Quantos empregos criaste?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 02/02/2017)

Autor

                                     Daniel Oliveira

Como alguns terão reparado, envolvi-me, na semana passada, numa polémica em torno das declarações do sócio-gerente da Padaria Portuguesa sobre o aumento do Salário Mínimo Nacional e as suas propostas para a alterações à lei laboral. Não voltarei ao tema, mas a um argumento que surgiu e que surge sempre que alguém critica um empresário ou discute política laboral. Ele vem em forma de pergunta: “quantos empregos criaste?”

É o mesmo que perguntar a Nuno Carvalho (o tal sócio-gerente) porque não concorre a deputado para aprovar as leis que defende, se estas o incomodam assim tanto. Nem o empresário tem de ser político para defender posições políticas nem quem critica as suas posições tem de ser empresário para o fazer. Quem vem ao espaço público está sujeito à crítica. E os empresários estão, como qualquer profissional cujo trabalho tenha impacto na sociedade, sujeito ao escrutínio público.

A frase revela, antes de tudo, o mesmo espírito antidemocrático que verificamos em muitos professores quando se discute políticas de educação, em muitos magistrados quando se discutem sentenças, em muitos jornalistas quando se discutem abusos à liberdade de imprensa, em muitos polícias quando se discute política de segurança: a ideia que as políticas públicas não são um assunto que a sociedade, no seu conjunto, pode discutir, mas das classes profissionais que nelas estão envolvidas. Em sociedades democráticas, o debate sobre a escola, a economia, a justiça ou qualquer outro tema da vida pública está aberto a todos. E isso inclui o debate sobre o mercado de trabalho, a política salarial e as leis laborais.

Mas a questão fundamental nem é esta. A pergunta “quantos empregos criaste?” traz consigo um programa ideológico bem claro: a transformação do poder económico no centro da vida social, dando-lhe uma legitimidade política acrescida face ao resto dos cidadãos. Só que, em democracia, a autoridade política vem das ideias que se defendem, da cidadania ou do voto, não vem do lugar que cada um ocupa no sistema produtivo.

A pergunta não se limita a ofender os princípios de uma sociedade democrática. Ela é um erro. Quem cria empregos é a economia ou, no caso dos serviços públicos ou do terceiro sector, as necessidades sociais. O empresário é, nas sociedades capitalistas, um dos elementos neste processo. Mas quem cria o emprego é o consumidor. Claro que, perante a mesma procura, há empresas que criam mais emprego do que outras – até há empresas que destroem emprego. Só que as empresas não são os empresários. São os empresários e os seus trabalhadores – seria bom que não continuássemos a usar a palavra “colaborador” para quem não se limita a colaborar. Se uma empresa cria emprego é porque fornece serviços e produtos a consumidores que os consideram necessários ou atrativos. E os responsáveis por isso são todos os que produzem esses bens: investidores, gestores, trabalhadores e fornecedores. São eles que garantem a sustentabilidade e crescimento da empresa e que assim garantem os empregos e até ajudam a criar novos.

Um empresário que acredite que é ele que cria os empregos não compreende que as empresas são equipas (não são eles) e que os empregos criados pela sua empresa se baseiam na economia, não no seu desejo de os criar. Mas, acima de tudo, a pergunta subalterniza os trabalhadores, transformando um produtor num beneficiário da generosidade do patrão. Por isso, à pergunta se alguma vez criei um emprego, tenho uma resposta clara: sim, criei vários. Sempre que consumi, antes de tudo. E sempre que trabalhei. Criei o meu, dando-lhe conteúdo. E, quando as empresas correram bem, contribui para criar os dos outros. Tanto como o empresário, cada um no seu lugar.

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