O medo das classes médias

(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 28/11/2022)

O que levará que duas figuras risíveis, que em princípio deveriam provocar o riso e o desprezo devido aos bufões, a ter seguidores, a ser-lhes dada atenção como se fossem seres humanos respeitáveis, dotados de valores, de um discurso coerente?

O facto de Ventura e de Rangel aparecerem nos órgãos de comunicação e perante nós – Nós – a comunidade que anda por escolas, fábricas, hospitais, universidades, igrejas, cinemas, teatros, museus, que lavra, tece, conduz comboios, aviões, autocarros, que entra numa livraria, que diz bom dia, obrigado, faz favor dar atenção e levar a sério estas duas figuras de pechisbeque, de aceitar que se apresentem como candidatos a serem os seus dirigentes, a intervir nas suas – nossas – vidas é para mim um mistério e, assumo, uma vergonha.

Haverá uma explicação para estas aberrações merecerem um segundo de atenção, um cagagésimo de respeito e crédito?

Há, e não é um bom motivo. A explicação chama-se medo!

O jornal El País de hoje contém um artigo de Joaquin Estefania (ver aqui), que explica estes comportamentos em que os mais abjetos seres de entre nós podem ser tomados como remédio e salvação.

Vivemos um momento da História (como outros) em que se perdeu o “princípio da esperança” e se instalou o medo e a incerteza. Como consequência as classes médias enfrentam a realidade assustadas como um rebanho perante uma trovoada. A indefinição do conceito de “classes médias”, permite que todos os que não pertencem aos extremos sociais se sintam temerosos pelos estragos provocados pela crise que vem, recorde-se, de 2008 e do escândalo do Lheman Brothers.

A filósofa Hannah Arendt, no livro “Homens em tempos de escuridão” escreveu que o mundo se torna negro quando os cidadãos deixam de partilhar sentimentos de responsabilidade coletiva e apenas se preocupam com os seus interesses individuais, quando perdem por completo a confiança na política e voltam as costas a tudo o que diz respeito à esfera pública. Quando a população manifesta desconfiança e receio nas instituições democráticas e o individualismo alcança cumes sem precedentes.

Os Venturas, os Rangel surgem deste medo e deste individualismo extremo.Vivemos numa sociedade doente quando monos como estes surgem no espaço público a vender banha de cobra e têm compradores.

Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

2 pensamentos sobre “O medo das classes médias

  1. O medo da classe média é a consequência do sistema económico tal como é pensado.

    O medo da classe média, como se pensa, é a consequência do sistema económico.

    Na corrida pelo “sucesso” também se tem a impressão de testemunhar a corrida dos espermatozóides, o vencedor leva tudo e os outros só têm de morrer!

    O estado da nossa sociedade de acordo com a minha percepção,coloca-nos frente a frente com a nossa situação de destruição da nossa sociedade, por todos os meios utilizados pelos nossos “irresponsáveis”, cuja única preocupação é encher os bolsos. Nomeadamente: deculturação, abandono dos serviços públicos, pulverização das nossas tradições, substituídas por indivíduos ignorantes e violentos, originários de qualquer lugar, e a quem concedem todos os favores e atenções, a fim de desintegrar a nossa coesão social. Para os mais frágeis entre nós, isto significa miséria e pobreza, insegurança sem justiça para todos. Cheques ilusórios a seguir em vez de uma redução da carga fiscal, especialmente devido ao preço destas dispendiosas “transformações”. (A mudança da população não é gratuita, pelo que é aconselhável fazer pagar a uns o que um promete aos outros)..

    A “classe média” (um eufemismo politicamente correcto para “proletário” ou “trabalhador”, uma vez que a pessoa que troca 40 anos da sua vida por um salário cuja evolução e durabilidade não consegue controlar é de facto um cativo) destruiu-se por acreditar que era possível prosperar acumulando benefícios gratuitos (escola, saúde, benefícios, desemprego, reforma por distribuição, défices públicos maciços para manter a ilusão), enquanto trabalhava (ou produzia) cada vez menos. O despertar vai ser muito difícil, e a “classe média” está de volta à sua verdadeira definição: o proletariado que pode ser perfurado à vontade.
    As “classes médias” de outra forma e anteriormente chamadas laboriosas, foram laminadas com o desenho da globalização que planeou substituí-las por uma massa estrangeira, se possível, e de um nível inferior, o que serve ter um indivíduo “treinado” ou formatado (com a escolha) se já não há os ofícios e a actividade para os empregar e que foram voluntariamente destruídos? E isto é apenas o começo.

