Polónia — a raposa no galinheiro

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 14/03/2023)

A Polónia está a caminho de se tornar a maior e mais sofisticada potência militar não nuclear da Europa. A militarização da Polónia não se baseia apenas, nem no essencial, na preparação para quaisquer ameaças que venham do Kremlin, mas reflete uma estratégia de ocupar o centro do poder na Europa Central e servir de ponta de lança do plano de longo prazo enunciado por Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Defesa dos Estados Unidos, há vinte e cinco anos, após o fim da URSS, na Conclusão do seu livro: «The Grand Chessboard»: Está na hora de os Estados-Unidos formularem e porem em prática uma geoestratégia de longo prazo na Eurásia. Esta necessidade resulta de duas realidades: A América é doravante a única superpotência mundial e a Eurásia é o palco principal do planeta (… ) A estabilidade da supremacia dos EUA sobre o mundo dependerão do modo como os EUA souberem manipular ou souberem satisfazer os principais atores geoestratégicos no tabuleiro. (…) O centro da Eurásia — espaço compreendido entre a Europa e a China só continuará a ser um “buraco negro” enquanto a Rússia não tiver resolvido os seus conflitos e decidido qual a sua atitude na cena internacional… Este livro tem como subtítulo «American Primacy and Its Geostrategic Imperatives» (1997) — A supremacia americana e os seus imperativos estratégicos.

A militarização e a americanização da Polónia é, tal como a guerra provocada na Ucrânia, uma jogada no xadrez pelo domínio da Ásia Central por parte dos Estados Unidos no seu conflito com a Rússia, impedindo-a de estabelecer alianças com a Europa Ocidental através de relações privilegiadas com a Alemanha. A Rússia tinha como estratégia uma aliança com a Europa através da Alemanha (que para a Rússia era a Europa), os Estados Unidos têm como estratégia utilizar a Polónia para impedir essa aliança, pressionar e desgastar a Rússia, de modo a impedir a constituição de um poder — de uma superpotência que pudesse constituir o terceiro vértice de um triângulo de que os outros dois seriam os EUA e a China.

O governo de Angela Merkel estava ciente destas estratégias e destes conflitos de interesses. No Verão de 2022, na sequência de um longo processo, a Alemanha aprovou a maior despesa para o aparelho militar nos últimos 83 anos, isto é, desde o nazismo, da ordem dos 100 mil milhões de Euros, o que representa 2% do seu orçamento. Aumentará as suas despesas militares dos 50 mil milhões anuais de euros para 70 mil milhões e com este plano a Alemanha pretendia ser a maior potencia militar europeia. Esta era a intenção dos dirigentes alemães que, para não ofenderem os Estados Unidos, lhes iriam comprar o material, incluindo o que a Alemanha fabrica ou isoladamente ou através de consórcios. A Alemanha aceitava enfraquecer a indústria militar europeia — que constrói aviões de combate e de transporte (Eurofighter e A-400, helicópteros — Eurocopter), navios e submarinos, por exemplo, a troco de os americanos os deixarem ser o pivô da Europa.

Mas para o papel de guarda avançada na Europa Central, os Estados Unidos tinham outra peça de serventia mais fiável e submissa: a Polónia.

No início de 2023 a Polónia anunciou o seu programa de militarização e americanização com a maior aquisição de armas convencionais americanas da história. Este mês de Março, Varsóvia assinou um contrato de US$ 4,75 mil milhões em mísseis Patriot, lançou as bases para sua maior compra de tanques de todos os tempos, encomendando 250 tanques M1 Abrahms dos EUA. Comprou 180 Carros de Combate K2 à Coreia do Sul, e outros 400 até 2030. Além disso, a Polônia comprou 48 aeronaves de ataque FA50, 1.400 Blindados de combate de Infantaria, aumentará os seus efetivos para 400.000 e atribuirá entre 3% e 4% do seu orçamento em despesas militares No curto prazo, a Polónia adquiriu 500 HIMARS dos EUA.

Para além destas aquisições de armamento convencional americano — com os consequentes benefícios para o complexo militar industrial dos EUA e para a sua balança comercial, a Polónia ratificou a presença permanente do 5º Corpo do Exército dos EUA, aceitou a instalação de bases para armamento nuclear e estreitou os laços crescentes com os militares britânicos, os tradicionais agentes dos EUA na Europa.

