Vou voltar ao mesmo mais uma vez e não será a última: onde estão os registos das conversações com a troika e por que é que não são públicos?

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 09/09/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Primeira pergunta: existem, como é da lei? Foram entregues pelos participantes nas conversações, incluindo os que foram enviados de computadores privados, em violação da lei?

Segunda pergunta: qual é o grau de completude? Incluem correspondência, emails, actas, relatórios, documentos em várias versões, propostas, decisões?

Terceira pergunta: estão arquivados em forma física ou digital, como é da lei?

Quarta pergunta: qual a classificação que têm, caso estejam guardados?

Quinta pergunta: por que razão não são públicos os que poderem ser, ou pelo menos, os seus registos, títulos, inventários, e todos os documentos que por lei não devem ser classificados?

Vou continuar a fazer estas perguntas, porque a transparência sobre o que aconteceu nos anos do lixo o exige.


O que é isso da reentré? 
O nosso Presidente já explicou por que razão as rentrées (um dos raros casos em que o francês continua a ser usado na terminologia corrente) já não são o que eram. Verdade seja dita, que não se percebe muito bem porque o Presidente resolveu falar disso fora do seus comentários televisivos na TVI, embora a distinção entre a fala presidencial e o ex-comentário televisivo seja quase nula. Mas disse que a rentrée hoje é menos importante, porque não há novidades para dar quando a fala contínua da política é quotidiana, e nem no mês de Agosto há defeso.

É assim, mas há outro “assim” de que ele não falou: é que a contínua logomaquia, para satisfazer a voracidade dos órgãos de comunicação social, desvaloriza o discurso político e o seu papel, e ele não pode deixar de participar, porque é disso mesmo um excelente exemplo.

O que se passa é que a redução do discurso político – e quase toda a acção política hoje é discursiva – a este permanente ruído nas televisões, rádios e jornais, com a sua mecânica rudimentar de parada e resposta, torna-o desprovido de importância.

Susana Villar

Ilustração de Susana Villar

Quando na semana passada, aqui na SÁBADO, disse que, se espremessem as “notícias” de Agosto não saía nada, é isso mesmo que resulta deste palavreado todo. O resultado é que já quase não se pode ouvir ou, quando se ouve, não fica nada. Santana é a voz de rádio do vazio; Cristas grita um pouco mas nada daquilo conta para nada; Costa só é ouvido porque é primeiro-ministro e tem poder; Catarina Martins não tem consciência de que aqueles sistemáticos discursos com demasiada entoação, uma herança que Louçã deixou ao Bloco, cansam e cada vez cansam mais; Rio fala pouco, e isso é uma vantagem; e Jerónimo tem um discurso terra a terra e sem rodriguinhos que, apesar de tudo, ainda é audível.

Às vezes, quando falam Catarina e Jerónimo a seguir um ao outro, Jerónimo é um bálsamo de simplicidade, como aconteceu numa dessas visitas que fazem às feiras.
Como é que pode haver rentrée, a não ser como forma de um protocolo demasiado gasto?

A única vantagem da rentrée é que vamos deixar de ver o Presidente seminu a comentar tudo. O que verdadeiramente precisamos é de uma entrée, sem ser no sentido culinário, que eles entrem para dentro de alguma coisa, e que essa coisa, uma bolha, uma cúpula, um útero, uma redoma, lhes corte a fala e os deixe apenas com a acção.

Os órgãos de comunicação social iriam espumar, embora venha aí o futebol, mas pelo menos estávamos perante actos com consequências, a que podemos dizer sim e não, em vez deste borbulhar de palavras. Abaixo a rentrée, viva a entrée!


Trump e McCain 
O modo mesquinho, cobarde, atabalhoado com que Trump reagiu à morte de McCain pode ter sido a primeira vez que perdeu alguns pontos com a sua “base”. Aliás, a bandeira que estava a meia haste, depois a haste inteira, e depois outra vez a meia haste mostra como Trump se acobardou quando a maior organização americana de veteranos de guerra o criticou com severidade. Ele bem podia roer-se de fúria todas as vezes que ouvia elogios a McCain que eram duras críticas a ele mesmo, mas, como aconteceu quando tudo lhe caiu em cima depois do encontro com Putin, recua com medo. Destas coisas ele sai sempre um homem pior do que já é, o que mostra como é fundo o poço do piorio.

