Eleiçoes parlamentares 2024: Uma questão em aberto

(Por Vital Moreira, in Blog Causa Nossa, 11/03/2024)

Vital Moreira

1. Mesmo antes do apuramento final dos resultados (neste momento estão por apurar  os círculos do exterior, que elegem 4 deputados), tanto Montenegro como Pedro Nuno Santos deram como certa a vitória eleitoral da AD e a formação de governo pelo PSD. Ora, se a primeira parece assegurada, dada a vantagem existente, já não há certeza sobre se o PSD terá mais deputados do que o PS, dado o igual número neste momento existente (descontados os dois deputados do CDS no total da AD) e o número de mandatos ainda em aberto.

Sucede que as coligações eleitorais se extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais, que os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações, e que – mesmo que os deputados do PSD e do CDS se viessem a juntar num único grupo parlamentar (o que nunca aconteceu) -, quem é convidado a formar os governos são os partidos – como expliquei AQUI já em 2015 -, pelo que, se o PS viesse a ser o maior partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em primeiro lugar.

2. Aparentemente, porém, PNS não equaciona tal hipótese, e mesmo que ela que se viesse a verificar, tudo indica que preferiria não formar Governo, porque este seria, quase de certeza, chumbado pela direita reunida e, na falta de alternativa parlamentar, correria o risco de ficar como governo de gestão durante seis meses, sem condições de governabilidade, até serem possíveis novas eleições.

É uma hipótese decididamente pouco atraente para o líder socialista, mais interessado em liderar a oposição a um frágil governo da AD, eventualmente “aditivado” pela IL, mas politicamente dependente do Chega. Em todo o caso, ao assumir a derrota no encerramento da jornada eleitoral de ontem, PNS renunciou antecipadamente a tal solução, mesmo que o PS venha a ter mais mandatos do que o PSD.

Adenda 1

Não faz sentido considerar a AD na distribuição dos mandatos parlamentares, como o Observador faz (e também o Público e o Expresso), por duas razões: (i) como coligação eleitoral, a AD terminou ontem: (ii) os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações. Portanto, em vez de atribuir 79 deputados à AD, o correto é atribuir 77 à PSD (empate com o PS) e 2 ao CDS. Um pouco mais de rigor jornalístico, sff!

Adenda 2

Um leitor observa que a AD nem sequer ganhou as eleições, se descontarmos os votos da Madeira, onde a AD não concorreu, sendo substituída por uma coligação PSD-CDS, pelo que «os seus votos e os deputados têm de ser contabilizados separadamente, e não somados aos da AD». Tudo somado, «neste momento, sem contar os votos da emigração, a AD não ganhou as eleições, por ter menos votos e menos deputados do que o PS a nível nacional». É verdade que nos resultados oficiais das eleições, os votos da AD vão aparecer separados dos da coligação PSD-CDS na Madeira, por se tratar de duas candidaturas diferentes, não somente quanto ao nome mas também quanto à sua composição.

Fonte aqui


Eleições parlamentares 2024: Os vencedores

1. O principal vencedor político destas eleições antecipadas é obviamente o Chega, que quadruplica o número de deputados, vence num círculo eleitoral (Faro) e é segundo em vários círculos eleitorais (incluindo Setúbal!).

Não é a primeira vez que um terceiro partido se aproxima dos 20%, pois tal já se tinha verificado em 1979, com o PCP, e em 1985, com o PRD. Todavia, deste vez, ao contrário das anteriores, o Chega integra-se num movimento transnacional da direita radical populista, que parece não ter nada de conjuntural. É possível, portanto, que este sucesso Chega signifique uma verdadeira alteração estrutural do sistema partidário em Portugal.

Mesmo que não venha a entrar no Governo, o Chega vai obviamente condicionar politicamente o frágil Governo do PSD que sai destas eleições.

2. Não poderia ser mais modesta a vitória da coligação AD, protagonizada pelo PSD, e pelo líder deste, Luís Montenegro. Além de ter ficado bem longe de uma maioria parlamentar, a AD não superou em muito a percentagem do PSD sozinho em 2022 e é a segunda marca mais baixa de um vencedor das eleições desde 1985 (PSD, com Cavaco Silva).