A opção da Polónia pelos Estados Unidos merece ser analisada e ajuda a perceber o mundo no curto e médio prazo. A primeira conclusão a tirar desta opção da Polónia pela estratégia dos EUA é que a União Europeia com estes membros não necessita de inimigos para se tornar irrelevante e até sem qualquer préstimo, para ser um pequeno casino de burgueses decadentes.

A Polónia é um estado-nação muito recente, surge em 1918, na sequência de reorganização europeia após a IGG, enquanto entidade politica com os atributos de um estado-nação do tipo europeu ocidental. Antes os territórios e os povos haviam estado envolvidos nas turbulências das relações entre a Rússia e a Prússia, e também das guerras napoleónicas.

A integração da Polónia como estado vassalo de primeira linha dos EUA, a par da Inglaterra, merece reflexão aos outros estados da união Europeia e aos dirigentes desta, se tivessem engenho para tal. Devemos interrogarmo-nos, os europeus ocidentais, os europeus mediterrânicos, que União é esta em que alguns dos seus membros preferem estar debaixo do domínio dos EUA do que participar no esforço coletivo europeu de desenvolver um espaço político e social de defesa de direitos e de solidariedade, fora das imposições estratégicas da maior e mais agressiva potência imperial? Outra questão que a americanização e militarização da Polónia coloca é da posição da Alemanha, o “motor da Europa”. A militarização da Polónia significa que os Estados Unidos criaram um contraponto aos alemães, um estado-polícia que limitará a autonomia política e estratégica dos alemães (que já era pouca). Condicionada pelo poderio militar da Polónia, a Alemanha perderá acesso aos grandes mercados e aos grandes negócios na Europa e no mundo, com as consequências previsíveis no seu desempenho económico. A melhor estratégia para reduzir a Europa a um subúrbio americano é manietar a Alemanha, debilitá-la economicamente. É um dos papéis que os EUA atribuíram à Polónia. O outro é, obviamente, servir de guarda avançada na Eurásia. Para os EUA a eleição da Polónia como o seu xerife local tem ainda a vantagem de esta não pertencer à zona euro e ser, portanto, muito mais permeável às estratégias do dólar para se manter como moeda de troca mundial!

A Polónia tem todo o direito de defender o que considera serem os seus interesses, mas os europeus de outros estados e a União Europeia (o que resta dela) também, e não é aceitável (porventura a UE já aceita tudo) que estes tenham no seu seio quem apenas utiliza a União em seu proveito (uma vaca leiteira), sujeitando-se ao domínio de uma entidade estranha e não em se integrar num esforço comum europeu.

O alargamento da U E a todo o vapor promovido pela Inglaterra (por Blair, o serviçal sorridente) foi efetuado para dar estes resultados. Esta U E, com a Polónia a fazer o papel de grupo Wagner dos EUA, é um corpo em decomposição. É altura de pensar numa outra entidade que agrupe os estados ocidentais — uma entidade mais pequena, mais coesa, mais autónoma. A realidade é a existência de várias Europas. A Polónia e a Alemanha demonstram-no e estes programas de militarização de acordo com a estratégias dos EUA de satelizarem os estados europeus conduzem a um confronto que os favorece dentro do principio de dividir para reinar.

Para já, no Leste europeu, temos dois grandes estados historicamente inimigos poderosamente armados e a servirem interesses divergentes. Uma bela mecha para incendiar uma fogueira. A Leste, nada de novo…

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Terá Rumsfeld ressuscitado?

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 21/02/2023)

A importância que a Administração Biden tem vindo a atribuir a Varsóvia sugere a intenção de aprofundar o projeto da “Nova Europa” proclamado por Rumsfeld há duas décadas, em detrimento das relações com os dirigentes da “Velha Europa”.


Embora não tenha sido o falecido Secretário de Defesa norte-americano Donald Rumsfeld o autor da expressão “Velha Europa”, foi ele quem a popularizou, no ido ano de 2003, quando procurava apoios internacionais para legitimar a invasão do Iraque, ao referir-se à oposição da Alemanha e da França a essa grosseira violação do Direito Internacional, que não lhe faltaram nos países do antecedente pertencentes à União Soviética ou ao bloco de Leste.