Espremam as notícias nacionais no mês de Agosto e não sai nada

(Pacheco Pereira, in Sábado, 02/09/2018)

JPP

Pacheco Pereira

O mês de Agosto é a habitual “estação-pateta” para as notícias e a comunicação social dedica-se com afã às tolices que duram um dia ou dois. O que é pior é que parece haver continuidade antes e depois, como se os critérios de patetice se tornassem a norma.

Claro que houve duas coisas importantes interligadas em Agosto, mas estão longe de serem de Agosto ou até de serem “notícias”: as alterações climáticas e os fogos, em particular o de Monchique. São aliás, mais do que “notícias”, reflexos de problemas estruturais que estão a vir ao de cima. Mas o fogo de Monchique revelou mudanças significativas no plano táctico, particularmente com a ênfase na defesa a outrance das populações, admito mesmo que com certo exagero. Seja como for, resultou. Há outra mudança que é a acumulação “pesada”, como agora se diz, de meios, mas os resultados ainda não são conclusivos. Porém, por muito “pesados” que fossem os meios, o fogo continuou a arder enquanto teve combustível e meteorologia favorável. E, depois, porque esta acumulação de meios só foi possível porque não houve outros incêndios significativos ao mesmo tempo. Vamos ter um País perigoso em Agosto, mas suspeito que a chuva intensa, filha das mesmas alterações climáticas, vai tornar também o Inverno mais perigoso. O tempo amável e moderado de Portugal é uma coisa do passado.

O partido da estação-pateta é o…
…CDS. É impressionante como o CDS transformou cada fragmento das pseudonotícias de Agosto numa causa política, sempre com a mesma veemência de linguagem, com as mesmas declarações indignadas. Algumas são muito ridículas, como colocar um senhorito como Nuno Melo a andar de comboio, sendo que os dirigentes do CDS precisam de guia para comprar o bilhete, acertar na carruagem, escolher o cais certo para a direcção desejada, e saber abrir as portas quando não são automáticas.

Já é difícil distinguir o que é importante do que é pontual na acção política do CDS, porque ele vai a todas. Serve para marcar presença, mas como as sondagens mostram, não ganham votos.

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O problema com Trump chama-se guerra civil 
O título parece alarmista e é. E há de facto duas frentes para o problema Trump: a externa, com o agravamento dos conflitos internacionais; e a interna. Convém não esquecer que estamos a falar do homem mais poderoso do mundo.

É da interna que vou falar. O problema com Trump está muito para além dos incidentes quotidianos que ele gera como quem respira. Nem tem a ver sequer com os processos múltiplos que estão em curso, dos quais os mais graves começam a anunciar-se nas investigações sobre os dinheiros das suas empresas. Não é por acaso que Trump disse que esta era a linha vermelha nas investigações sobre ele. Também não é a oposição democrática, nem a ameaça pouco provável de impeachment, embora tudo se some para criar o pior cenário.

O pior cenário é que Trump não quer abandonar o poder, nem que seja afastado pelos tribunais, nem pelo Congresso e pelo Senado, nem que perca as eleições. Em todos estes casos, com a veemência e violência necessárias, ele dirá que se trata de uma conspiração dos seus adversários, do deep state, dos votos fraudulentos, seja lá do que for, e apelará àquilo que nos EUA tem sido referido como a sua “base”. A “base” de Trump não é muito grande, mas está mobilizada e ele alimenta-a com mentiras e teorias conspirativas de modo a imunizá-la contra qualquer facto que lhe seja desfavorável. O tribalismo alimentado pelas redes sociais tem aqui uma extensão bem real, a inoculação da realidade é quase total, e seja por ideologia, seja por interesse, ou seja por essa coisa bem mais perigosa que é uma certa forma de identidade perversa dos excluídos, a “base” tornou-se uma massa de manobra de um autocrata populista, perigosamente desarranjado, e com mente de mafioso. E já é violento e será ainda mais violento num país mergulhado numa cultura de armas. Este é o clima de uma guerra civil, com dois campos antagónicos, mas desiguais: um é hard e o outro é soft.

Duas pessoas disseram o que estou a dizer em campos opostos. O antigo director da CIA, Brennan, a quem Trump tirou a autorização de segurança, deu uma entrevista em que disse que o mais grave do que está a ocorrer nos EUA é a “passagem para as ruas” da retórica agressiva de Trump. O outro, foi o inefável Rudy Giuliani que disse, falando de processos judiciais e das revelações do seu ex-advogado, que se alguém tentar depor Trump, o povo americano o impedirá. Está aqui tudo.