    O que é fascinante é que muitas pessoas foram persuadidas de que “o que seria do seu interesse não é do seu interesse”, já que a defesa dos seus salários, regulamentos, impostos sobre empresas/pessoas ricas, etc., teria um “efeito contraproducente” e acabaria por levar à perda de um emprego, dinheiro, serviços, segurança, etc.

    O objectivo do actual sistema económico nunca foi o de responder às necessidades do povo, embora por vezes possa ser esse o caso, mas sim o de perpetuar a ordem social respondendo simultaneamente às necessidades dos dominantes, a começar pela preservação da sua dominação..

    É necessário distinguir a “narrativa” servida diariamente (reduzir a pobreza, o desemprego, melhorar os serviços públicos, etc.) do objectivo efectivamente perseguido, que é exactamente o oposto.

    Este sistema maquiavélico é inteiramente manipulado com a maior discrição.
    Extracto de “Understanding the capitalist tragedy – Imagining the system after”, que desmantela as cordas.

    Penso que é uma pena que estas reflexões muito interessantes se limitem à economia e à política. Vi por mim próprio a incrível resistência que a grande maioria de nós pode mostrar aos argumentos mais poderosos se forem contra a nossa forma de pensar. .

    As pessoas não pensam que estão a ser manipuladas, esse é o problema. Como a estupidez se tornou um lugar comum, a pessoa mais estúpida capaz de expressar uma ideia torna-se um génio. Em breve seremos os últimos na Europa, mas felizes! Schwab estava mesmo antes do seu tempo, a fábrica idiota tem funcionado perfeitamente. E as nossas chamadas elites, que supostamente formam a classe política, não são excepção à regra. Eles estão no topo da lista, no topo do desfile de sucesso do cinismo. A fraqueza torna-se crónica, a coragem e inépcia! Coragem em todos os sentidos da palavra. Todos são afectados, todos os estratos. Dinheiro, poder, desrespeito pelas regras, desrespeito pelos outros e tantos outros abusos tornaram-se as novas regras. Cabe-nos a nós encontrar a saída, não vai ser fácil!

    O facto é que eles são incompetentes para governar se o bem comum é o objectivo!

    Quando se é posto de lado, entra-se num conjunto de reacções de largo espectro [fazer tudo para fazer aceitar () fazer tudo para convencer ]. Se uma classe de pessoas se sentir rejeitada após uma iteração, pode acabar por desenvolver a sua própria propaganda de exclusão em relação a outros grupos.

    Passado algum tempo, esta classe de pessoas, se tiver poder, ‘escorre’ esta propaganda e este gotejar tem uma função retroactiva. Mas isto introduz tanto um aumento na complexidade da propaganda (ao acrescentar novas variedades) como o carácter “propagandístico” da propaganda desvanece-se na mente dos transmissores. Assim, caem na sua própria armadilha e desenvolvem um preconceito particular.

    O que me fez compreender que 90% dos economistas concordavam com as bases da ciência económica e que os 10% que distinguiam entre keynesianos e liberais eram puramente políticos. E são estes 10% que os neoliberais tentam fazer passar como verdades científicas.

    Esta noção de homem supérfluo traz à mente os comedores inúteis (todos nós, ou quase todos nós) que os globalistas agora querem exterminar. Fizeram este rebanho enxame nas praias ou em frente à televisão e agora querem eliminá-lo. E o rebanho deixa-se liquidar sem um segundo pensamento, especialmente no Ocidente. É verdade que eles não se sentem muito úteis ou auto-confiantes.

    A inteligência é poder ouvir argumentos e confrontá-los com as nossas ideias sem ideologia, apenas sobre factos e a aceitação de que as nossas ideias podem ser tendenciosas. Distinguir-se de se deixar influenciar mesmo por um discurso bem trabalhado mas manipulador..

