Em Itália, reclama-se a paz e a saída da NATO

(In AbrilAbril, 01/11/2022)

Centenas de pessoas participaram, em Ancona, na mobilização organizada pelo comité local «Não à Guerra, Não à NATO», exigindo o fim da «participação» italiana na guerra e o fim da escalada em curso.


A mobilização deste sábado na capital da região italiana das Marche é uma de várias que têm tido lugar no país transalpino em defesa da paz, contra a sujeição de Itália aos mandamentos da União Europeia (UE) e pela saída do país da Aliança Atlântica.

Segundo refere o portal cronacheancona.it, a manifestação na cidade adriática foi organizada conjuntamente por vários movimentos da sociedade civil e contou com a participação de representantes sindicais, de partidos políticos e diversas associações.

Com o lema «Itália fora da guerra, Itália fora da NATO», os manifestantes seguiram até à Praça Cavour, onde deixaram clara a sua discordância com as opções políticas de governos anteriores e do neofascista que acabou de tomar posse.

Segundo referiram os representantes das organizações promotoras nas suas intervenções, estes governos são «fiéis executores dos ditames» da Europa do capital e «não defendem os interesses do povo italiano».

Em seu entender, o dinheiro que os governos têm gasto e gastam com armamento devia servir para a construção de casas, escolas e hospitais.

Além disso, consideram que se assiste a uma «perigosa escalada» na Ucrânia e que tal se deve à «intransigência da NATO, que «se recusa a negociar com a Rússia», e, nesse sentido, insistiram na saída de Itália do bloco militar, bem como no fim do envio de armas para a Ucrânia. [Ver vídeo de Comitato No Guerra No Nato Ancona.]

Guerra económica contra os povos europeus

Outro aspecto que foi destacado na mobilização é o facto de o povo italiano e os povos europeus já estarem a sofrer «uma guerra económica», pois as «sanções contra a Rússia são apenas o pretexto para justificar a especulação sobre os preços da energia (que aumentaram para níveis incomportáveis para as famílias e as empresas, que estão fechar aos milhares)», denunciaram.

O objectivo desta especulação é levar à «desindustrialização da Europa», para «benefício do sistema de produtivo norte-americano e britânico», afirmaram os promotores, defendendo que o «grave momento histórico […] requer uma grande coragem e o empenho de todos».

Na manifestação, em que o conhecido jornalista Manlio Dinucci alertou para o nível de «desinformação» existente, exigiu-se também a libertação de Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, bem como o fim da russofobia, «pela paz e a fraternidade entre os povos».


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A batalha de Itália, na guerra interina da UE

(Por Valter Marques, in Blog Bipolaridades, 26/09/2022)

No passado domingo ocorreram as eleições legislativas em Itália, ainda que se enviassem odes aos Deuses do Olimpo (dada a proximidade com a Grécia e ambos partilharem Deuses na mitologia), incluindo ameaças veladas do centro nevrálgico da UE, aos cidadãos italianos, para não ousar alterar o stablishement terrorista da UE e dos lacaios assassinos da OTAN, os italianos, fazendo jus ao seu cancioneiro antifascista, entoaram alto e a bom som Bella Ciao.

A sociedade europeia vive um dilema, que esta batalha italiana, vem, não cauterizar feridas, mas sim, lançar pedras de sal na fractura exposta, se por um lado, e vamos dividir a opinião formada em duas vertentes, a pró União Europeia, e a dissidente anti União Europeia, pelo menos no estado em que se configura, se digladiam pela adição de argumentos de partes, brandindo espadas em opiniões, avisos e até impropérios, esta batalha perdida pelo império UE/OTAN, está longe de significar a capitulação imperial.

Historicamente, Itália no seu período mais negro, apelou ao nacionalismo, viveu sob Mussolini, um período conturbado de fascismo radical, podemos também incluir nesta “equação”, a Espanha de Franco, e naturalmente Portugal de Salazar, mas foquemo-nos em Itália.

O fascismo italiano foi possível, graças ao apoio do nacional-socialismo alemão, ou a doutrina nazi alemã, o eixo do mal de 1932 a 1945, era composto pela Alemanha nazi, a Itália fascista e o Império Japonês, como suplentes Espanha de Franco, Portugal de Salazar e o Pacto Ribbentrop-Molotov (1939-1941) acordado entre Alemanha e a URSS.

