Ontem, para fazer esquecer a melhoria da perspetiva da notação da dívida soberana pela agência americana Moody’s, surgida na véspera (ver aqui), apareceu a liderar a oposição de direita o rancoroso Professor Aníbal.
Substituiu Marcelo, convicto de que, à semelhança das águas residuais, que podem ser recicladas, os ativos tóxicos podem ser branqueados.
Aníbal Cavaco Silva, catedrático de Literatura pela Universidade de Goa, Grande Colar da Ordem da Liberdade por desvario de Marcelo, não se livrará do passado onde teve a sorte de as intrigas de Marcelo e as assinaturas falsas o fazerem, na Figueira da Foz, presidente do PSD contra o democrata João Salgueiro.
Marcelo, Júdice e Santana Lopes fizeram-no PM; Marcelo, Durão Barroso e Ricardo Salgado, ingratamente abandonado, prepararam na vivenda do último a sua candidatura vitoriosa a PR.
Mas não se julgue que o político videirinho foi apenas um salazarista beneficiado com a democracia, a que pretendeu abolir, conluiado com Passos Coelho, os feriados identitários do País, 5 de Outubro e 1.º de Dezembro.
Com o reiterado absentismo na Universidade Nova, para dar aulas na Católica, obrigou o reitor, Alfredo de Sousa, que o fizera catedrático, a levantar-lhe o processo disciplinar que o despediria por faltas injustificadas. Teve a sorte de ter como ministro da Educação João de Deus Pinheiro que lhe relevou as faltas e receberia em recompensa o Min. dos Negócios Estrangeiros.
O ressentido salazarista não foi apenas venal na docência, “mísero professor” no léxico cavaquista, foi igualmente no negócio das ações da SLN, para ele e filha, e no suspeito negócio da Vivenda Gaivota Azul, na Praia da Coelha.
Apesar de exigir que se nasça duas vezes para alguém ser tão sério como ele, há boas razões para pensar que sobra uma. Os seus negócios foram tão nebulosos como as razões do preenchimento da ficha na Pide, com erros de ortografia.
Ontem, o Professor Aníbal veio bolçar o ódio que o devora, depois de ter sido obrigado a dar posse ao primeiro Governo de António Costa, de ter então esbracejado e denunciado à União Europeia o perigo de um PM apoiado pelo PCP e BE. Exigiu que António Costa pedisse a demissão, apareceu nas televisões, rádios e cassetes piratas, e regressou aos sais de fruto enquanto a oposição de direita continuará a ser liderada por Marcelo.
O homem é assim, o salazarista inculto e primário que o marcelista culto, empático e igualmente perverso está a substituir com mais êxito.
Na caça, quando um caçador atira a uma perdiz brava em voo, acontece por vezes que não lhe acerta em cheio, mas apenas na asa, e a perdiz, apesar de ferida, continua a voar. O caçador sabe que ela está condenada, ela não. E por isso o caçador tenta imediatamente acertar-lhe novo tiro, o de misericórdia, mas também o que fará com que ela vá cair a uma distância capaz de ser “cobrada” por ele ou pelo seu cão.
De outro modo, a perdiz continuará a voar, impelida pelo balanço que leva e tirando partido do vento, até finalmente pousar fora de alcance. Então julgar-se-á a salvo, mas não está: se consegue manter o voo só com uma asa e sobreviver no chão, uma perdiz não consegue, porém, levantar voo só com uma asa, e o voo é a sua defesa. Ferida de asa, no solo, a perdiz, como dizem os caçadores, “fica para a raposa”. Para a raposa, para o saca-rabos, para o javali, para o lince, para a águia, para qualquer predador.
