Carlos César mandou Santos Silva calar-se e isto é muito interessante

(Ana Sá Lopes, in newsletter do Público, 09/09/2022)

(Como a Rainha calou o Zelensky e limpou a guerra das televisões, resolvi abrir também um intervalo e voltar à política nacional. Convém não nos distrairmos porque o Costa, ao que parece, só dá um chouriço a quem lhe der um porco inteiro…

Estátua de Sal, 10/09/2022)


Cara leitora, caro leitor: 

Nesta semana alucinante, houve duas coisas simbólicas na política nacional. Foi hoje anunciado o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no dia seguinte à despedida bizarra de Marta Temido do Governo – a Helena Pereira escreveu aqui tudo o que eu penso sobre o assunto. É verdade que mesmo com a Rainha da Inglaterra aplica-se a expressão “rei morto, rei posto”, ou “o rei morreu, viva o rei”, mas assistir à humilhação de Marta Temido no momento da sua morte política é qualquer coisa muito cruel. Quem está disposto a ser tratado assim, a ser proibida de falar, com a número dois do Governo a actuar como vigilante na conferência de imprensa do Conselho de Ministros? Marta Temido merecia muito mais, mas é assim que Costa trata os seus ex-ministros. O Expresso contava que António Costa nunca mais tinha falado a Eduardo Cabrita, seu amigo de faculdade. Com a excepção de Tiago Brandão Rodrigues, que parece não ter razões de queixa, Costa faz questão de “matar” (veja-se o caso de Pedro Siza Vieira, ex-número dois do Governo) ao sabor das suas conveniências. Lembrei-me daquela música de José Mário Branco, “Casa comigo Marta”. Um dos versos simbólicos é “Casa comigo Marta, que tenho roupa a passajar”. Um dia alguém lhe responde como na canção – se é que não o fez já – “Casar contigo não, maganão/só me levas contigo/dentro de um caixão”. 

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É verdade que Manuel Pizarro fez questão de fazer hoje uma homenagem a Marta Temido, mas a mulher que aguentou a covid não merecia o tratamento que teve por parte do primeiro-ministro. A vida política é de uma crueldade imensa, ao contrário do que se costuma pensar. Ou todo o lugar onde há poder o é: Roland Barthes tinha aquela famosa frase “o poder é plural como os demónios” e o “rei morto, rei posto” é a regra.

Ou César ou nada? 
Na academia do PS, que está a decorrer esta semana na zona Oeste, houve uma intervenção interessantíssima de Carlos César, em que o presidente do PS atirou-se muito pouco discretamente a Augusto Santos Silva, o presidente da Assembleia da República, que já assumiu as suas ambições presidenciais. É verdade que não disse o nome, mas as duas mensagens que fez questão de enunciar encaixam direitinhas em Santos Silva. Uma delas é o “aviso” (sic) que quis deixar sobre presidenciais: “O aviso é este: é que não é colocando, como às vezes vejo no caso das eleições presidenciais, o carro à frente dos bois, que ultrapassamos com êxito as eleições.” A outra mensagem ia contra a “sobrevalorização” do Chega, que pode estar a acontecer com as intervenções de Santos Silva: “Não se julgue que se combate o populismo e o extremismo com a sobrevalorização daqueles que, efémeros, apostam no erro e se satisfazem com a insatisfação (….) Temos que ser os melhores e não os que mais atacam a direita e a extrema-direita.” 

A dúvida ficou no ar em algumas cabeças: quer Carlos César ser, ele próprio, candidato do PS a Presidente da República? É presidente do PS, um cargo que tem sido meramente “floral”, como sempre foi antes dele, depois de ter governado os Açores de 1996 a 2012 e conseguido promover uma sucessão vitoriosa: Vasco Cordeiro governou a Região Autónoma de 2012 até às últimas eleições de 2020, em que o PS ficou à frente do PSD, mas o PSD conseguiu formar Governo com o apoio do Chega. Foi líder parlamentar do PS,  seria o possível futuro Presidente da Assembleia da República se Ferro Rodrigues só tivesse querido fazer um mandato. Ferro fez dois.

César saiu em 2019 da Assembleia da República e refugiou-se nos seus Açores, com intervenções esporádicas públicas, principalmente através do Facebook. Deixou de ser bruto – uma característica das suas intervenções no tempo em que era líder parlamentar do PS – e tornou-se mais institucional. Na Academia do PS voltou a defender empenhadamente a “windfall tax“, a tributação das empresas que têm lucros excessivos, e desta vez, ao contrário do que tinha feito há uns tempos no Facebook, com o apoio já expresso da Presidente da Comissão Europeia que aconselhou os Estados a tomar essa medida.