Mesmo em coligação com a IL, o Governo dos partidos da AD não supera parlamentarmente o conjunto das esquerdas, o que pode obrigá-lo a compromissos comprometedores com o Chega. Se o PS adotar uma oposição pouco colaborativa, como parece ser o propósito de PNS, não vai ser um exercício governativo fácil, nem provavelmente muito duradouro.

3. Por último, mas não em último lugar, outro vencedor das eleições, ainda que não fosse candidato, é Marcelo Rebelo de Sousa, que, com a intempestiva interrupção da legislatura, conseguiu fazer afastar o PS do Governo e recolocar o seu partido no poder, oito anos depois. Embora um tanto amarga – vitória eleitoral “à tangente”, vitória política do Chega, problemáticas condições de governo -, não deixa de ser um triunfo.

Cortesia de Belém, a direita conseguiu realizar o seu sonho de poder: maioria parlamentar (contando o Chega), Governo e  presidência da República.

Fonte aqui


Eleições parlamentares 2024: Os vencidos

1. O principal vencido das eleições parlamentares indevidamente antecipadas é indubitavelmente o PS, que não só perdeu as eleições, embora por pequena margem, como fez o segundo pior resultado da sua história (somente mais baixo em 1985) e perdeu 13 pontos percentuais em relação às eleições de há dois anos (28,5% contra 41,5%).

A derrota é tanto mais grave quanto o PS tinha “obrigação” de ganhar estas eleições – como defendi AQUI -, tendo em conta o desempenho francamente positivo da governação socialista, em termos de crescimento económico e emprego, aumento de rendimentos (salários e pensões), saldo orçamental positivo e redução da dívida pública, avanços no Estado social (salário mínimo, abono de família, creches gratuitas, apoio às rendas, etc.), diminuição do IRS, prestígio na UE.

Se, num sistema político de tipo parlamentar como o nosso, as eleições são, antes de mais, um julgamento do Governo cessante e do partido governante, há uma manifesta contradição entre as boas provas dadas pelo PS neste oito anos, e especialmente nos últimos dois anos, e o pesado “chumbo” eleitoral que acaba de sofrer.

2. Face a esta inesperada derrota – aliás acompanhada por uma clara redução do voto agregado das esquerdas -, o PS precisa de fazer uma reflexão interna séria, não somente sobre as razões deste desaire (entre as quais se conta certamente a errada aposta numa impossível “maioria de esquerda” e na repristinação da “Geringonça”, como assinalei em devido tempo), mas também sobre o reduzido apoio eleitoral entre categorias sociais importantes, como são a juventude e os mais instruídos (os licenciados), como mostram os inquéritos de opinião que foram sendo publicados antes e durante a campanha eleitoral.

Se não conseguir compreender e superar a alienação de grupos sociais politicamente tão decisivos como esses, o PS corre o risco de não recuperar eleitoralmente e de ficar fora da área do poder por mais do que a próxima legislatura.

3.  Outro perdedor claro das eleições é o PCP, que dá mais um passo no caminho do declínio, perdendo votos e deputados, incluindo nos seus antigos bastiões políticos, como o Alentejo (ficando sem representação em Beja!) e Setúbal.

Para agravar as coisas, há boas razões para temer que uma parte das perdas do PCP não foram para o PS e outros partidos de esquerda, mas sim para o Chega, replicando uma transferência que se tem observado noutras geografias, como em França ou em Itália. Junto com o PS, o PCP torna-se a principal vítima da grande deslocação à direita que estas eleições significam.

Em todo o caso, não deixa de ser inquietante ver definhar inexoravelmente o principal combatente da ditadura do “Estado Novo” e um dos fundadores históricos do atual regime democrático.

Fonte aqui


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Sócrates reclama do silêncio da PGR

(José Sócrates, in Facebook, 16/01/2024)

Senhora Procuradora-Geral

Apresentei recentemente perante si, Senhora Procuradora-Geral, reclamação hierárquica relativa ao comportamento dos procuradores na investigação do chamado “processo EDP” (ver aqui). O seu gabinete encaminhou-a para o senhor diretor do DCIAP, comunicando-me que é ele o superior hierárquico dos referidos procuradores. Nunca mais tive qualquer resposta, vão lá mais de quatro meses. Ninguém respondeu. É verdade que o jornalista do “observador”, publicou recentemente um artigo sobre a minha carta, mas essa resposta não posso considerá-la como oficial. Ainda não chegámos aí.

