Santana Lopes e o partido Aliança*

(Por Carlos Esperança, 15/02/2019)

santanax

Após ter perdido a presidência do PSD para Rui Rio, o político com mais fracassos em lugares de gestão, lançou-se na aventura de um novo partido. O Menino Guerreiro quis travar o último combate, com destino incerto. Não lhe faltou a comunicação social, que sempre lhe deu o colo que implorou quando, depois de demasiadas trapalhadas, teve de ser demitido de PM, através do instrumento legal de que um PR dispõe, a dissolução da AR.

A ideia mais inovadora enunciada foi a de que “todos devem ter o seu seguro privado de saúde”, baseada no pior modelo, o norte-americano, o mais caro, ineficiente e injusto de todos os países desenvolvidos. Ignora que, em Portugal, a maioria das queixas é contra os prestadores privados da saúde, useiros e vezeiros a transferir doentes para o SNS, em situações limite para as quais parasitam o sistema público.

Dito isto, há de reconhecer-se que, no campo ideológico, Santana Lopes foi o único que apresentou uma ideologia clara nos partidos da direita portuguesa. É abertamente liberal e vai neutralizar o partido Iniciativa Liberal, há muito em gestação. Leva como número dois o ex-ministro, compadre, amigo e alter ego de Durão Barroso, embaixador Martins da Cruz. O seu partido será claramente liberal, no campo económico, o que era desejado e não foi conseguido por Passos Coelho, no PSD, e tentado por Manuel Monteiro, com laivos de extrema-direita, no CDS. Há eleitores disponíveis entre os inimigos da Saúde e Educação públicas e do peso excessivo da Administração Pública.

Santana Lopes, rodeado de desconhecidos e de conhecidos pouco recomendáveis, adota a defesa do neoliberalismo e ensaia o euroceticismo que o CDS, através de Nuno Melo, com a sua solitária eleição em perigo, para o Parlamento Europeu, também alardeou.

Santana Lopes parte para a defesa do neoliberalismo levando a caução moral de Durão Barroso, através de Martins da Cruz, e o coração de Passos Coelho, que viu o predileto ex-autarca de Loures, André Ventura, abraçar a criação de outro novo partido – Chega –, abertamente fascista, o que é prematuro em Portugal e sem apoio do PR, que sabe bem o que é o fascismo e o enjeita.

A maior surpresa das próximas eleições europeias, onde se ensaia a correlação de forças das variantes da direita portuguesa, seria não haver surpresas. O antieuropeísmo do país que tem sido beneficiário da UE é o nacionalismo suicida que a direita mais extrema exibe.


Aliança* é o nome do partido de Santana Lopes (não confundir com a Companhia de Seguros do mesmo nome).

Amigos para sempre

(In Blog 77 Colinas, 11/11/2018)

Amigos para sempre II

TRRIIIMMMM!!!
– Estou.
– Olá River, aqui fala o Santana Lopes, posso falar em português?
– Deutsch sprechen
– 操你的談話。
– Não pá, não quero chop suey, desculpa, mas eu pensei que estava no estrangeiro
– Então River, já arranjaste mais outro secretário-geral?
– Mandei o Silvano tomar um banho de imersão de ética e vou reciclá-lo
– Os teus amigos do PSD é que ainda te vão reciclar
– Não sou como os iogurtes, tenho mais de 30 dias de validade
– Pois é, olha lá uma coisa, o que é essa treta do “Chapa ganha chapa gasta”?
– Referes-te ao OE2019?
– Claro. Não sou economista como tu, mas isso não quer dizer despesas iguais às receitas?
– Obviamente
– Então, isso significa défice zero. O teu amigo Costa está a dar-te um grande baile
– Mas eu quero mais do que isso, quero que a chapa ganha seja maior que a chapa gasta
– Bolas pá, isso não é superavit? Queres que o país dê lucro? Isto não é nenhuma empresa
– Quero lá saber, eu quero é conseguir prometer mais do o Costa faz. Já reparaste que nem a Cristas se lembrou disto? O Nobel da economia já cá canta. Corta-se na chapa gasta e pronto, está feito
– Deve ser do Iogurte de 30 dias, mas parece-me que estás a ficar pírulas. Então a educação, a saúde, as forças armadas e essas tretas todas?
– Educação para quê? Para depois me contestarem? Vamos manter o pessoal ignorante. Tal como no tempo do “Botas”, saber ler e contar é o suficiente.
– E a saúde?
– Saúde? Esse pessoal todo a meter baixa?  Arranja-se outra PIDE/DGS que lhes trata da saúde
– E as Forças Armadas?
– Aquelas fisgas do Cavaco são o suficiente
– Ó River, tu estás mesmo bem?
– Acho que sim
– Então, porque é que tens uma banana na cara?
– É o meu telemóvel
– Olha! É igual ao meu
– O nosso psiquiatra já chegou?
– Ainda não, mas cuidado que os seguranças andam aí
– E diz o segurança: “Quem é que os mandou tirar os coletes de forças, um ao outro?”

