O ELÁSTICO ORÇAMENTO DA CATARINA

(Joaquim Vassalo Abreu, 08/11/2017)

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Que como ainda não é feito em fibra de carbono ou outro qualquer material imune ao esticanço, mas para isso resolver temos aí a WEB SUMMIT e milhares de inovadores e empreendedores à espera de uma incubadora que, certamente como outras coisas inimagináveis, tal descobrirão, ele tanto estica, tanto estica que…rebenta!

É o Orçamento da Catarina! Tais e tais medidas, diz ela, não mereceram cabimento na generalidade, mas asseguro-vos que, na especialidade, tudo faremos para que elas lá constem. Essas e muitas mais.  Na especialidade, portanto, o Orçamento vai virar elástico!

A Mariana, por seu turno, numa excelente intervenção no Parlamento, desmontou num ápice a argumentação da Direita (as célebres clientelas das Esquerdas de novo, por exemplo) mas não resistiu à tentação e borrou no fim a pintura. Quando se referia às compensações pelo aumento de cerca de um milhão de Euros na despesa (redução do IRS, aumento das Pensões, dos Subsídios etc, que este Orçamento contempla), disse que a compensação é marginal (aumento do imposto sobre as bebidas açucaradas etc). Não referiu o aumento da Derrama Estadual, mas disse-o de modo orgulhoso e convicto.

A pergunta óbvia é: Mas de onde vem o dinheiro para colmatar esse aumento de despesa, certamente que justa e que eu até a apoio? Quem financia, Mariana? A isto ela respondeu que é o crescimento que concorre para que haja mais cobrança de impostos. Portanto, para a Mariana, o putativo aumento da cobrança de impostos advindo do crescimento económico será gasto na diminuição de impostos, não é? E o défice, Mariana? Como se baixa o défice?

Pois aqui está a questão e isso leva-nos para as famigeradas “Cativações”. Que, afirma a Catarina, sendo um instrumento de gestão de controlo corrente e por todos usado, “não podem servir para cumprir com Bruxelas e falhar com os parceiros”Ora, se o aumento das receitas com Impostos não dá para diminuir o défice, que mais resta que as “Cativações”? Poupanças, quero eu dizer, nos gastos intermédios do Estado e em alguns serviços. Mais endividamento, claro.

Ah, afirma ela, e aqui secundado pelo Jerónimo, que tivemos um Saldo Primário de cerca de cinco mil milhões e poupamos cerca de mil milhões em juros. Não se pode gastar algum? Pois, mas por alguma razão o nosso défice desceu e contando com os juros (cerca de sete mil milhões) ele será ainda de cerca de dois mil milhões. Como se colmata? Com mais dívida, é também evidente. E também porque dois mais dois ainda são quatro.

Eu não sou ninguém para dar lições à Catarina, e muito menos à Mariana que é uma reputada economista, mas sempre lhes recordo que cabe a qualquer Governo consciente da sua função e das suas obrigações, ter uma política prudente e preventiva no que concerne ao financiamento do Estado e da Economia, para que diminuindo ou acabando os estímulos do BCE na compra de activos (perspectiva-se que diminuam para metade já em Janeiro próximo) tenhamos condições para acorrer aos Mercados.

Mas para irmos aos Mercados em condições vantajosas temos que ter contas sãs e défice a pender para o zero, pois senão a dívida aumentará sempre, e um satisfatório “rating”. Mas de que depende o “rating”? Disto tudo, é claro também. O bom senso tem como limite o défice zero, quer se queira quer não.

Eu também não concordo com este “sistema” que está implantado, em pertencermos a uma moeda única que nos tolhe e em não termos instrumentos eficazes como a taxa de câmbio ou moeda própria, por exemplo. Mas é o que temos, enquanto tal não se modificar. E é obrigação de quem aspira à governação, ou a mesma queira influenciar, resistir à tentação da demagogia.

 O PODEMOS em Espanha, por exemplo. Teve a oportunidade de ter sido Governo em aliança com o PSOE mas, inseguro, pretendeu encher mais o balão através de novas eleições e desatou a reivindicar medidas sem conta, cerca de noventa, para que o PSOE não pudesse aceitar e levar a sua avante. Que sucedeu? Baixou a sua votação e deixou de contar para uma maioria! A demagogia às vezes paga-se! Mas pega-se, não é? Alguma vez terá o Bloco vontade de pertencer a um Governo?

Por registo de interesses, não sou apoiante do BE, antes pelo contrário, nunca nele votei e certamente nunca votarei mas, como pessoa de Esquerda, respeito-o, até porque faz parte da “Geringonça”.

Mas não aprecio e critico até a sua forma um tanto ou quanto imatura e excêntrica de actuar. Pelo que digo: Sei o que é o PCP e o que representa; também sei o que é o PS mas, sinceramente, não sei bem o que é ideologicamente o BE.