Afinal não havia uma, mas sim duas Europas. Uma “velha” e esclerótica, que jazia no Ocidente da península europeia e uma “nova” diligente, e cheia de energia situada a Oriente, manobrável sem restrições pelos EUA contra a Rússia, à cabeça da qual se encontrava a Polónia.

Dizia Rumsfeld que o centro de gravidade da NATO na Europa se tinha deslocado para Leste, onde “há muitos membros novos. O que vemos ao pegar na lista dos membros da NATO e dos que foram recentemente convidados? Vinte e seis, algo assim? A Alemanha tem sido um problema, a França tem sido um problema”. Rumsfeld terá mesmo chegado a dizer que estes países não eram importantes.

Biden está esta semana na Europa. Vai permanecer dois dias na Polónia, depois de uma visita surpresa a Kiev, onde estão previstas reuniões com o Grupo “Bucharest Nine”, uma organização informal fundada a 4 de novembro de 2015, em Bucareste, pelos presidentes da Roménia e da Polónia, que integra a Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia e Eslováquia. Ou, se quisermos, a “Nova Europa”.

Surpreendentemente, não se encontram previstos na agenda encontros com outros dirigentes europeus, nomeadamente franceses, alemães ou pertencentes às instituições europeias, nomeadamente da Comissão Europeia. Já em março de 2022, Biden tinha estado em Varsóvia.

A estratégia promovida por Washington de dividir a Europa em duas Europas passa por alimentar o revanchismo polaco, assim como as suas ambições geoestratégicas. Nesta senda, a Polónia tornar-se-á brevemente numa potência militar incontornável. As forças armadas polacas estão a modernizar-se a um ritmo estonteante. O orçamento de Defesa deverá chegar brevemente aos 4% do PIB. Varsóvia pretende criar o maior exército da Europa: 300 mil soldados contra os atuais 114 mil. “A Polónia tem aproximadamente três vezes mais carros de combate do que o Reino Unido (647 vs. 227) e encomendou centenas de carros de combate Abrams aos EUA e cerca de mil K2 à Coreia do Sul”.

A importância que a Administração Biden tem vindo a atribuir a Varsóvia sugere a intenção de aprofundar o projeto da “Nova Europa” proclamado por Rumsfeld há duas décadas, privilegiando as relações com a Polónia em detrimento das relações com os dirigentes da “Velha Europa”.

Com a guerra na Ucrânia, a ambição de autonomia estratégica europeia desvaneceu-se. A Europa deixou de ser percebida por Washington como um competidor geoestratégico e, consequentemente, como um “perigo”, tendo como alvos preferenciais a Alemanha e a França, por esta ordem. Por outras palavras, o eixo franco-alemão, ou, se quisermos, a “Velha Europa” perdeu relevância política e estratégica.

Há quem defenda ter sido a destruição dos Nord Stream (casus beli?!) o toque de finados no projeto europeu. Sem menosprezar a relevância geoestratégica do acontecimento, argumento que a maior ameaça ao aprofundamento do projeto europeu tem sido o apoio prestado por Washington às aspirações hegemónicas de Varsóvia, influenciadas pelas ideias do general Jozef Pilsudski, ou seja, à afirmação da “Nova Europa”.

O crescendo de arrogância e sobranceria de Varsóvia no relacionamento com Berlim é claro e evidente, por exemplo, na exigência de reparações de guerra no valor de 1,3 triliões de euros, ou nos termos diplomaticamente pouco elegantes como pressionou a Alemanha a autorizar a libertação de carros de combate para a Ucrânia.

A NATO e a União Europeia (UE) são e continuarão a ser a primeira opção estratégica de Varsóvia. Mas a participação da Polónia nesses projetos não visa a sua consolidação, mas beneficiar deles em proveito da afirmação das suas opções geoestratégicas, como se verifica nas suas aquisições de material militar noutras latitudes que não a europeia.

