de um avião de passageiros abatido por um míssil russo e demais obras edificantes?
      Onde havia milícias não se opunham milícias?
      A crimes de um lado não se contam crimes do outro? Tens a certeza?
      E o Navalny? e as janelas? e o chechenos e assassinos a soldo de Moscovo? e o Wagner? e Bucah?

  4. Mais uma vez os “nossos amigos” americanos vieram cobrar o apoio dado na segunda guerra mundial e demonstrar como os USA têm sido os agressores da segunda parte do sec XX e deste inicio do Sec. XXI

  5. Oh! «Menos», quanto Guantánamo é edificante, próprio de um qualquer «Jardim», que não «Selva», dum estado de direito, respeitador dos direitos humanos, em suma, dum mundo assente em «regras», não é? E que tal, mais as edificantes prisões clandestinas, no «jardim» ocidental, onde eram «mimados», na sequência do 11 de Setembro, todos quantos fossem suspeitos de terrorismo, mesmo que terroristas não fossem?

  6. Achei simplesmente grotesto a posição de muitos comentadores portugueses sobre a repressão na Catalunha. Qualquer outro país, alguns as voltas com diversos graus de separatismo, como Italia ou até França, com a questão da Córsega, teria o duvidoso direito de defender a repressão por todos os meios dos “extremistas violentos” catalães. Mas os portugueses? Em que árvore bateram com a cabeça, para não dizer cornos, que é feio? Foi graças a (mais uma) revolta na Catalunha que conseguimos organizar a resistência e a longa Guerra da Restauração. As tropas castelhanas não podiam estar em todo o lado e, mais uma vez, trataram de afogar em sangue a Catalunha. Nos últimos cinco séculos foram oito rebeliões armadas afogadas em sangue e não exagerou Puidjemont ao comparar o martírio do povo dele ao curdos. É se os curdos hoje se vendem a qualquer traste, como na cumplicidade no roubo do petróleo sirio, a ver se alguém lhes dá pedaço de chão, o que acaba por ser compreensível, ainda que inaceitável mas o desespero é mau conselheiro, os catalães tentaram dialogar. Para ter gente até à compara Los com os nazis. Os ucranianos são todos uns santinhos mas na Catalunha já havia nazis e era só por racismo que queriam a independência. Porque não queriam pagar as reformas aos velhos de Múrcia, dizia um douto comentador, para vergonha da minha cara, português. Houve gente em Espanha e até em Portugal a escrever tretas destas. É se a repressão não foi ainda mais sangrenta, com muitas mortes, não foi por falta de vontade do Rajoy que espumava de raiva quando falava nos independentistas. Foi porque pegava mal numa Europa que se diz democrata. Mas as prisões e os exilios continuam a acontecer e a extrema direita cresce justamente porque promete vergar os independentistas catalães, bascos e galegos a tiro se preciso for. Como aliás fez o Franco. Que ainda por cima arrebanhou para lá em camião de gado milhares de andaluzess e gente da estremadura para alterar a composição étnica da coisa. Conheci descendentes dessa gente, houve velhos a morrer desesperados em terras a muitas centenas de quilómetros da terra que foi sua. De todos estes crimes se fez a manta de retalhos a que se chama Espanha e que ainda nem se entendeu para fazer uma letra para o hino. Mas enfim, nem todos os separatismos são bons para esta gente mas pelo menos Portugal devia ter mais tento na língua. Porque se Castela tivesse escolhido só contrário seríamos nos a ser presos, exilados, espancados e a ficar sem olhos. É podiam ser os nossos pais ou avos a ser arrebanhados em camiões de gado e despejados no País Basco.

    • Sobre os catalães há a dizer que foram grandes beneficiários do Império de Espanha, não pelo sangue que nele verteram, mas pelos negócios que com ele realizaram – nada que me incomode em particular; adicionalmente, cresceram recrutando mão-de-obra de toda a Espanha e nela tendo seu principal mercado, o que se traduziria em que a sua independência faria dessa gente estrangeiros em terra estrangeira. Isto quer dizer que, logo que se tornassem independentes, dir-se-iam radicais internacionalistas e defensores irredutíveis do livre comércio.
      Há um tempo para tudo, e se os nacionalismos são para agora e sempre, importa começar por redefinir o internacionalismo que tantos apregoam, dando-se ares de superior entendimento do futuro.
      Resumindo: mais uma cambada a querer assegurar-se de uma maior fatia de poder!

  7. Claro que as elites catalães beneficiaram com o Império espanhol, como as elites portuguesas também beneficiaram por isso muitas calaram o bico quando da anexação filipina. O que estamos a falar é no povo, que não ganhiu com tal coisa nem uma casca de alho e que foi massacrado pela repressão como gente grande. Se para lá foi mao-de-obra de outras zonas de Espanha foi porque nessas zonas se vivia uma miséria negra e a malta emigrava para onde lhes dava mais jeito. Assim se beneficiou Lisboa de mão-de-obra alentejana e algarvia, o Norte lotoral beneficiou de mão de obra do interior e assim por diante. Tal como nós, a Catalunha foi um território independente que perdeu a independência pela imbecilidade das elites que se meteram em guerras que não lhes diziam respeito, perderam a possibilidade de ter descendência real e estavam enredados em alianças de casamento com Castela. Aliás, foi o mesmo que nos aconteceu a nós. Nós conseguimos a liberdade, eles não. Dizem os entendidos que os catalães tiham mais era que esquecer a repressão de Castela e seguir em frente, na santa paz de uma manta de retalhos mantida a ferroe fogo. Já o nacionalismo ucraniano é um nacionalismo santo. Estamos entendidos senhor Menos, Esteja descansado que não o mando ir sozinho para a Catalunha tentar perguntar um caminho falando castelhano. Mas sempre pode, aqui mesmo, ir ver se o mar dá choco.

    • Já lá estive várias vezes e não tive que falar catalão.
      Uma língua arcaica não faz uma nação; Miranda do Douro há muito o seria.
      Comparar as eleições na Catalunha com os referendos nos territórios ocupados pela Rússia é o exercício que se propõe.

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