Sei que vão chover mil críticas a este meu posicionamento mas, como não sou o dono da verdade absoluta nem sou imune a críticas, pois façam o favor…

Tenho para mim que, tal como o “Albergue Espanhol”, o Bloco é o reduto onde cabem todos os indefinidos de Esquerda, os que foram anti-PCP, os que se revêm nas Esquerda do PS, mas não aceitam subscrever as regras do Capitalismo (e tudo o que nisso significa) e são assim como que uma sobra das Esquerdas, mas muitas vezes com uma arrogância intelectual tal que faz com que seja vista como uma organização pretensamente elitista. A Esquerda “Bairro Alto” ou “Caviar”, como também lhe chamam.

E não posso, para terminar, deixar de referir que não me agrada e irrita-me mesmo que, na vigência desta solução governativa, exiba muitas vezes uma postura sobranceira, a roçar muitas vezes o cinismo, reivindicando como de sua patente medidas que foram negociadas a três (ou quatro), quebrando até e muitas vezes o próprio sigilo auto imposto por todos. E isto diminui a sua fiabilidade e confiança, pelo menos para mim.

Mas na sua entrevista ao DN, que acabei por ler, constatei também uma surpreendente afirmação sua e que, de tão estimulante, eu acabei até por reler :”…as folgas pontuais não resolvem o problema estrutural da dívida”. E fiquei muito, mas muito confuso e perguntei-me: Se não são as folgas, será o quê? E como se faz para que as folgas deixem de ser pontuais? E como é que, sendo pontuais, servem para “esticar” o Orçamento?

Mas também fiquei convencido que, depois de saber dos seus dotes de alquimia, foi ela que, qual Alexandre- O Grande  com o “Nó Górdio”, resolveu o complexo, indecifrável e irresolúvel “nó” da “Quadratura do Círculo”!

Balanço dos líderes (1): Catarina, a maioridade do Bloco

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/12/2016)

Autor

                              Daniel Oliveira

De hoje até ao fim do ano farei a análise da prestação dos cinco líderes partidários, neste ano de 2016, e alguns dos desafios que têm pela frente. Por esta ordem: Catarina Martins, Jerónimo de Sousa, Assunção Cristas, Pedro Passos Coelho e António Costa.


Quem, no final de 2014, tivesse visto o resultado da IX Convenção do Bloco de Esquerda nunca poderia prever o que estamos a viver hoje. A linha de Catarina Martins empatava com a ala mais ortodoxa, representada por Pedro Filipe Soares. Bastava um voto de diferença e o apagado líder parlamentar teria garantido um resultado trágico para o BE. Mas mesmo Catarina Martins era então uma coordenadora pouco mobilizadora. O partido estava dividido depois de várias derrotas e ziguezagues, com risco de perder ainda mais votos para novos protagonistas e para António Costa, muito mais apreciado pelo eleitorado de esquerda do que António José Seguro. Contra ele, o Bloco tinha acabado de aprovar uma estratégia de radicalização e indisponibilidade para qualquer entendimento: “Os sectores que se aproximam do Partido Socialista e com ele pretendem governar abdicam de responder ao principal desafio colocado ao país: desobedecer às imposições da UE como condição para cumprir qualquer objetivo da esquerda em Portugal. O Bloco não desiste.” Todos os astros pareciam alinhados para tudo correr mal. Incluindo os astros que o BE controlava.

Depois começou a pressão. A pressão da popularidade de Costa no eleitorado bloquista, a pressão de dissidências e novos partidos, a pressão dos próprios eleitores de Costa, a pressão de sondagens que davam Passos com uma forte possibilidade de vencer. E contra todas as probabilidades, uma coordenadora que não era especialmente popular, que não parecia ter especial talento mediático, revelou-se. Todos os debates que teve na campanha correram-lhe bem, na rua esteve irrepreensível e até conseguiu ofuscar a jovem estrela Mariana Mortágua. A imprensa começou a ser favorável, as sondagens começaram a prometer o que nunca se esperou – o BE elegeu deputados que nunca equacionou para o lugar – e Catarina deu o golpe de misericórdia: propôs a Costa, num debate final, uma solução de governo. Ao contrário do que sucedia com o PCP, que já preparava essa solução, tratou-se mais de um golpe de circunstâncias, para aliviar a pressão do voto útil, do que uma proposta pensada. Mas estava dito.

Dos resultados das eleições, sobraram duas coisas: um António Costa mais fragilizado do que se esperava, o Bloco à frente dos comunistas (o que psicologicamente é muito relevante para qualquer um dos partidos) e a impossibilidade de contar com uma maioria de esquerda sem a participação dos dois, PCP e BE. O Bloco sabia que não podia deixar de entrar na solução. Não apenas pelo compromisso assumido, mas porque a pressão dos eleitores, junto do PS, BE e PCP, durante a campanha, tinha sido enorme.

