(Hugo Dionísio, in Canal Factual, 04/01/2024)

Olhar para o que dizem hoje os órgãos do costume sobre a compra de ações dos CTT, pelo governo PS, traz-me à memória aquelas campanhas, vindas da terra dos sonhos neoliberais, em que se discute a orientação sexual dos candidatos, a sua fidelidade conjugal, as preferências gastronómicas ou religiosas… Discute-se tudo, tudo, menos o que importa: política.
Portugal, sempre ávido na importação de tudo o que está errado, não perdeu tempo e importou, de uma só assentada, a “pós-verdade” (nova designação para “mentira”), as “fake-news” (designação anglo-saxónica para “mentiras”) e o trumpismo (designação neoliberal para fascismo, reacionarismo, intolerância, xenofobia, aldrabice e caracter trauliteiro).
Se, em Portugal, órgãos como o Correio da Manhã, ou o Diabo, já representavam essa suposta “inovação”, logo, de repente, nos vimos apanhados num mar de imitações sem fim. À falta de qualidade jornalística dos dois, os restantes órgãos do costume, responderam com a replicação e a cópia barata. Nada que os salve, como o provam a enorme crise por que passa o Diário de Notícias, a TSF ou o Jornal de Notícias (há uns anos o que tinha maior tiragem no país). É como o recurso estilístico do porco: não é possível lutar com porcos sem nos sujarmos.
Guerra da NATO com a Rússia em solo ucraniano; pandemia de COVID19; agressão a Gaza; inauguraram a era da concretização plena da operação “Mocking Bird” da CIA. Não há, hoje, órgão ocidental que não seja um mero replicador de informação e comunicação, cujos manuais de estilo (designação para cartilha), não sejam produzidos bem longe de quem os reproduz.
Sempre ávidos por qualquer facto que possa ser atirado contra a esquerda e em particular – não vale a pena negá-lo – contra o PCP, também no espaço da política partidária não se perdeu tempo com importações vindas da terra da democracia, onde só os ricos são eleitos e onde a posição política de cada representante se mede pelos “donativos” (designação neoliberal para “suborno”) saídos das grandes corporações. Como se estas passassem cheques em branco e andassem no negócio de dar dinheiro ao desbarato. São exemplos desta importação o Chunga, versão reacionária de cabeça rapada, bota cardada e taco de baseball, mas também o partido cuja ideologia remonta à queda da era feudal e à inauguração do período mercantil e ascensão da burguesia ao poder: aquela redundância chamada de qualquer coisa “liberal”.
Não se confunda, no entanto, esta versão “liberal” reacionária, neofascista, ultrapassada e a versão xerox dos fisiocratas franceses do século XVIII, com aquela burguesia revolucionária que, na revolução francesa, se foi capaz de aliar ao povo e eleger a liberdade, igualdade e fraternidade como um mote que também alguma coisa lhe dizia.
Até podemos recuar mais ainda, por exemplo, à nossa revolução de 1383-85, em que a burguesia emergente, também revolucionária, se aliou ao povo, contra a nobreza vendida a Castela (esta coisa das aristocracias se venderem constantemente), conseguindo importantes concessões políticas que permitiram, progressivamente, a libertação de números cada vez maiores de servos, o enfraquecimento da ordem feudal e o nascimento da ordem liberal, assente em relações de trabalho, assim mesmo, e com as suas limitações conhecidas, mais livres do que as relações de servidão.
Não! Aquela “redundância liberal” não representa esta burguesia. Muito pelo contrário. Numa era em que a burguesia se aristocratizou, em que a ideologia liberal (designação anglo-saxónica para “dinheiro em circulação livre para que possa ser atraído por quem mais dinheiro tem e sem o estado a chatear com coisas como a redistribuição da riqueza produzida e justiça social”), o ressuscitado e redundante dinossauro “liberal” da nossa praça representa a burguesia conservadora, aristocrática, que não pretende mudança alguma que não seja a de acelerar ainda mais o enfeudamento que já existe. Ou seja, esta “redundância liberal” nada tem a ver com o partido liberal das revoluções liberais do século XIX, em Portugal. Nada! A do século XIX lutava CONTRA a aristocracia, a do século XXI luta PELA aristocracia.