Vejo-me, portanto, na obrigação de voltar à casa de partida e apresentar perante si nova reclamação hierárquica por ausência de resposta … a uma reclamação hierárquica. Não vejo outra possibilidade, considerando que a Senhora Procuradora é o topo da hierarquia do Ministério Público.

Por favor, gostaria que informasse o senhor diretor do DCIAP de que a resposta a uma reclamação hierárquica não é facultativa, é obrigatória. Que não depende dos seus humores, mas faz parte dos seus deveres. E, já agora, visto que vem a propósito, desejo juntar à suspeita de viés político na investigação do processo EDP, que está na base da referida reclamação, uma outra informação que entretanto foi tornada pública pela revista “Sábado “– um dos procuradores do processo EDP desempenhou funções de assessor num gabinete ministerial no Governo PSD-CDS. Repito: um dos procuradores foi assessor num governo PSD-CDS.

Este facto, Senhora Procuradora-Geral, este simples facto, devia levar a Procuradoria a olhar a suspeita de motivação política com outros olhos.

Veja bem. Primeiro facto, o alegado favorecimento à EDP por parte de um governo socialista é investigado há doze anos por um antigo assessor do governo do PSD-CDS. Absolutamente extraordinário.

Segundo facto, esse mesmo procurador, que ocupou funções num gabinete de um governo PSD-CDS, decidiu não investigar o financiamento da campanha eleitoral do PSD de 2015.

Finalmente, esse é também o procurador que abriu um inquérito crime contra o atual primeiro-ministro socialista, criando uma crise política, fazendo cair o Governo e provocando eleições antecipadas. Julgo que nada mais é preciso dizer.

Aguardo notícias suas, Senhora Procuradora-Geral.

Cumprimentos.

José Sócrates

P.S. – Tornarei pública esta reclamação.

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A gripe, o Chega e O Capital

(Raquel Varela, in raquelcardeiravarela.wordpress.com, 15/01/2024)

Poucas coisas na vida me foram tão úteis como o ano que passei a estudar a teoria do valor de Marx, só o trabalho produz valor. Ler isto é um coisa, compreender (trazer para si, dominar) é outra. Levou-me um ano de ler e reler, fazer esquemas, desenhar gráficos, apoiar-me em artigos. Como fui expropriada da matemática aos 14 anos pelo sistema de ensino, e a filosofia que estudei foi dogmática e pós-moderna, foi-me difícil compreender que as crises não são de super produção de mercadorias mas de super produção de capital, e que esse movimento, dos donos do Estado e dos meios de produção, tem um impacto determinante a cada passo da nossa vida. De como amamos a como recuperamos ou não de uma gripe, se temos crises de ansiedade ou alegria de esperança.

Leio nos media – não usei a palavra jornalismo de propósito – que a gripe este ano é estranha, dura 3 semanas…

Ora, em qualquer romance do século XIX se pode ler que a gripe dura 3 a 4 semanas, repouso mandava-se então, um mês. Todos os que já tiveram gripe, não mera constipação, sabem que a coisa dura 3 a 7 dias de sintomas mais duros, seguidos de 2 a 3 semanas de cansaço e lenta recuperação, tosse.

A gripe não tem nada de novo – nem a dominação pelo medo. A Igreja dominou séculos com a noção de pecado, que implicava também medo do corpo, do desejo, até de sentir que estamos vivos, de sentir o corpo (e sentimo-lo mais quando estamos doentes). Hoje o medo continua nos anúncios catastróficos do fim do mundo ao fim da espécie, e claro, o maior medo, o desemprego. É preciso espalhar medo e não esperança. O fim absoluto e não soluções reais.

Nas sociedades atrasadas camponesas guardava-se galinha e descanso para quem tinha gripe, no capitalismo é suposto quem trabalha engolir benurons (que no limite até podem atrasar a cura, uma vez que a inflamação e a temperatura são respostas do organismo para atacar virus e bactérias) e voltar a trabalhar passados 3 dias para que os proprietários do Estado, empresas e fábricas não fiquem ansiosos com os valores oscilantes da bolsa, a febre do capital.

O Chega tem o programa político do PS e do PSD – privatizar tudo e baixos salários – com alguns laivos de delírio – vender escolas a professores – mas soma-lhe medo, muito medo. Por baixo de fatos e gravatas, os corpos de violência dos seus militantes, a linguagem agressiva, o olhar fanático, sobressaem. É terror, não é política.

