O CDS morreu e o PSD ainda vai sentir a sua falta

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 09/12/2021)

Daniel Oliveira

É compreensível que o PSD não dispense lugares a um partido que não deve valer qualquer deputado e que não queira Rio ao lado de um líder que afasta eleitores exigentes. Mas, mesmo que esta decisão fosse inevitável, não há razões para o PSD festejar. O seu futuro será mais difícil sem este parceiro do passado.


A crise no CDS é estrutural, por redundância. Como escrevi antes, o CDS era a última estação onde desaguavam todos os que estivessem a direita do PSD, fossem liberais mais radicais, conservadores, democrata-cristãos, saudosistas, nacionalistas. Com o nascimento do Chega e da IL, esses espaços ficaram quase totalmente ocupados, com a eficácia da melhor clareza e da novidade. E o CDS é um apeadeiro onde ninguém quer desembarcar. A péssima liderança apenas explica a incapacidade de segurar o núcleo duro. Fosse Adolfo Mesquita Nunes, pelo menos o flanco liberal seria segurado por alguém mais sólido e credível do que o dogmatismo doutrinário da IL. Não daria para mais do que o partido do táxi, mas permitia passar o cabo das tormentas até à clarificação da reorganização da direita portuguesa.

Com Francisco Rodrigues dos Santos, sobrava ao CDS aliança com o PSD. Com uma de duas funções: a de sobreviver a este momento até virem melhores dias – é o que esta liderança tem feito em todas as eleições – e melhores líderes ou a de uma fusão que aproveitasse o património político e histórico do partido.

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A decisão do PSD em não dispensar lugares a um partido que não deve valer neste momento qualquer deputado é compreensível. Assim como se compreende que o partido não queira ver Rui Rio ao lado de um líder que, mais do que afastar eleitores do centro, afasta eleitores exigentes.

Há um risco aritmético nesta decisão. Por pouco que valha o CDS, a dispersão de votos em alguns distritos pode fazer a diferença para o número de eleitos. Sobretudo numas eleições em que a direita vai tão fragmentada. E há sempre o voto inerte no CDS. Pequenas diferenças que podem fazer grande diferença em alguns círculos eleitorais. Em Lisboa, teria significado a derrota de Carlos Moedas. Apesar da consequência não ser a mesma – nas legislativas não governa obrigatoriamente quem fica em primeiro –, é relevante do ponto vista simbólico.

Mesmo que esta decisão fosse inevitável, o CDS não será a única vítima. O PSD também sofre, a longo prazo, com a morte do CDS. Ele era o aliado natural que segurava eleitorado de direita. O PSD pode vir a precisar de um aliado assim no futuro e não é provável que Chega e IL o substituam.

A IL até pode vir a ter um bom resultado pela novidade, mas sem o conservadorismo democrático que o CDS abarcava (que casa com o liberalismo económico, mas não nos costumes) só teria futuro se viesse a ser semelhante a outros partidos liberais europeus, muito mais centristas. Nunca será um partido charneira, como é o FDP, hoje aliado ao SPD, na Alemanha. E, estando muito mais à direita do que os seus congéneres, é um partido classista e doutrinário, sem a adaptabilidade que o CDS tinha. Podendo ganhar com descontentamentos pontuais com o PSD, tem um teto de crescimento mais baixo do que o CDS já teve e do que o Chega tem. Quanto ao Chega, qualquer aliança com ele é tóxica.

Hoje, o CDS não representa ninguém. E não é provável que o PSD o salvasse, porque é difícil salvar um partido que se entrega ao suicídio da forma extraordinária e quase grotesca como o CDS se entregou. Mas não há razões para o PSD festejar. O seu futuro será mais difícil sem este parceiro do passado.


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Voando sobre um ninho de cucos – IV

(Carlos Esperança, 17/10/2021)

Na observação da ornitologia política a que me propus, antes de regressar aos pássaros de maior porte, vale a pena depenar um pardal da direita dura, Nuno Melo, que pretende substituir o atual presidente da comissão liquidatária, Francisco Rodrigues dos Santos.

O deputado profissional, em Lisboa e Bruxelas, sem possibilidade de euro-deputar, quer deputar em Lisboa, sendo obrigado a disputar a liderança do clube, o CDS, ao Chicão.

Nuno Melo é uma ave canora da capoeira da direita tesa, capturada por Cavaco, Passos Coelho e Paulo Portas, onde Cavaco era considerado um intelectual e Passos Coelho estadista. Pontificavam aí os Drs. Relvas, Marco António e Nuno Melo, quando Cavaco entrou em defunção política, Portas no mundo dos negócios, e Passos Coelho na cátedra universitária que lhe arranjou Sousa Lara, ex-censor de Saramago e futuro porta-voz do partido fascista, e a D. Cristas geria o CDS. Um bando de aves sonoras!

Nuno Melo, independente de direita, entre Salazar e Rolão Preto, em tamanho reduzido, considera o Chicão com falta de maturidade democrática, ele que viu na referência ética e espiritual do ELP e MDLP, o cónego Melo, “uma personalidade com um papel ativo, à sua escala, para a implantação da República tal como hoje (2008) a vivemos”, e que, lastimoso, propôs um voto de pesar à AR, quando do passamento do explosivo clérigo.

