A cavaquização de António Costa: “Safa! Safa! Safa!”

(Ana Sá Lopes, in newsletter do Público para assinantes, 16/07/2022)

Caro leitor, cara leitora

Passei os primeiros anos da minha vida de jornalista no Parlamento, onde Cavaco Silva, o primeiro-ministro de duas maiorias absolutas, praticamente não ia. Quando aparecia era uma “festa”. Cavaco odiava a Assembleia da República, os rituais parlamentares (no fim de contas, os rituais democráticos), o debate com a oposição. Numa tarde qualquer da segunda maioria absoluta, António Guterres era secretário-geral do PS e desafiou o primeiro-ministro para um debate. A resposta foi quase uma anedota. Cavaco — num ataque de euforia que nele acontecia muito raramente — faz uma performance que ficará para a pequena história parlamentar: “Querem subir na vida à minha custa! Safa! Safa! Safa!”.

Eu estava sentada nesse dia na bancada de imprensa, como fazia quase todos os dias naquela época, e lembro-me de ter ouvido três “safas”. Cavaco, um primeiro-ministro autoritário — as maiorias absolutas dão sempre primeiro-ministros autoritários em Portugal, lembremo-nos do mandato de Sócrates — ficou famoso pela sua pouca simpatia pelos “checks and balances” da política portuguesa. Toda a gente se lembra da expressão “forças de bloqueio”, dirigida a várias entidades, nomeadamente o Tribunal de Contas onde na época pontificava Sousa Franco. E pelo menos os mais velhos são capazes de se recordar do dia do Verão de 1993 em que Cavaco Silva se intitulou “o homem do leme” na festa do PSD no Algarve: “Mesmo aqueles que discordam de nós não têm dúvidas de que o barco tem um rumo e de que há uma pessoa ao leme”. Ele, claro.

E agora o leitor pergunta-se o que me deu para estar a reconstituir as memórias do cavaquismo. Não, não é nostalgia da juventude. É porque no passado fim-de-semana, na Comissão Nacional do PS em Ílhavo, António Costa fez-me lembrar perigosamente Cavaco — dando a ideia de que o famoso slogan “maioria de diálogo” com que fez a campanha e iniciou o mandato de primeiro-ministro com maioria absoluta apenas servia para “épater les bourgeois“.

Nem foi pela paráfrase do “homem do leme” de há quase 30 anos — “Isto não anda em piloto automático e é preciso alguém que saiba conduzir”. Foi quando ridicularizou a oposição e o debate democrático ao dizer que “o PS não pode deixar de fazer aquilo que tem feito tão bem, que é ignorar a bolha político-mediática e concentrar-se naquilo que interessa aos portugueses”.

Lembro-me que o primeiro-ministro Cavaco se gabava de não ler jornais. O que disse Costa não é nada diferente — a “bolha política”, já se sabe, é o Parlamento eleito pelos portugueses e a “bolha mediática” é para Costa o que para Cavaco eram “os jornais”.

Pior: Costa acha que o debate democrático lhe lembra os programas de comentário desportivo: “É uma bolha que se entusiasma imenso com casos e casinhos, consome horas infindáveis de tempo de televisão por cabo, quase tanto tempo como aqueles infinitos debates em que durante toda a semana comentadores comentam o jogo de futebol da semana anterior”. Na verdade, Cavaco poderia subscrever isto se, no seu tempo de primeiro-ministro, a televisão por cabo estivesse desenvolvida.

Se juntarmos a este exaltante discurso na Comissão Nacional do passado fim-de-semana em Ílhavo, a decisão do PS em adiar o regresso dos debates com o primeiro-ministro a um modelo decente, percebemos como Costa está profundamente decidido a cumprir uma maioria absoluta com o menor diálogo possível. Cada país tem o que merece — no Reino Unido o primeiro-ministro é obrigado a ir todas as semanas ao Parlamento e mesmo que os britânicos sejam capazes de eleger um Boris Johnson, também sabem correr com ele.


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2 pensamentos sobre “A cavaquização de António Costa: “Safa! Safa! Safa!”

  1. Quando escrevo sobre politicos,escrevo sobre todos,o “sistema politico”.

    Sejamos claros, eles são inconscientes e totalmente responsáveis pela incrível destruição de Portugal.

    Os extremos não é em si mesmo um sentimento negativo, mas é a exploração, pelos nossos políticos demagógicos, deste sentimento que está na origem das guerras passadas.

    Para este tipo de gente,(chamo gente,porque não passam disso mesmo), sim, mas não só,ao querer sacrificar tudo no altar de Portugal, com uma soberania que não é uma soberania ,e que acabamos por não ser do interesse de ninguém.
    Tentando demasiado para correr atrás da Alemanha, para nos fazer passar pelo bom aluno da classe (que não somos, longe disso) e para esperar ser o seu querido quando somos apenas um brinquedo e não queremos admiti-lo e muito menos compreendê-lo, acabamos sozinhos no campo aberto, atirados aos quatro ventos dos interesses económicos-estratégicos-políticos das invejas politicas entre uns e outros.(uma vergonha)
    Os nossos politicos há muito que são marionetas desarticuladas, que podem ainda ter alguma ilusão em casa com invejas e muito amadorismo politico, mas que já não interessam a muitas pessoas.
    Os nossos políticos que pensam e decidem por nós, vendendo-nos os seus violinos e outras malversações “porque é para o nosso próprio bem”, enquanto que excluir-se a si próprios deste pântano é sintomático de uma casta que quer assegurar a sua sobrevivência a todo o custo, seja qual for o preço para os outros.