Se o nacionalismo italiano do século passado, foi manifestamente nefasto para a sociedade, o mesmo que se ergue neste século em Itália, é diametralmente oposto ao seu antecessor, e uma razão simples e singela disso mesmo, são as alianças que se quebram, a ruptura com o stablishement actual reinante e a retórica de desvinculo com o norte da europa e as suas políticas, é manifestamente uma mudança de rumo na politica interna e externa de Itália, se o fascismo do Séc. XX dependia da aliança germano-italiana, a do Séc. XXI depende da aliança com a sociedade italiana, e aqui reside o primeiro entrave aos novos governantes.

Itália, tal como toda a Europa Ocidental, está, não na beira do abismo, mas no inicio da queda, em plena aceleração rumo aos confins do abismo, ainda que numa fase preliminar, e em que o agravamento da situação socioeconómica se esteja ainda a espraiar, e o descalabro seja, já aceite e conhecido, esta mudança de rumo e o desvinculo das políticas da UE, irá no curto prazo acelerar a hecatombe, e no curto prazo, dificilmente este novo executivo, as conseguirá debelar.

A primeira batalha de Itália, está ganha, mas a guerra não se vence em uma batalha, mais virão, algumas de suma importância, outras de importante conquista estratégica, a mais importante será travada dentro de fronteiras, e curiosamente contra quem elegeu este novo executivo, será a sociedade que entregou os destinos a Meloni, a mesma que a irá contestar.

Meloni herda uma Itália sem eira nem beira, um caos socioeconómico, e uma população dividida, entre humanitarismo bacoco a terceiros, e os italianos pouco dados a humanitarismo bacoco, no rescaldo da fraudemia que assolou o mundo ocidental, com um excesso de mortalidade a rondar os 20%, com o desemprego a aumentar (actualmente 9,2%), com uma taxa de inflação galopante, e sem soluções de curto prazo, que de forma convincente, reúna consenso na sociedade.

Meloni, tem a tarefa Herculânia de erigir novamente Itália, resta saber se tem súbditos capazes.

A UE, vai retaliar, não fosse ela um antro de terrorismo, mas até para a UE, o trabalho vai ser complicado, com o euro em queda picada, com a economia á beira do colapso, desmilitarizada, e sem bases para se suster a um Inverno, e com três frentes de batalha internas, Hungria, Sérvia e agora Itália, além destes problemas interinos, surgem outros, Turquia e Argélia, a Turquia como membro de facto das políticas da UE e a Argélia como única solução para o gás no sul da Europa, o primeiro, longe dos valores Sacro Imperiais da UE, e aliado de Putin, o segundo também muçulmano e cliente do aparato militar russo, não obstante ao facto da Turquia de forma clara, mostrar a intenção de anexar território dentro da UE, anexando parte da Grécia, que curiosamente ambos são parceiros OTAN.

A configuração geopolítica do ocidente da europa, pode muito bem ser diferente em 2023, basta que os italianos, assim o desejem.

Seja como for, e não obstante ao destino dos italianos, 2022, marca de forma irreversível o fim da UE, nos moldes e estruturas actuais, e o tiro de partida foi dado em Itália, ainda que o percursor fosse a Rússia, quem comprou a pólvora foi Bruxelas e a Ursula Von Der Leyen, que assumiu uma guerra em nome de uma sociedade, que não a elegeu, que não a vai reconhecer, nem sentir saudades.

A primeira batalha de uma longa guerra, foi vencida, mais se seguirão, é uma guerra de intelectos e sapiência, diferente da guerra armada de canhões e mosquetes.

Fonte aqui


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As Irmãs da Itália — Pum!

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 26/09/2022)

(Mais um texto brilhante do Coronel Matos Gomes. Um grande bem-haja a uma das poucas vozes lúcidas que se consegue ir ouvindo na desmontagem da narrativa a que o “Império” nos vai sujeitando.

Estátua de Sal, 26/09/2022)


Lembro-me de uma canção jocosa dos tempos da infância: As Irmãs da Caridade — Pum… seguia-se uma lengalenga pouco canónica.

A Itália tem agora uma irmandade no governo, que inclui o Força Itália do antigo comediante e organizador de festas do Bunga-Bunga. A decadência dos impérios tem na Itália a mais rica das fontes e esta eleição é um ato da decadência da UE que decorre no que hoje os programadores de espetáculos classificariam como uma longa Rave e na antiguidade seriam bacanais ou festas dionisíacas.

Não é um assunto de bons augúrios, mas no ponto em que os europeus se encontram não existe lugar para bons augúrios. Estamos, na U E como crianças metidas num escorrega. A irmã Meloni prometeu aos italianos que, no fundo da rampa, ao aterrarem, encontrarão um fofo tapete de espuma e não pedras de arrestas vivas que lhes dilacerarão as carnes.