Concluindo, assenta numa ideologia dinossaurica, dos primórdios do pensamento económico e da economia política; tem uma postura conservadora face ao sistema em que vivemos, pois visa preservá-lo e não destruí-lo ou transformá-lo, como pretendiam os “liberais” dos séculos XIV em diante (ainda não se chamavam liberais à data, como é óbvio); é eminentemente redundante, pois a União Europeia, tal como é e está, não permite outro modo que não seja o modo “liberal”.
A provar esse papel reacionário, está a recente e inexistente “polémica” dos CTT. Em modo de campanha eleitoral pela construção de uma maioria apoiada por esta direita reacionária, trauliteira e totalmente vazia de propostas e conteúdo, qual embalagem de plástico, esteticamente atraente, mas absolutamente vazia de qualquer valor, os “órgãos do costume” esmeram-se na propagação de falácias, mentiras e mal-entendidos.
Se no Correio da Manhã, se diz ue “o PS negociou com o PCP” as ações dos CTT, aqui na Rádio Renascença (outra reminiscência ideológica da era feudal), dá-se a ideia de quem ia comprar as acções eram o próprio PCP e BE. Quando se diz “proposta foi apresentada ao BE e PCP”, que ideia se pretende passar? Já viram algum partido comprar ações por intermédio de um governo? Eu não, eles também não… Nunca iriam ver… Mas noticiam-no!
Mas o que é que a compra, legal, por todos nós (nós somos o Estado!), de 0,24%, de uma empresa cuja atividade principal resulta, inclusive, de uma concessão do Estado, representa de extraordinário? E se a decisão foi tomada pelas finanças, porque atirar com isto para cima de Pedro Nuno Santos?
É aqui que entra o papel reacionário, conservador e passadista do Chunga e da “redundância liberal”. Defensores acérrimos da ordem neoliberal e do modo de produção capitalista, na sua versão purista, o que está por detrás deste ataque é o facto de, desta feita, ter sido um governo, um Estado, o sector público, todos nós, o povo português e a democracia, a comprar ações aos privados e não o contrário.
Não se conhece um argumento sólido, válido, científico contra a manutenção, crescimento e fortalecimento de um sector público empresarial. Pelo contrário, em democracia, todos os argumentos válidos, apenas aconselham a que o que seja estratégico para o país e para as nossas vidas, seja de todos, reverta para todos e não para alguns apenas. Se os privados procuram obter escala, com os seus monopólios, para assim dominarem e obterem lucros mais elevados; o que o Estado faz, quando privatiza, é prescindir dessa vantagem em nome de interesses privados, traindo o interesse de todos em função do interesse de meia dúzia.
À falta de lógica e argumentação científica, democrática, humanista, ataca-se com o preconceito e a mentira. E tanto mais feroz é o ataque, quanto mais danosa para os interesses privados e do grande capital, sejam as ações em causa. Quanto mais importante e vantajosa for, para todos nós, a decisão pública em causa, mais violento, mentiroso e reprovável será o ataque.
O resultado destes ataques é conhecido…. Acaba com um Milei no poder e com os seus votantes a maldizerem-no, dois dias depois de lá ter chegado.
Ainda não percebei bem esta tendência para o abismo, mas é algo que me custa muito a compreender, como pode alguém, tomar decisões de apoio político contra todos os seus interesses pessoais, individuais, egoísticos e de sobrevivência. Sei como se produz tal preconceito e ignorância…
Custa-me a aceitar que, no século XXI, depois de tudo o que passámos, historicamente falando, ainda ontem, já estejam tantas e tantos preparados para voltar à mesma trampa, mudando apenas o plástico que a envolve. Se é que o plástico muda, sequer.
Como demonstrei… Se calhar, nem o plástico muda. Fica sempre o mesmo… Bonitinho por fora…. Vazio por dentro!
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