    Além disso, estes politicos não tem de ir e agir como um palhaço para estar “na moda” , não é isso que um país espera dele.
    Um general pode ir e ver o que se passa nas companhias de um dos seus regimentos, mas não vai embebedar-se nem acompanhar soldados às casas de prostitutas!
    Basicamente, há muito com que se preocupar!

    De facto, estes políticos foram eleitos de acordo com as regras de um Estado democrático. Eleitos estão dentro da lei mas, neste caso, não são legítimos. As pessoas não são todas enganadas, algumas até estão desesperadas. Diz-se que a esperança é a chave da vida, então o oposto também é verdade? Uma questão filosófica, mas entretanto, políticos sem escrúpulos estão a conduzir-nos para o abismo em toda a legalidade!

    Pessoalmente, penso que a República Portuguesa já não é uma democracia .

    É evidente que neste país as posições das várias partes mostram mais uma vez que o que quer que façamos o dado é lançado.
    Os que votam (funcionários públicos, funcionários eleitos, etc.). O que é angustiante,é o desespero, resignação, é realmente a Revolução em Movimento, uma revolução asfixiada que está a dormir por enquanto.

    Parece que aqueles que mais se mobilizaram para as eleições são os apoiantes do status quo. Eles não querem nada que mude. Para a soberania, isto implica liberdade, e eu penso que a maioria do povo Portugués não quer liberdade. Penso que isso é claro!

    Rio-me muito com a “unção do sufrágio universal”. Os representantes políticos não são impotentes, continuam a implementar nas nossas vidas o que desejam ou que querem alcançar. Isto é tão claro e visível que apenas aqueles que NÃO o querem ver não o compreendem. A maioria dos Portugueses continua, consciente ou inconscientemente, a recusar-se a ver a realidade e a dormir em frente à televisão ou ao telemóvel, etc… a fim de manter um conforto material.. Este estado de espírito chegará ao fim, é inevitável,? daqui a 2 a 3 anos, com a falta de energia..
    Depois haverá sangue e lágrimas,não vai ser bonito de se ver.

    Os portugueses que trabalham não reconhecem este sistema político, promessas, mentiras, desrespeito pelos cidadãos, enriquecimento pessoal, compadrio, etc… conclusão, “É inútil acreditar neste sistema politico”. Democracia, uma palavra que agora só existe no dicionário sob o título “antiquado” obsoleto.
    Eles farão o que quiserem, os barões ganhos asseguram apenas a prosperidade dos pequenos senhores que reinam sobre eles durante muito tempo e no seu interesse pessoal! O principal já não é da responsabilidade de Portugal, que já não é soberano. Que se regozijem, eles serão os únicos responsáveis pela catástrofe anunciada!

    A actual violência social é apenas a réplica da violência económica do neoliberalismo, uma vez que todos os ajustamentos económicos são feitos nas costas da grande maioria dos assalariados. Depois de terem levado tudo durante 40 anos, sentem, com razão, que já é suficiente.

    Há quarenta anos que as nossas elites nos tomam por tolos, usando a linguagem de um pervertido que sempre vira as coisas a seu favor para manter o poder (sem violência! sem ataques a jornalistas! é preciso votar para ter o direito de reclamar! etc.) e que agora descobrem que já não funciona.

    É mais subtil: uma vez eleitos, eles fazem o que querem, então porque deveriam apoiar as derivas, os esquemas, a corrupção? Acham que tem sempre razão.
    Vamos parar de nos ensurdecer com “democracia”, que em Portugal desapareceu há muito tempo!

    Na nossa inimitável democracia “Repouxblicana”, o representante eleito tem plenos poderes com 20% dos votos ! Mas todos dão conta de que o rei está nu.

    Estamos a caminhar para o barranco, ninguém trava, muitos de nós conseguem vê-lo, ninguém trava antes que seja tarde demais, ………… já é tarde demais………..

    No entanto, temos de votar, porque o voto (traçabilidade, manipulação, ….) ser-nos-á imposto por estas razões (demasiadas abstenções, …, ou outras causas, covid, …)

    Os politicos temem, desprezam e até odeiam o povo. É óbvio que eles não gerem Portugal, eles recebem as suas ordens de outros lugares – os bancos e a Europa. O seu controlo sobre os meios medíocres e mentirosos é insuportável. Representam apenas os seus interesses TODAS as partes em conjunto. Depois da comédia do vírus que racha por todo o lado e das medidas liberticidas que permite realçar as colusões ocultas, os conflitos de interesse, e finalmente expõe um sistema que detém a máfia e não a República. Tudo isto leva naturalmente à destruição da nação deliberadamente para o “nosso próprio bem”.

    É óbvio que as leis da república já não estão adaptadas à nossa sociedade, é mais que tempo de democratizar realmente a constituição: Todos conhecem os males, mas muito poucos têm as palavras, a vontade e a coragem para os remediar. É verdade que a maioria dos políticos são complacentes neste sistema, o que é vantajoso para eles. E é compreensível que uma parte do eleitorado, que não se sente representada, não vote.
    Toda a gente está podre, etc.”.
    Este veneno do individualismo acaba por permear quase todas as classes sociais.
    É verdade que a actual ideologia política do progressivismo económico, abreviadamente o arco da governação, é um elogio de cada homem a si próprio; não vamos misturar “pessoas de sucesso com pessoas do nada, mesmo assim”.
    As instituições e a ideologia se recusa a enquadrar-se nos quadros sociais existentes.

    A contra-revolução está a roncar e o que está a roncar irá um dia explodir.
    A Europa está a morrer e levará consigo os seus criados, é apenas justo. A roda está a rodar.
    Vamos sobreviver?

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