Não será exactamente assim na política, mas eu lembrei-me exactamente disto quando vi Luís Montenegro em claro desassossego para conseguir explicar a Bernardo Ferrão, na SIC, os seus negócios de advogado com as Câmaras de Espinho e Vagos. Quanto mais ele se abespinhava e exaltava, declarando não admitir a ninguém dúvidas sobre a sua conduta, mais eu via ali um voo de perdiz atingida por um tiro na asa. Porque aqui não há qualquer dúvida quanto aos factos, incontestados pelo próprio: durante os anos em que esteve afastado da política, o escritório de advogados de que o agora presidente do PSD detinha 50% de quota celebrou vários contratos de prestação de serviços jurídicos com as câmaras, à frente das quais estavam amigos, conterrâneos e correligionários de partido seus. O escritório facturou com isto mais de 400 mil euros e, uma vez regressado Montenegro à política como presidente do partido, fez do presidente da Câmara de Vagos membro da direcção do partido e do da Câmara de Espinho, que entretanto perdera a reeleição, vice-presidente da sua bancada parlamentar e presidente da comissão parlamentar de revisão constitucional. Tudo isto é absolutamente legal e juridicamente inatacável. Porém…
ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO
Porém, como Luís Montenegro facilmente percebe e sabe que nós percebemos, a questão está em saber se ele e o seu escritório de advogados foram contratados por aquelas duas câmaras municipais por à frente de ambas estarem dois amigos e colegas de partido. Para quem, como eu, vê como um dos maiores perigos nas constantes tentativas de regionalizar o país o compadrio entre amigos e correligionários políticos que fatalmente se instalaria na distribuição de cargos, subsídios e dinheiros públicos, esta questão é tudo menos menor. Ora, para melhor se defender, Montenegro realçou que apenas tinha celebrado contrato com aquelas duas câmaras. Justamente: eis o que agrava a suspeita, em vez de a afastar. Fosse ele ou o seu escritório tidos como especialistas em acompanhamento jurídico de matérias do âmbito municipal, e o normal seria que outras câmaras e de outras filiações políticas recorressem aos seus serviços, e não apenas aquelas duas onde reinavam amigos e colegas de partido dele. E, vendo a questão pelo outro lado, uma consulta ao portal da Ordem dos Advogados revela-nos que há inscritos em Espinho 57 advogados e 67 em Ovar, e, mesmo não contando com as centenas que estão no Porto, ali mesmo ao lado, há uma profusão deles nas comarcas vizinhas de Espinho e Ovar: 177 em Aveiro, 74 em Oliveira de Azeméis, 60 em Paços de Ferreira, 78 em S. João da Madeira, 208 em Santa Maria da Feira. Como é que todos os contratos de Espinho durante vários anos foram sempre parar às mãos dos mesmos? E resta ainda uma outra questão, que também está longe de ser menor: como é sabido, a gestão do anterior presidente da Câmara de Espinho, Joaquim Pinto Moreira, que contratou durante anos os serviços do escritório de Luís Montenegro, está sob investigação criminal. Até agora ele não foi ainda declarado suspeito de nada nem constituído arguido, apenas alvo de buscas e apreensão do computador e telemóvel: o suficiente para ter de renunciar aos cargos que exercia na bancada parlamentar do PSD. Mas antes mesmo de as coisas avançarem mais um passo que seja, Luís Montenegro, na qualidade de ex-advogado da Câmara Municipal de Espinho nesse período, já deveria ter esclarecido que não teve conhecimento de nenhum acto ilícito da vereação e, menos ainda, deu aconselhamento ou cobertura jurídica ao mesmo.
Devo dizer que sempre tive Luís Montenegro em grande consideração. Julgo que foi um bom líder parlamentar do PSD e não me esqueci nunca quando Ferro Rodrigues, acabado de ser eleito presidente da Assembleia da República pela maioria de esquerda e contra a tradição de sempre de o cargo pertencer ao partido mais votado, fez um lastimável discurso de posse, revanchista e ressabiado. Montenegro pediu a palavra e tranquilamente explicou-lhe como é que ele tinha acabado de perder uma primeira e única oportunidade de se estrear com grandeza. Depois disso, também o vi afastar-se tranquilamente quando o PSD entendeu não ser a sua hora e ele foi à sua vida. Mas os factos são o que são: não sabia que a sua vida tinha passado por aquilo. E aquilo foi um tiro na asa.