Quanto a irmandades. Um dos mais antigos gritos de apelo não foi, como se pode julgar o guerreiro: — A Eles! — ou: — Às armas! -, mas o sibilino: — Irmãs e irmãos! — Irmãos é a arma de arremesso mais poderosa dos demagogos. A sabedoria dos curas e dos sacerdotes de todas as crenças sabem que é assim que se iniciam os sermões.

A proclamação é aliciante e parece corresponder a uma verdadeira intenção e ser lógica. Biblicamente todos somos filhos de Deus. Irmãos, portanto. Mas a porca torce o rabo quando nos recordam que o primeiro crime foi o assassínio de um irmão pelo outro. O Caim matou o Abel, ou ao contrário.

São conhecidas ao longo da História várias organizações que recorreram ao truque do “irmão”, elas vão das Mafias (cujos princípios se julga terem sido trazidos da China por Marco Polo), às Tríades chinesas, das ordens religiosas cristãs, aos gangues de Chicago ou Nova Iorque, da Opus Dei, à Maçonaria, e, indo a outras culturas, dos irmãos muçulmanos, aos Assassinos de Al Sabath, da Al Qaeda ao Isis. Todos se tratam por irmãos.

Irmãos, apesar deste passado, parece continuar a ser um slogan eficaz. Os irmãos italianos ganharam as eleições.

Irmãos remete para a ideia de igualdade que é cara a todos. E faz esquecer o aviso de George Orwell em O Triunfo dos Porcos — que há sempre entre iguais uns mais iguais do que outros.

Os irmãos de Itália não são uma novidade nem política nem social. Em tempos de crise surgem regularmente movimentos messiânicos, que prometem a igualdade, a felicidade, a justiça, a perseguição de hereges e corruptos a troco de um voto, de um dízimo, de uma aceitação.

Os italianos têm uma longa história de embustes deste tipo, o último o de Berlusconi e o anterior o de Mussolini, sempre com resultados tão desastrosos como os que esperam desta nova irmandade e desta nova Senhora aparecida, de sua graça Giorgia Meloni. Porque votam os cidadãos comuns nestes pregadores de feira e em seitas deste tipo?

Porque a esperança é a última coisa a morrer. A Torre de Pisa é o símbolo nacional de Itália. Racionalmente todos sabem que aquilo vai cair, mas ninguém acredita que caia no seu tempo e, principalmente, que lhe caia em cima.

Estes movimentos de demagogia messiânica, populistas e milenaristas que estão hoje na moda na Europa, são vazios de tudo, exceto de promessas de chuva no nabal e sol na eira. São em geral assessorados por especialistas em comunicação que trabalham para os grandes bancos e conseguem convencer as pessoas comuns que o seu dinheiro corresponde a um valor sólido. Isto logo a seguir a uma jogada de desvalorização deliberadamente provocada como foi a da falência do banco Lehmann Brothers e da crise do sub-prime de 2008. É na base da teoria que Bill Gates designou como a do “último idiota”, da Dona Branca portuguesa, que estas irmandades aliciam a clientela.

A estas seitas — do Chega, do Vox, da FN, dos Irmãos italianos — nunca se lhe ouve uma palavra sobre o valor do dinheiro, nem sobre inflação, nem sobre a destruição da riqueza material (terras, florestas, águas), nem, no caso presente, sobre a guerra da Ucrânia, que decidiu o futuro da Europa e o comprometeu por décadas.

Sobre temas decisivos, os Chega e os Irmãos, guardam de Conrado o prudente silêncio. A vitória dos Irmãos em Itália não altera o núcleo de poder, que continuará a ser detido pelos industriais aristocratizados do Norte (Milão e Turim) e pela Mafia e a Camorra, as irmandades do Sul.

Giorgia Meloni, a madre da irmandade, vai ser o que Zelenski é na Ucrânia, o que Liz Truss é em Inglaterra, o que Guiadó foi na Venezuela, o que a senhora Van der Leyen é em Bruxelas… uma figura que os italianos não consideram diferente das outras que estiveram no governo anteriormente.

As pizzas continuarão a ser redondas. Dirão os italianos. O pequeno problema é que serão mais pequenas. Muito mais pequenas.

Quanto ao resto a União Europeia continuará o seu processo de salve-se quem puder. A Itália da irmandade da senhora Meloni deverá seguir a mesma política da Polónia do partido de extrema direita Lei e Justiça de Jaroslaw Kaczynski, reforçando o bloco belicista e neoliberal da U E, sob a orientação dos Estados Unidos.


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