(Por Pepe Escobar, in Strategic Culture, 19/01/2024, Trad. Estátua de Sal)
Mesmo que o país 404 seja totalmente derrotado em 2024, mais uma vez é imperativo sublinhar: isto está longe de ter terminado.
Agentes seleccionados espalhados pelos silos do poder de Beltway, trabalhando diligentemente como mensageiros para as pessoas que realmente dirigem o espetáculo no Hegemon, concluíram que uma confrontação sem limites com a Rússia levaria ao colapso de toda a NATO; anularia décadas de controlo férreo dos EUA sobre a Europa; e, em última análise, causaria a queda do Império.
Jogar jogos temerários mais cedo ou mais tarde, iria de encontro às indestrutíveis linhas vermelhas embutidas no inamovível objeto russo.
As elites americanas são mais inteligentes do que isso. Podem ser excelentes no risco calculado. Mas quando o que está em jogo é tão elevado, sabem quando se proteger e quando desistir.
Para não “perder” a Ucrânia – agora um imperativo visível – não vale a pena arriscar a perda de toda a cavalgada hegemónica. Isso sim, seria uma perda demasiado grande para o Império.
Por isso, mesmo quando estão cada vez mais desesperados com o mergulho imperial acelerado num abismo geopolítico e geoeconómico, estão a mudar freneticamente a narrativa – um domínio em que são exímios.
E isso explica porque é que os vassalos europeus desconcertados da UE, controlada pela NATO, estão agora em pânico total.
Davos ofereceu-nos, esta semana, uma grande quantidade de salada orwelliana. As mensagens principais e frenéticas: Guerra é paz. A Ucrânia não está a perder (itálico meu), e a Rússia não está a ganhar. Por isso, a Ucrânia precisa de muito mais armamento.
No entanto, até ao norueguês Wood Stoltenberg foi dito para seguir a nova linha que interessa: “A NATO não está a avançar para a Ásia. É a China que se está a aproximar de nós”. Isto acrescenta certamente um novo e estranho significado à noção de placas tectónicas em movimento.
Manter o motor das Guerras Eternas a funcionar
Há um vazio total de “liderança” em Washington. Não há “Biden”. Apenas a Equipa Biden: uma combinação corporativa que inclui mensageiros de baixo nível, como o neocon, de facto, Little Blinkie. Fazem o que lhes mandam os “doadores” endinheirados e os interesses financeiro-militares que realmente dirigem o espetáculo, recitando dia após dia as mesmas velhas falas saturadas de clichés, actores secundários num Teatro do Absurdo.
Vejamos apenas uma pequena exposição que é suficiente.
Repórter: “Os ataques aéreos no Iémen estão a resultar?”
O Presidente dos Estados Unidos: “Bem, quando diz que estão a funcionar, estão a parar os Houthis? Não. Vão continuar? Sim.”
O mesmo que se passa com o “pensamento estratégico” aplica-se à Ucrânia.
O Hegemon não está a ser atraído para combater na Ásia Ocidental – por muito que o arranjo genocida de Telavive, em conjunto com os Zio-cons norte-americanos, queira arrastá-lo para uma guerra contra o Irão.
Ainda assim, a máquina imperial está a ser dirigida para manter o motor das Guerras Eternas a funcionar, sem parar, a velocidades variáveis.
As elites no comando são muito mais clínicas do que toda a Equipa Biden. Sabem que não vão ganhar no que em breve será o país 404. Mas a vitória tática, até agora, é maciça: lucros enormes com o armamento frenético; esvaziamento total da indústria e da soberania europeias; redução da UE ao subestatuto de um reles vassalo; e, a partir de agora, muito tempo para encontrar novos guerreiros por procuração contra a Rússia – desde os fanáticos polacos e bálticos até toda a galáxia Takfiri-neo ISIS.
De Platão à NATO, talvez seja demasiado cedo para afirmar que tudo acabou para o Ocidente. O que está quase no fim é a batalha atual, centrada no país 404. Como sublinha o próprio Andrei Martyanov, coube à Rússia, mais uma vez, “começar a desmantelar o que hoje se tornou a casa dos demónios e do horror no Ocidente e pelo Ocidente, e está a fazê-lo de novo à maneira russa – derrotando-o no campo de batalha”.
Isto complementa a análise pormenorizada expressa no novo e explosivo livro do historiador francês Emmanuel Todd.
Mas a guerra está longe de ter terminado. Como Davos deixou mais uma vez bem claro, eles não vão desistir.
A sabedoria chinesa diz que, “quando queres atingir um homem com uma flecha, primeiro atinge o seu cavalo. Quando quiseres capturar todos os bandidos, captura primeiro o seu chefe”. O “chefe” – ou os chefes – estão certamente longe de serem capturados. Os BRICS+ e a desdolarização podem ter uma oportunidade, a partir deste ano.
O fim do jogo plutocrático
Neste quadro, mesmo a corrupção maciça entre os EUA e a Ucrânia, envolvendo anéis e anéis de roubo da generosa “ajuda” americana, como foi recentemente revelado pelo antigo deputado ucraniano Andrey Derkach, é um mero pormenor.
Nada foi feito ou será feito a esse respeito. Afinal de contas, o próprio Pentágono chumba em todas as auditorias. Estas auditorias, aliás, nem sequer incluíram as receitas da gigantesca operação multimilionária de heroína no Afeganistão – com o Campo Bondsteel, no Kosovo, criado como centro de distribuição para a Europa. Os lucros foram embolsados por agentes da inteligência dos EUA, sem registo.
Quando o fentanil substituiu a heroína como praga doméstica nos EUA, tornou-se inútil continuar a ocupar o Afeganistão – subsequentemente abandonado após duas décadas em puro modo Helter Skelter, deixando para trás mais de 7 mil milhões de dólares de armamento.
É impossível descrever todos estes anéis concêntricos de corrupção e crime organizado institucionalizado, centrados no Império, a um Ocidente coletivo que sofreu uma lavagem cerebral. Os chineses, mais uma vez, vêm em nosso socorro. O taoísta Zhuangzi (369 – 286 a.C.): “Não se pode falar do oceano a um sapo que vive num poço, não se pode descrever o gelo a um mosquito de verão, e não se pode argumentar com um ignorante.”
Não obstante a humilhação cósmica da NATO na Ucrânia, esta guerra por procuração contra a Rússia, contra a Europa e contra a China continua a ser o rastilho que pode acender uma Terceira Guerra Mundial antes do final desta década. Quem o vai decidir é uma plutocracia extremamente rarefeita. Não, não é Davos: estes são apenas os seus porta-vozes marionetes.
A Rússia reactivou um sistema de fábricas militares à velocidade da luz – agora com cerca de 15 vezes a capacidade de janeiro de 2022. Ao longo da linha da frente há cerca de 300.000 soldados, e na retaguarda há mais dois exércitos em pinça de centenas de milhares de tropas móveis em cada pinça que estão a ser preparadas para criar um duplo envolvimento do exército ucraniano e aniquilá-lo.
Mesmo que o país 404 seja totalmente derrotado em 2024, é imperativo sublinhar mais uma vez: isto está longe de ter terminado. A liderança em Pequim compreende perfeitamente que o Hegemon é um destroço tão desintegrado, a caminho da secessão, que a única forma de o manter unido seria uma guerra mundial. É altura de reler T.S. Eliot em mais do que um sentido:
“Tivemos a experiência, mas faltou-nos o significado, / e a aproximação ao significado restaura a experiência.”
Fonte aqui.