2 A entrevista que a presidente da Comissão Técnica Independente para o Novo Aeroporto de Lisboa (NAEL), Rosário Partidário, deu esta semana ao “Público” é de deixar um português batido nestas coisas de cabelos em pé. A comissão, saída de uma resolução do Conselho de Ministros de 14 de Outubro passado, “já está a trabalhar” para apresentar até 31 de Dezembro um relatório final que indique ao Governo a localização do futuro aeroporto. Nesta fase, “temos cerca de 20 entidades com quem nos estamos a reunir agora para saber as perspectivas, as preocupações”. E depois, acrescenta ela, vão haver “vários momentos de interacção”, como “sessões com plataformas cívicas, associações de moradores… vários grupos desses”, pois que, confessa a presidente, a parte de que mais gosta do cronograma de trabalho elaborado é “diálogos, participação e envolvimento”. Ou, traduzido para português laboral, reunite aguda, intensa e inútil. Mas porque a discussão se quer o mais abrangente possível e “porque não se quer deixar ninguém de fora” nem nenhum devaneio por contemplar, a comissão não vai limitar a escolha final às cinco alternativas indicadas pelo Conselho de Ministros, mas sim alargá-la às sugestões de qualquer um, qualquer português que algum dia se descobriu capaz de decidir onde deveria ser o futuro aeroporto de Lisboa. “Vamos ter” — anunciou ela — “um mapa interactivo onde as pessoas vão poder pôr lá o aviãozinho no local que consideram ser adequado para o aeroporto e vamos acolher todas as propostas que recebermos. Não quero que ninguém fique insatisfeito”.
Eis um original método de adjudicação de obras públicas. O futuro aeroporto de Lisboa poderá ser em qualquer lugar de Portugal e ser decidido em assembleia-geral de todos os portugueses que se inscrevam para tal. Não admira que com tantas boas intenções e frutuosas reuniões no horizonte a senhora confesse que, quanto a prazos, “espera não ser controlada ao minuto, até porque ainda não consegui pôr equipas a trabalhar”. Mas, pelo sim pelo não, vai já pedir ao Governo uma prorrogação preventiva do prazo final de 31 de Dezembro, fixado apenas em Outubro passado. Presumindo que o que ela chama de “equipas” sejam os peritos que percebem do assunto e em quem temos de confiar para uma boa solução final, é estarrecedor pensar que há mais pressa em activar os curiosos que irão pôr aviõezinhos no mapa do que os que supostamente irão pôr o aeroporto no chão. Mas isto é Portugal no seu habitual.
3 Quando o ministro da Educação resolve perguntar à Procuradoria-Geral da República se esta engenhosa greve dos professores é legal — o que, além de um direito que lhe assiste, é um dever para quem governa num Estado de direito —, o líder do S.T.O.P. ameaça que, se o ministro for avante com a sua “chantagem”, convocará outros sectores para greves iguais. Mas, com a honrosa excepção do director do “Público”, Manuel Carvalho, que lhe chamou uma “greve cobarde”, tenho visto como toda a gente, todo o espectro político e a sociedade civil, se curva no temor reverencial de criticar os métodos jamais vistos desta forma de “luta”. Para uns, são 120 mil votos, para outros, são os filhos e os netos na escola.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
O presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, conseguiu a proeza de me envolver no confronto interno do PSD. Usando a lógica que entusiasma sempre o sectarismo de todos os partidos, explicou que se um adversário elogia alguém do lado oposto é porque o elogiado está a falhar. Numa ação de Luís Montenegro, a que foi declarar apoio depois do seu vice se ter ficado abaixo dos 9%, disse: “Não vi, até agora a extrema-esquerda a fazer grandes elogios ao doutor Luís Montenegro.” E acrescentou: “Quando vi Daniel Oliveira fazer grandes elogios ao doutor Rui Rio, no mínimo é de nós desconfiarmos.”