Apesar de alguns deslizes um pouco absurdos – como dizer que o Governo que o Bloco sustenta não é de esquerda –, o BE tentou encontrar o seu espaço na “geringonça”. Soube encontrar objetivos, propô-los e fazer sua cada vitória. É, aliás, a crítica mais comum que lhe tem sido feita: querer dar nas vistas. Devo dizer que a considero uma crítica bastante tonta. A ideia de que um partido pode contribuir para uma solução em que não manda sem sublinhar as suas vitórias corresponde à defesa do suicídio político dos parceiros menores de um entendimento. Para a saúde da “geringonça” é fundamental que todos os partidos nela envolvidos sintam que o seu papel está a ser reconhecido pelo seu eleitorado. No dia em que o BE deixar de assinalar as suas vitórias António Costa deve preocupar-se. Quer dizer que está de partida. Deste ponto de vista, as sondagens que dão o PS à beira da maioria absoluta são um perigo para a geringonça. Ela pode tornar-se vítima do seu próprio sucesso.

Sobre a participação do BE na geringonça, tem-se dito tudo e o seu contrário: que é ele que manda no Governo, criando impostos a que se dá o nome de deputadas, ou que meteu a viola no saco. Não me parece que este tipo de leituras, que têm o objetivo de criar ora mal estar no PS ora mal estar no BE, devam merecer grande análise. O Bloco definiu um conjunto de grandes objetivos que foram cumpridos, com exceção das mais relevantes medidas de combate à precaridade que parecem estar agora a ser negociadas. Tornou bem clara a sua participação nas várias propostas. Tem imensa facilidade em explicar aos seus eleitores a utilidade no seu voto. Até a alguns que não votaram no Bloco.

O BE tem, na sua participação na “geringonça”, três dificuldades. A primeira é a Europa. Os constrangimentos europeus são a grande fronteira que impede um entendimento mais sério com os socialistas. E que pode, em caso das coisas correrem mal, provocar um desentendimento sério. Só que, ao contrário do PCP, a posição bloquista sobre a Europa resulta de uma evolução e tem muitas matizes. É muito mais difícil para o BE do que para o PCP definir uma linha de ruptura. A segunda são os próprios eleitores. O Bloco tem de mostrar sempre a utilidade de votarem nele e não no PS. Porque uma parte do seu eleitorado é emprestada. Terá sempre, muito mais do que os comunistas, de sublinhar as suas vitórias. A terceira tem a ver com a sua vida interna. A participação do Bloco não resultou, como se percebe pela moção de estratégia aprovada antes do acordo com os socialistas, de nenhum debate interno prévio. O partido que assinou este acordo é praticamente o mesmo que dizia que quem se aproximava do PS desistia. O Bloco de Esquerda, onde Catarina Martins continua a ter muito menos poder do que parece – seguindo uma tradição dos comunistas, são dirigentes mais apagados que concentram grande parte do poder da pequeníssima máquina –, não quer abandonar a “geringonça”. Mas também não gosta de estar nela. Não seria impossível – e não seria a primeira vez – que um erro tático deitasse tudo a perder.

Mas a verdade é que, até agora, o Bloco tem sido uma peça essencial neste processo. Maltratado pelos comentadores, como é comum acontecer com a força que seja mais determinante à esquerda do PS (quando o perigo vinha dos comunistas era o PCP que tinha má imprensa), é um elemento fundamental para pressionar os socialistas – que temem muito mais a capacidade de atração do BE do que do PCP – a manter a governação alinhada à esquerda.

Foi o lado performativo de Catarina Martins que a levou a preparar-se para a campanha de 2015 de forma exemplar e a transformar um cenário catastrófico na maior vitória de sempre do Bloco de Esquerda. Mas, ao contrário do que muitos julgavam (eu incluído), há mais do que isso. E isso ficou claro quando, a meio da negociação com o PS, quando as vozes internas se começavam a atropelar no espaço público, a coordenadora disse o indizível naquele partido: “quem fala pelo Bloco sou eu.” Aproveitando a força conquistada nas urnas, liderou um processo. Sem o resultado eleitoral que teve, e para o qual contribuiu de forma decisiva, nem o BE teria sido contado para a “geringonça” nem a direção teria conseguido impedir que a oposição interna a boicotasse. Foi Catarina Martins que conseguiu dar uma nova relevância ao partido nascido há 18 anos. O que ainda não se sabe é se tem a autonomia para liderar uma estratégia de longo prazo. Ou se o Bloco tem essa estratégia. Nos momentos difíceis, e eles virão, é isso que impede que se comentem alguns erros ditados por falhas de percepção ou por nervosismo. Erros mais habituais nos bloquistas do que nos comunistas, como nos diz a experiência.