Como toda a extrema-direita em todo o mundo a ideia é espalhar o terror a quem trabalha – Milei na Argentina acabou de anunciar 6 anos de prisão para quem organiza protestos. Felizmente na Argentina a resposta tem sido manifestações gigantescas – ontem um amigo inglês, na manifestação da Palestina, perguntava-me perplexo porque não há manifestações em Portugal contra o Chega? Explicava ele que em Inglaterra os partidos de esquerda realizaram manifestações sistemáticas contra a extrema-direita e que isso, na opinião dele, foi fulcral para que o Reino Unido seja um dos raros países onde não se consolidou um Partido neofascista.

Ele tem razão, e não tem. Por um lado é incrível que não tenham existido manifestações contra o Chega, significa que os sectores democráticos aceitam o veredicto do Estado – é legal, legítimo. Não é.

Mas por outro ele esquece-se que o sistema eleitoral britânico não permite a extrema direita chegar aos dinheiros/aparelho de Estado. E aqui sim. Infelizmente a esquerda aqui também ficou adormecida nas política parlamentares, esqueceu os locais de trabalho e as ruas. Todo de passa nas eleições, onde cada vez sabemos se passa/muda menos.

Em Portugal, o PS tem levado a cabo a estratégia de manter o pagamento da dívida, destruindo os serviços públicos, vender casas a fundos imobiliários e estrangeiros em fuga a impostos, obrigando as pessoas a migrar ou viver como animais, apoiar Israel no genocídio que leva a cabo, aumentar orçamento para a guerra na Ucrânia, destruindo o país, apoiando a NATO, impedindo uma solução de paz negociada.

E claro, manter a política de baixos salários aumentando apenas o salário mínimo, esmifrando todos os outros trabalhadores, de médicos a professores, operários etc que ganhem mais de 1000 euros, que vão perdendo salário todos os anos com a inflacção que aumenta os lucros. 10% dos proprietários em Portugal têm agora 60% da riqueza (segundo o grupo do Piketty).

Esta política do PS levou-o a ter como única política junto de quem trabalha em Portugal o medo. O PS tem levado ao colo nos media (media que estão em grande medida sob a sua influência) não só a normalização do Chega mas a sua divulgação. O Chega é o seguro de vida do PS. Como Le Pen é de Macron, o Trump é de Biden, o Vox é do PSOE.

O PS acena-nos com o fim do mundo – o Chega – e assim o Chega tem ganho votos, não só nos empreendedores frustrados, nos pequenos empresários arruinados, que julgavam que um dia o capitalismo mundial os deixaria ascender a grandes capitalistas (não leram nem compreenderam o Capital), como em franjas da população que vê, come, escuta, olha o Chega a cada 5 minutos nos 4 canais e nos jornais.

Os media em Portugal são hoje também o jornal do Partido Chega: o que o Partido diz, faz, quer, vem nos jornais públicos. O Partido sequer precisa de ter um jornal próprio ou assessores de comunicação (tem-nos para a área das redes sociais, com militantes falsos/robots) porque o Chega tem no PS e nos media o seu maior divulgador.

Dificilmente, mesmo com toda esta voz pública ,o Chega num país com escassa pequena burguesia irá passar os 20%. Mas isso significa que terão acesso a rios de dinheiro no Parlamento e no aparelho de Estado. O monstro pode se tornar um pouco maior do que espera o PS, e quem sabe até um dia engolir o PS. Não teria pena nenhuma se não significasse que assim o país que está destruído por anos e anos de PS e PSD não passasse com o Chega a ser um país destruído mas sem liberdade, com violência, com terror – o Chega não é o combate à corrupção, é a face do terror. É a pequena burguesia desesperada na concorrência do mercado mundial à procura de por todos os meios ter lucro. É a censura na lei, a proibição de manifestações, e o uso de jagunços, lumpens, para aterrorizar sindicatos.

Quem é de esquerda e democrata sabe que isto só se combate nas ruas e na organização nos locais de trabalho, e nos bairros. Sem organização que seja autónoma do Estado não nos livraremos do Medo (PS) e do Terror (Chega). Não são nem estas eleições, nem este Parlamento nem esta ausência de esfera pública (media) que nos assegurará a liberdade, que está hoje mais perto de estar ameaçada.

Urge criarmos Esperança, Futuro, Solidariedade e Cooperação. Organizar a malta. Rapidamente, e já vamos atrasados.


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