Quanto a eu ser de extrema-esquerda, não perco muito tempo, sobretudo quando é dito para consumo de militantes partidários. Apenas fico preocupado com o peso absurdo com que a extrema-esquerda fica se usarem os critérios de Carreira. Porque se eu sou de extrema-esquerda o BE é de extremíssima-esquerda, o PCP é de ultra-extremíssima-esquerda, as alas mais esquerdistas destes partidos serão de mega-ultra-extremíssima-esquerda e partidos como o MAS e o MRPP serão de super-mega-ultra-extremíssima esquerda. Tendo em conta que partilho valores e posições políticas com muitos militantes socialistas e do Livre, isto implicaria que a extrema-esquerda, da sua versão paradoxalmente mais moderada à mais radical, valerá uma parte nada negligenciável do eleitorado. Um ponto de vista aceitável para a Iniciativa Liberal ou o Chega, que acham que o socialismo começa no CDS, mas mais difícil de defender por um quadro do PSD. Mas adiante.
Como não quero “tomar por lorpas” os militantes do PSD (expressão de Carreiras), penso que vale a pena explicar porque é que o raciocínio de que um elogio de um adversário é a prova do nosso erro, sendo sedutor, não é uma boa forma de pensar a política. E é revelador de uma das razões que me levam a criticar o espírito que rodeia a candidatura de Montenegro – incluindo, ao que parece, os apoiantes que vêm de Pinto Luz.
Esclareço o óbvio: sou de esquerda. Serei socialista ou social-democrata (no sentido clássico e original do termo, e não no seu abastardamento, que até permite um partido de centro-direita a identificar-se como tal). Desde muito antes de ter sequer aderido ao BE e, por isso, desde sempre da sua ala moderada até a rutura se ter tornado inevitável. Mas sou seguramente contrário à linha programática do PSD. Deste ponto de vista, apesar de não ter filiação partidária, sou um adversário do PSD. E é assim que devo ser ouvido e lido. Nunca fingi, ao contrário de muitos propagandistas da direita mais radical que se tentam fazer passar por puros analistas políticos, ser o que não sou. Acho que a declaração explícita do meu posicionamento político é um contrato de confiança com os meus leitores, sobretudo os que de mim discordam.
Ao perguntar “se nem Roma pagou aos traidores, porque é que o PSD há de agora pagar aos traidores?” Carlos Carreiras explicita o pior da política partidária. Eu próprio ouvi-o vezes sem conta como libelo contra qualquer pensamento crítico e livre. O extremismo não se mede pela radicalidade política. Mede-se pela intolerância para com o outro, que cava fossos de incomutabilidade entre pessoas que partilham valores fundamentais.
Apesar disto, os elogios que mais aprecio são os que vêm de pessoas que começam por dizer que não concordam comigo em quase nada. Porque sei que refletem um respeito intelectual e ético que não depende de afinidades políticas. Porque, mesmo que Carlos Carreiras me enfie no indiferenciado saco da extrema-esquerda que uma análise séria ao meu posicionamento ideológico dificilmente lhe permitiria, acredito que a tolerância intelectual nos permite respeitar e admirar aqueles a que nos opomos. E a defender o seu papel no jogo democrático.
Já fiz muitas críticas a Rui Rio. Considero-o pouco claro do ponto de vista programático e pouco preparado do ponto de vista ideológico. No mesmíssimo dia em que Carlos Carreiras terá ouvido um elogio meu a Rui Rio, disse que parece acreditar que o programa do PSD é ele e que isso chega. Que não parece ter perfil para conseguir conquistar o governo do país. Isso não me impede de o considerar, a partir da minha subjetividade, um homem sério. Já fiz elogios semelhantes a Adriano Moreira, Diogo Feio, Adolfo Mesquita Nunes, Bagão Félix, David Justino ou Roberto Carneiro. Se há coisa que os que me conhecem sabem, para lamento dos sectários deste e do outro lado da barricada, é a facilidade que tenho em construir relações de respeito e amizade com pessoas de direita. Porque se acreditam no que defendem e o que defendem não promove a cultura do ódio, não avalio o seu caráter pelas suas convicções políticas.