Estes desenvolvimentos – Velha e Nova Europa – não auspiciam um futuro promissor para os europeus, para o que muito contribuem as lideranças europeias, de forma geral medíocres e pouco esclarecidas, como ficou patente no discurso do Alto-Representante da UE Josep Borrell na Conferência de Segurança de Munique, em que defendeu a necessidade de rever a Carta das Nações Unidas.


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Tanques de guerra dos EUA instalados na Polónia

(Por Manlio Dinucci, in GlobalResearch)

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Em 12 de janeiro, dois dias depois de seu discurso de despedida, o presidente Obama deu vida ao maior deslocamento de forças terrestres na Europa Oriental desde o fim da guerra fria: um longo comboio de tanques de guerra e outros veículos blindados estadunidenses, proveniente da Alemanha, entrou na Polónia.


Trata-se da 3ª Brigada blindada, transferida para a Europa desde o Fort Carson no Colorado: composta de cerca de 4.000 homens, 87 tanques, 18 obuses, 144 veículos de comabte Bradley e centenas de  Humvees. Todo o armamento foi transportado para a Polônia por via rodoviária e 900 vagões ferroviários.

Na cerimônia de boas-vindas na cidade polonesa de Zagan, o embaixador dos EUA Jones disse que “na medida em que cresce a ameaça, cresce o deslocamento de forças militares dos EUA à Europa”. De que “ameaça” se trata, esclareceu o general  Curtis Scaparrotti, chefe do Comando europeu dos Estados Unidos e ao mesmo tempo Comandante supremo aliado na Europa: “As nossas forças estão prontas e posicionadas para o caso em que seja necessário contrastar a agressão russa”.

A 3ª Brigada blindada ficará em uma base em Zagan por nove meses, quando será substituída por uma outra transferida dos EUA. Através dessa rotação, forças blindadas estadunidenses serão permanentemente deslocadas para o território polonês. Daí suas subdivisões serão transferidas, para treinamento e exercícios, a outros países do Leste, sobretudo Estônia, Letônia, Lituânia, Bulgária, Romênia e provavelmente também a Ucrânia, ou seja, serão contiuamente deslocadas para as proximidades da Rússia.

Um segundo contingente dos EUA será posicionado no próximo mês de abril na região oriental da Polônia, no chamado “Suwalki Gap”, um pedaço de terra plana ao longo de uma centena de quilômetros que, adverte a Otan, “seria uma porta de entrada perfeita para os tanques de guerra russos”. Assim, é ressuscitada a parafernália propagandística dos EUA/Otan da velha guerra fria: o argumento dos tanques de guerra russos prontos para invadir a Europa. Agitando o espectro de uma inexistente ameaça do Leste, chegam à Europa os tanques de guerra estadunidenses.

A 3ª Brigada blindada se junta às forças aéreas e navais instaladas pelos Estados Unidos na Europa na operação “Atlantic Resolve”, para “proteger os aliados da Otan e os parceiros em face da agressão russa”. Operação que Washington lançou em 2014, depois de ter deliberadamente provocado, com o golpe da Praça Maidan, um novo confronto com a Rússia. A principal artífice dessa estratégia na administração Obama foi Hillary Clinton, visando a romper as relações econômicas e políticas da Rússia com a União Europeia, prejudiciais aos interesses estadunidenses.

Na escalada anti-Rússia, a Polônia desempenha um papel central. Por isto, receberá em breve dos EUA mísseis de cruzeiro com longo raio de ação, com capacidade penetrante anti-bunker, que podem ser equipadas com ogivas nucleares. Já está em construção na Polônia uma instalação terrestre do  sistema de mísseis Aegis dos Estados Unidos, semelhante à que já está em funcionamento em Deveselu, na Romênia. Esta também dotada do  sistema MK 41 da Lockheed Martin, em condições de lançar não somente mísseis antimísseis, mas também mísseis de cruzeiro equipáveis com ogivas nucleares.

Em Varsóvia e outras capitais do Leste – escreve o New York Times – há, porém, “forte preocupação acerca de um possível acordo do republicano Trump com Moscou que “minaria todo o esforço feito”. Um pesadelo atormenta os governantes do Leste que baseiam a sua sorte na hostilidade para com a Rússia:  o de que voltem para casa os tanques de guerra enviados pelo democrata Obama.


Fonte do Artigo aqui