A transumância e a silly season

(Pacheco Pereira, in Sábado, 05/08/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Eu devia ter cuidado em não me repetir, mas a verdade é que todos os anos por esta altura fico como o António Barreto e os jacarandás. Lá repito a cena da transumância para os Algarves e o suspiro acomodado com a inauguração oficial da silly season. Na verdade, neste último caso, nem um suspiro devia dar (por falar nisso, o que é um suspiro, que é prática que não uso?) visto que a silly season não é uma estação, mas uma constante anual. Reconheço que recrudesce no Verão com as tolices do costume. Este ano foi precedida pela discussão dos mortos a levar para o Panteão, e pelas miudezas da ida de Ronaldo para Itália. Depois, ele é os “políticos em férias”, “os notáveis em férias”, as famílias entrevistadas nas portagens quando vão de carro para o Algarve, as festas brancas, as festas pretas, as meninas do jet set e os seus meninos que “assumem”, ou que já têm “barriguinha”, os conselhos para o sol, os conselhos de livros para misturar com a areia, os melhores restaurantes de marisco, o Algarve “desconhecido” que espera por si, o senhor Presidente tira mais selfies, cuidado com as arribas, etc., etc.

E mesmo com a há coisas que eu gostava de saber 
Por exemplo, porque é que há cada vez mais Budas nos restaurantes do Algarve?

Táxis, Uber e tuk-tuks 
Os taxistas dizem que já há em Lisboa mais carros da Uber do que táxis. Não sei se é verdade, mas cada vez mais se vê um carro normal parar para receber uns turistas de mala. Na verdade, já vi mais do que uma vez que nem sequer os ajudam a colocar as malas no porta-bagagem, mas podem ser excepções. Mas esta mudança drástica no transporte urbano de Lisboa e do Porto, a que se somam os tuk-tuks por todo o lado, devia merecer mais atenção e mais regulamentação. Ao caos evidente na época turística soma-se a pressão, sobre ruas estreitas e superpovoadas, de um incremento de entregas e recolhas associadas ao boom de hotéis e hostels, de mantimentos, bebidas, roupa de e para lavandarias.

A cidade não cresce, encolhe. E por muito que haja gente a ganhar dinheiro a muito curto prazo, é mais um exemplo da imprevidência irresponsável a que somos muito atreitos. Já lhes passou pela cabeça que uma cidade onde não se pode andar, passear, viver, não é boa para o turismo?

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O caso Robles 
Acabou para já. É muito simples de resumir. Robles, como muita gente no Bloco de Esquerda, confunde política com arrogância moralista. É a escola que Louçã deixou. Tinha que dar torto e deu. E vai dar mais vezes. Os seus críticos, principalmente os discípulos do PAF, são hipócritas na sua indignação. Na verdade, eles acham que são os únicos que podem ganhar dinheiro sem problemas com a especulação imobiliária. É engraçado ver como estão contentes com a queda de Robles os homens e as mulheres do Jacinto Leite Capelo Rego. Estão bem uns para os outros.

Um país que tem o e o … 
….é um grande país. Tem lá o Trump e muita coisa sinistra, mas deste lado das coisas ninguém lhe tira o mérito. Há por lá uma liberdade profunda, que tem resistido ao MAGA e que vem da sua génese como país independente. Tinha de conhecer vicissitudes, como é natural neste tipo irreverente e iconoclasta da liberdade, mas até agora tem resistido a Trump e, neste caso, pior ainda, a Pence.

Nós também queremos o balão do Trump 
Na colecção do Ephemera sempre pretendemos o balão do Trump como bebé que flutuou em Londres, até antes de ele ascender aos céus de fraldas. Estamos a mover alguns cordelinhos, como se diz, mas a competição é muita. Como o Reino Unido é o país que é, o British Museum quer o balão para expor e outros museus querem-no para entrar nas suas colecções. Os activistas, que o fizeram usando financiamento de crowdfunding, querem levá-lo para todo o lado onde esteja Trump, o que é compreensível. Vai para junto dos campos de golfe onde o Presidente gasta aquilo que chama em linguagem orwelliana, o seu “executive time”, jogar golfe, ver a Fox News e espumar com as outras estações televisivas. Até estou disposto a fazer um movimento a convidar o Trump a vir a Portugal, deixá-lo dormir numa igreja barroca entre as colunas douradas, já que o Elefante Branco fechou, para ter o prazer de hastear o balão na Praça do Comércio ou no Castelo de S. Jorge. Bom, há réplicas à venda. Vamos ver.