    No entanto, ao desmantelar as nossas conquistas sociais, desviando os nossos princípios de vida cívica. O valor do trabalho é condicionado pela coragem, força de vontade, sacrifício e autotranscendência, e não há lugar para os fracos e falíveis. A escola é o primeiro passo na competitividade, sempre mais sempre melhor. As nossas carreiras educacionais e profissionais dependem do nosso know-how e competências de vida. Esta sociedade afecta directamente quem nós somos, visa a nossa integridade e dignidade. Aquele que não sabe, aquele que precisa de orientação, aquele que precisa de mais tempo, é fraco, preguiçoso, rapidamente desencorajado.

    Depois torna-se cada vez mais invisível, impróprio para a sociedade, é responsável pelas suas escolhas. E para provar o contrário, é-nos mostrado um jovem da Cova da Moura, miserável mas que só foi bem sucedido graças à sua coragem e vontade.

    O individualismo torna-o estúpido, especialmente, diria eu, em trabalhos “intelectuais” que dependem apenas de blabla para terem razão (não há possibilidade de arbitragem objectiva). Ao contrário dos trabalhos técnicos ou racionais. Onde,e quem está certo ou errado é visto pelos resultados (fiabilidade, velocidade, eficiência).

    As elites políticas só seguem os seus interesses, e os políticos as suas carreiras, como numa empresa ou numa escola, se não concordarem com o líder, serão marginalizados, colocados no guarda-roupa porque serve apenas a sua carreira.Assim, não estamos em democracia porque os homens são egoístas, sem respeito pelos valores da República, desonestos, perversos, etc. Assim, obedecem àqueles que lhes pagarão mais tarde sem se preocuparem com os interesses do povo. Não são estúpidos mas sim mentirosos, de má fé, bons para ir ao Tribunal por porem em perigo o país que terão arruinado no processo..

    Portanto, para a sociedade, o pensamento global é mais eficiente… Pela sua sobrevivência. Mas individualmente, é mortificante…O preconceito “egocêntrico”, ou seja, do juízo moral, ou do prisma tendencioso. Na minha opinião, o único preconceito é o preconceito narcisista. Ou seja, a despersonalização que vem do fetichismo social. Ou seja, o culto do dinheiro, o dia em que o instrumento do indivíduo se torna o deus do grupo (dinheiro, ou mesmo a sociedade – que é apenas um instrumento do indivíduo -). A natureza do ser humano é colectiva, mas como a sua natureza chama, e não como o seu instrumento (sociedade) impõe. A sociedade tem a sua lógica de sobrevivência, o indivíduo a sua lógica de auto-realização, o indivíduo não deve conformar-se com a paranóia do grupo, que se recusa a morrer e a permitir que outras hipóteses de grupo nasçam.

    Os avanços sociais e económicos não foram feitos deliberadamente, mas foram calculados (por exemplo, avanços sociais na Europa Ocidental imediatamente antes da guerra…). A prioridade para estes bárbaros históricos é manter A SUA ordem. Dependendo da sua estratégia e do modelo de sociedade que desejam para si próprios, será ou o caos ou um contexto socioeconómico mais favorável. Os partidos políticos, estão organizados como uma seita (um clube), com os seus treinadores ideológicos e uma hierarquia bem definida. É portanto o poder central (poder real) que cria estes órgãos de propaganda (democráticos ou não). Os signatários destas “seitas” fechadas juram fidelidade à ideologia do partido, ao “programa”. Sair da fila, desobedecer à festa, significa no final ter de a deixar. Quem financia as fábricas de gás dos partidos políticos, quem os estrutura e os promove? Não admira que nem sempre compreendamos os políticos: são-lhes dadas ordens a que se submetem.

    De facto a democracia está a ficar perigosa, a discussão, mesmo com a propriedade de todos os meios de comunicação e editoras, já não é aceitável. Existe, portanto, uma censura objectiva generalizada.
    Isto é verdade em todas as áreas, e foi particularmente evidente durante a pandemia de Covid-19.
    A nível legislativo, esta censura tem sido associada a uma acumulação sem precedentes de leis liberticidas.
    Mas mais uma vez, isto não é o resultado do livre arbítrio, de mentes enredadas em estupidez. É a consequência directa e necessária da concentração do capital na era do neoliberalismo, uma época em que a democracia representativa tradicional já não pode ter lugar.