Na realidade, Carlos Carreiras não acredita no que disse. O Presidente da Câmara de Cascais já fez grandes elogios a Pedro Nuno Santos, de quem estou ideologicamente muito mais próximo do que ele. Não me passaria pela cabeça dizer que isso é razão para a esquerda desconfiar do ministro. Pelo contrário, o respeito dos adversários pode ser sinal de qualidade. Não deixam de ser adversários por isso. Ainda assim, com capacidade de, aqui e ali, convergirem.
Os dois elogios que faço a Rui Rio é achar que ele é um produto genuíno, coisa de que a democracia precisa como de pão para a boca, e por me parecer globalmente honesto na sua relação com a coisa pública. E digo-o em contraste com a avaliação que faço, provavelmente injusta, do seu oponente. E, por estranho que possa parecer, prefiro pessoas de direita honestas e genuínas. Ao contrário dos maniqueístas, não atribuo essas características a nenhum espaço político-ideológico específico e acho que elas são úteis em qualquer democrata.
É claro que também faço uma análise política das duas candidaturas. É a mais relevante, aliás. Considero que Montenegro, pelo seu percurso e por muitos dos que o apoiam, corresponde a um retorno ao passismo, que o PSD, seja qual for o balanço que faz desse período, precisa de superar. E aprofunda uma cultura de trincheira que não é saudável para a democracia. Parece-me que este caminho entregará todos os que não votaram no PSD nas duas últimas eleições ao PS e fará do PS um partido charneira. E que isso é mau para a esquerda, para a direita e para a democracia. Para a esquerda, porque deslocará o PS ainda mais para o centro, tornando difícil a construção de maiorias de esquerda coerentes no futuro. Para a direita, porque a reduz a uma representação de fação, sem capacidade de construir alternativas políticas. Para a democracia porque ela precisa que alternativas de poder com alguma coerência se confrontem.
Como Carlos Carreiras, Marcelo Rebelo de Sousa e quase todo o país, acho que o bloco central seria uma tragédia que só faria crescer a extrema-direita. Mas o confronto tem de manter mínimos de diálogo para ser produtivo. E esse diálogo faz-se com base em alguns adquiridos civilizacionais – que eram firmes até ao advento da extrema-direita na Europa, EUA e Brasil – e evitando a demonização moral do opositor, que se tornou habitual depois do caso Sócrates.
Ao contrário do que Carreira pensa, eu quero uma direita democrática forte. Primeiro, porque sei que a esquerda se afirma quando tem opositores sólidos, e não no meio da sua decadência. Depois, porque sei que a decadência da direita democrática não atirará os seus eleitores para a esquerda, mas para a extrema-direita. E é a incompreensão de que mesmo entre mim e Carlos Carreiras poderá haver alguma partilha de valores mínimos que me assusta, como forma de olhar para a política.
A lógica proposta por Carlos Carreiras, que chamou “traidor” a Rui Rio por ter apoiado posições críticas ao comportamento do Governo no tempo da intervenção da troika e que vê o elogio e respeito de um opositor como sinal de fraqueza, ajuda a explicar o estado de degradação do debate político. Ao perguntar “se nem Roma pagou aos traidores, porque é que o PSD há de agora pagar aos traidores?” Carlos Carreiras revela o pior da política partidária. Eu próprio, na minha militância política, ouvi-o vezes sem conta como libelo contra qualquer pensamento crítico e livre.
Esta postura é, ela sim, típica de um extremista. O extremismo não se mede pela radicalidade política. Foram radicais os que defenderam coisas tão disruptivas como o fim da escravatura ou da pena de morte, a Escola Pública para todos ou o Serviço Nacional de Saúde gratuito, as férias pagas ou a instituição do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já o extremismo mede-se pela intolerância para com o outro, que cava fossos de incomutabilidade entre pessoas que partilham valores fundamentais. Entre pessoas que acreditam em coisas tão básicas como a democracia representativa, a liberdade de imprensa e de expressão ou os direitos humanos. Entre elas, há confrontos que até podem ser violentos. Não há traidores.