A política “patriótica e de esquerda” onde menos se espera

(Pacheco Pereira, in Sábado, 20/09/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Li o manifesto da Aliança, o que presumo pouca gente se deu ao trabalho de fazer. É um documento interessante, que não está mal redigido, embora seja caótico na sua sistematização, misturando propostas concretas com lugares-comuns, e não tenha praticamente ideias nenhumas, o que não me surpreende.

A Aliança é um partido à volta de um homem e esse homem nunca teve um ideário consistente, muito menos um ideário social-democrata, e ainda menos um ideário liberal.

Se é assim por que razão digo que é interessante? Porque as únicas posições anómalas no meio daquele vazio e dos lugares-comuns são muito próximas das do Bloco de Esquerda e do PCP, o que em si não tem mal nenhum. E representam críticas de fundo ao governo PSD-CDS e a Passos Coelho nos anos da troika. O que acho estranho é que aqueles que salivam com os problemas de “identidade” do PSD, e que nos últimos anos nunca o fizeram quando o partido sofreu um desvio considerável em relação às suas raízes e identidade, aqui sem aspas, não digam nada.

Essas posições da Aliança são uma crítica global à União Europeia e à sua política do Eurogrupo e da troika:

Os seis Estados fundadores tinham níveis elevados de desenvolvimento. Os alargamentos quiseram tratar todos por igual e as economias do Sul sofreram um grande impacto. Hoje os juros de empréstimos concedidos pelos consócios ricos aos consócios mais frágeis, consomem recursos de que estes tanto precisam para satisfazer necessidades básicas. 

Portugal tem-se dado ao luxo de estar na linha da frente da aplicação de deliberações da União Europeia que têm prejudicado importantes unidades do sistema económico e financeiro. Foi assim na agricultura, foi assim nas pescas, foi assim na indústria, foi assim no sistema bancário. Temos de exigir à União Europeia que apoie metas quantificadas de Desenvolvimento e não metas castradoras desse Progresso. Precisamos de verdadeiros programas de desenvolvimento global e não só de fundos estruturais sectoriais.

(Sublinhados meus.)

No essencial é o mesmo do que diz o PCP sobre a sua política “patriótica e de esquerda”, e tem implícita a ideia da renegociação da dívida como propõe o Bloco:

Pugnamos por políticas de consolidação da nossa dívida que não limitem tanto a nossa margem de manobra orçamental em matérias ligados a questões vitais para os cidadãos. Reduzir o esforço anual nos encargos da dívida é essencial. 

É difícil tomar isto a sério e provavelmente é mais um exemplo da sucessão de posições contraditórias do documento, mas é o que está lá escrito.

A Aliança escreve em “acordês”… 
…e não é mau lembrar que o seu mentor, que está sempre a apresentar-se como exemplo das virtudes da tradição e da Pátria, é um dos principais responsáveis pelo Acordo Ortográfico que abastardou o português e é um dos maiores desastres da nossa diplomacia lusófona.

Foto: Susana Villar

Pobre destino da palavra liberal 
Se há palavra digna em política é (era) a palavra liberal. No caso português a sua tradição era uma das melhores: homens como Herculano e Garrett e muitos outros lutaram por ela de armas na mão, no exílio, fugindo a todas as perseguições. O seu sentido era essencialmente político, homens que amavam a liberdade. Sim, liberdade era a essência de se ser liberal. Havia também uma ideia da liberdade económica que vinha em complemento da liberdade política. Implicava uma valorização da livre iniciativa, do mercado e uma crítica ao Estado e à sua excessiva intromissão na vida dos cidadãos. Mas, num caso e noutro o mais importante critério de aferição era a liberdade, esta ou aquela proposta dá mais liberdade aos indivíduos ou não? Como estamos longe desta génese quando hoje se usa a palavra liberal para algo que de há muito perdeu este sentido essencial de liberdade!


O destino do juiz proposto por Trump 
Pode acontecer que as acusações de comportamentos de natureza sexual inapropriados com mulheres do jovem Kavanaugh, num contexto não muito diferente das praxes, não tenham a gravidade que o nosso olhar de hoje, muito mais severo sobre estas matérias, lhes atribui. Se forem verdadeiros os testemunhos, e tudo indica que são, e se essas mulheres mostrarem que as suas vidas foram afectadas pelos actos de Kavanaugh, então trata-se de acusações sérias. A ideia de que tal poderia ter acontecido, “mas foi há muitos anos”, como fazem os republicanos para diminuírem a gravidade das acusações, esconde um segundo problema para um juiz proposto para o mais importante tribunal americano – é que nesse caso Kavanaugh está a mentir.