    Não posso deixar de notar que muitos proletários, provavelmente uma maioria hoje em dia, trabalham activamente contra os seus interesses de classe, muitas vezes precisamente adoptando esta atitude hostil e competitiva em relação ao seu alter-ego de classe que os reaccionários de todos os tipos, incluindo os liberais..

    Pensar que os políticos são “idiotas” já é retirar-lhes a responsabilidade pelas decisões que tomam. Recuso-me a ser enganado por esta conversa populista ridícula. Isto leva directamente à conclusão de que eles não estão conscientes do que estão a fazer, quando na realidade o contrário é que é verdade. Estão a defender A SUA visão das coisas e a burguesia (o seu suposto ódio de classe) tem interesse em falar da forma como fala, pois beneficiam muito com isso. Recusar-se a reconhecer isto é viver no mundo que não é meu..

  2. Uma das razões para o medo da classe média advém, desde logo, por se sentir abandonada pelo sistema, a começar pelos partidos, cujo discurso está ao nível da senhora do Banco Alimentar e do PR, sempre voltado para baixo.
    Vejamos o caso do PCP ou do BE, qual o discurso que promovem, que motive, desenvolva a autoestima da classe média? Nenhum, porque entendem que os da classe média já são uns priveligiados. Mesmo que a esmagadora maioria desses ditos priveligiados sejam tão assalariados e fornecedores de força de trabalho como os que recebem o SMN.
    Por sua vez, para o PS e PSD a classe média interessa para lhe sacar os impostos. Acresce que enquanto governo até entendem que para vencimentos e pensões acima de um dado montante, por exemplo acima de 2000 €, nem merecem ser actualizados pela taxa de inflação, o que corresponde a uma perda contínua de poder de compra dessas pessoas, que por acção do governo tendem a ser casa vez menos classe média
    Ou seja, a classe média nao só se sente estar a ser empurrada para baixo, como está mesmo a ser empurrada para baixo, tanto mais que algumas das medidas que o governo toma, sob a forma de apoios, não passam de paliativos, coisas pouco consistentes.
    Os governos estão sempre a invocar a escassez de recursos, o que até é verdade, mas quando olhamos para as respostas do governo às exigências da UE e da NATO, (2% do PIB para a defesa isto é para a NATO) aparecem os milhares de milhões, dinheiro que não havia para desenvolver a economia, melhorar o emprego e a produtividade.
    O que espanta é o silêncio dos povos, designadamente da classe média pagante. E qual a razão para não reagir? Por medo? Talvez, mas não só.
    Penso que, nos dias de hoje, a democracia é ameaçada por aqueles que mais dizem a querer defender: a comunicação social.
    Os media foram tomados por gente contratada para passarem uma visão unipolar do mundo. Falam todos pela mesma cartilha, com estes ou aqueles adjectivos, com maior ou menor capacidade argumentativa, no fundo dizem todos o mesmo e se há alguém que pense diferente, esse não tem acesso ao microfone nem ao teleponto. Ou, se de todo em todo não lhe podem negar uns minutos de antena, aparece logo um comentador a repor a verdade oficial, a verdade de quem paga. É só ir ver os comentários que se seguiram a cada entrevista do novo secretário geral do PCP.
    Esta visão unipolar, sempre alicerçada em palavras mágicas, defesa da “democracia” , da “liberdade” , da defesa dos “nossos valores”, em oposição às ditaduras, aos regimes opressores, de tão repetida acaba por fazer o seu caminho, caminho de sentido único, porque não há discurso alternativo. Ou seja, a incerteza, a insegurança que é apregoada e a insistência com que é feita só pode gerar o medo e as reacções que o medo provoca.
    Digamos, (com algum exagero, talvez) que se vive ou tende a viver um tempo de trevas, equivalente ao da idade média, com a agravante deste ser mais global, por ter grandes motores a contribuir para a visão unipolar do mundo, com todo o medo lá dentro, logo um tempo propício para os palradores e batoteiros.

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.