O antigo pajem de Paulo Portas viu aprovada contra si uma moção de censura proposta pela direção de Ribeiro e Castro. Nuno Melo voou sempre à direita do seu bando.

Este pardal ficou mudo quando o CDS foi expulso do PPE por conduta antidemocrática e quando a fotografia do fundador, Freitas do Amaral, foi retirada do Largo do Caldas, mas não se coibiu de afirmar que “o VOX não é um partido de extrema-direita” quando logrou obter deputados na Andaluzia com um decálogo programático fascista.

Santana Lopes e Nuno Melo eram os delfins quando Rui Rio, no PSD, venceu a tralha cavaquista e Francisco R. dos Santos, no CDS, foi o insólito herdeiro dos despojos da D. Cristas.

Perante as lutas intestinas da direita, inconformado por não estar mais à direita, nem ter credibilidade eleitoral, para apagar o incêndio que lavrava nas suas hostes, teve de sair dos bastidores o incendiário-mor, D. Marcelo, que agora dirige as operações contra o PS, para já, e contra toda a esquerda no futuro próximo.

Nuno Melo tem grandes hipóteses de voar, muito baixinho, que a envergadura eleitoral não lhe augura grandes alturas, e é o preferido do regente da orquestra que, ansioso, teve de fazer uma OPA amigável dos partidos da direita democrática.

Eanes tentou lançar um partido novo, a D. Marcelo bastou-lhe falar aos microfones para lhe caírem 2 no regaço. Nuno Melo é o ornamento do PSD à espera de entrar para a AR.

Começa a ser intolerável a conduta do PR em relação aos partidos de esquerda. Não lhe permite a fogosidade nem a ambição manter-se na área das suas competências e evitar a intriga e a chantagem, sobre os partidos de esquerda e sobre o eleitorado.

Para já, foi determinante na candidatura de Paulo Rangel e do irrelevante Nuno Melo, mas, enquanto patrocina as aves referidas, devia recolher as asas e as garras.


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É a mocidade que passa, Chicão

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 05/02/2020)

Daniel Oliveira

Primeira coisa interessante: apesar de Abel Matos Santos ter dito que Aristides de Sousa Mendes era “agiota dos judeus”, ter dado vivas a Salazar e ter garantido que a PIDE era uma das melhores polícias do mundo, só pediu desculpas pela parte de Aristides. E só se quis encontrar com a comunidade judaica que, espero, o tenha mandado dar uma curva por ter insultado um dos mais corajosos portugueses do século XX. Não pediu desculpas a quem foi torturado pela PIDE e às famílias dos que foram mortos. Que, também espero, teriam respondido que as desculpas não eram aceites. Conclusão: há uma direita que, do ódio explícito, só desistiu, e a custo, do antissemitismo. O resto continua lá.

Segunda coisa interessante: os velhos desabafos do salazarista antissemita eram largamente conhecidos no CDS. Imagino que tenham sido guardados para uso posterior para, com o sexólogo já como vice-presidente, embaraçar o novo líder. Não havia como Francisco Rodrigues dos Santos não conhecer estas frases ou pelo menos as convicções de Abel Matos Santos. Mesmo assim, convidou-o para vogal da Comissão Executiva. Conclusão: o novo líder do CDS não se importa de ter um salazarista antissemita (e já agora homofóbico) como vice desde que as pessoas não saibam o que ele é.

Ou o vogal da Comissão Executiva foi corrido ou percebeu antes do seu líder que não havia defesa possível. O líder, esse, pode ter ficado ainda mais frágil do que começou. O CDS lá vai cantando e rindo, levado, levado sim, pela voz do som tremendo de uma comédia sem fim. Ainda agora chegado e o líder já começa a ficar gasto. É a mocidade que passa, Chicão.

Terceira coisa interessante: a capacidade de resistência de Rodrigues dos Santos é de três dias. Na reação à divulgação de frases que obviamente conhecia, disse que eram antigas (certo, por isso não foi surpresa), que tinham sido divulgadas para prejudicar o CDS (certo, e a culpa é de quem pôs o CDS em posição de ser prejudicado) e a forma como Abel Matos Santos se tinha distanciado do “rótulo ignóbil” (ignóbeis eram as suas frases, não o justíssimo rótulo) era clarificadora.

Três dias depois, sem que as frases tivessem passado a ser mais ignóbeis e Abel mais ou menos clarificador do que tinha sido, o líder mudou de opinião. Disse que o CDS é a “fronteira de todos os extremismos”. Fronteira como no espaço Schengen, imagino. Por isso, o vogal apresentou a renúncia. Só não foi por razões pessoais porque seria demasiado descarado tão poucos dias depois da sua eleição. Ou foi corrido ou percebeu antes do seu líder que não havia defesa possível. O líder, esse, ficou ainda mais frágil do que se estreou. Conclusão: parafraseando um hino que comove Abel, o CDS lá vai cantando e rindo, levado, levado sim, pela voz do som tremendo de uma comédia sem fim. Ainda agora chegado e o líder já começa a ficar gasto. É a mocidade que passa, Chicão.