Tem 65 anos, é muito jovem para a reforma política e para se limitar a passear netos e cães. Sempre foi um “animal político”. Carlos César quererá mesmo ser Presidente da República? Vamos ter que esperar para saber, porque foi o próprio que aconselhou o PS “a não pôr o carro à frente dos bois” se quiser ter sucesso nas presidenciais. 

Desejo-lhe um óptimo fim-de-semana (como estou em mudanças, o meu vai ser épico).


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O caso nacional do homem do marketing para o ministério

(Por oxisdaquestao, in Blog oxisdaquestao, 17/08/2022)

Sérgio Figueiredo. Havia um ministro das finanças que se sabe não percebia nem percebe patavina delas, finanças. Mas que precisava de um homem de “marquetingue” para nos convencer a todos exatamente do contrário…


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A cavaquização de António Costa: “Safa! Safa! Safa!”

(Ana Sá Lopes, in newsletter do Público para assinantes, 16/07/2022)

Caro leitor, cara leitora

Passei os primeiros anos da minha vida de jornalista no Parlamento, onde Cavaco Silva, o primeiro-ministro de duas maiorias absolutas, praticamente não ia. Quando aparecia era uma “festa”. Cavaco odiava a Assembleia da República, os rituais parlamentares (no fim de contas, os rituais democráticos), o debate com a oposição. Numa tarde qualquer da segunda maioria absoluta, António Guterres era secretário-geral do PS e desafiou o primeiro-ministro para um debate. A resposta foi quase uma anedota. Cavaco — num ataque de euforia que nele acontecia muito raramente — faz uma performance que ficará para a pequena história parlamentar: “Querem subir na vida à minha custa! Safa! Safa! Safa!”.

Eu estava sentada nesse dia na bancada de imprensa, como fazia quase todos os dias naquela época, e lembro-me de ter ouvido três “safas”. Cavaco, um primeiro-ministro autoritário — as maiorias absolutas dão sempre primeiro-ministros autoritários em Portugal, lembremo-nos do mandato de Sócrates — ficou famoso pela sua pouca simpatia pelos “checks and balances” da política portuguesa. Toda a gente se lembra da expressão “forças de bloqueio”, dirigida a várias entidades, nomeadamente o Tribunal de Contas onde na época pontificava Sousa Franco. E pelo menos os mais velhos são capazes de se recordar do dia do Verão de 1993 em que Cavaco Silva se intitulou “o homem do leme” na festa do PSD no Algarve: “Mesmo aqueles que discordam de nós não têm dúvidas de que o barco tem um rumo e de que há uma pessoa ao leme”. Ele, claro.

E agora o leitor pergunta-se o que me deu para estar a reconstituir as memórias do cavaquismo. Não, não é nostalgia da juventude. É porque no passado fim-de-semana, na Comissão Nacional do PS em Ílhavo, António Costa fez-me lembrar perigosamente Cavaco — dando a ideia de que o famoso slogan “maioria de diálogo” com que fez a campanha e iniciou o mandato de primeiro-ministro com maioria absoluta apenas servia para “épater les bourgeois“.

Nem foi pela paráfrase do “homem do leme” de há quase 30 anos — “Isto não anda em piloto automático e é preciso alguém que saiba conduzir”. Foi quando ridicularizou a oposição e o debate democrático ao dizer que “o PS não pode deixar de fazer aquilo que tem feito tão bem, que é ignorar a bolha político-mediática e concentrar-se naquilo que interessa aos portugueses”.

Lembro-me que o primeiro-ministro Cavaco se gabava de não ler jornais. O que disse Costa não é nada diferente — a “bolha política”, já se sabe, é o Parlamento eleito pelos portugueses e a “bolha mediática” é para Costa o que para Cavaco eram “os jornais”.

Pior: Costa acha que o debate democrático lhe lembra os programas de comentário desportivo: “É uma bolha que se entusiasma imenso com casos e casinhos, consome horas infindáveis de tempo de televisão por cabo, quase tanto tempo como aqueles infinitos debates em que durante toda a semana comentadores comentam o jogo de futebol da semana anterior”. Na verdade, Cavaco poderia subscrever isto se, no seu tempo de primeiro-ministro, a televisão por cabo estivesse desenvolvida.

Se juntarmos a este exaltante discurso na Comissão Nacional do passado fim-de-semana em Ílhavo, a decisão do PS em adiar o regresso dos debates com o primeiro-ministro a um modelo decente, percebemos como Costa está profundamente decidido a cumprir uma maioria absoluta com o menor diálogo possível. Cada país tem o que merece — no Reino Unido o primeiro-ministro é obrigado a ir todas as semanas ao Parlamento e mesmo que os britânicos sejam capazes de eleger um Boris Johnson, também sabem correr com ele.


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