O Fim da Pax Americana: A Queda de um Império

(Por Andreas Mölzer, in Réseau International, 10/07/2022, trad. Estátua de Sal)

É tarefa e privilégio do historiador dividir o curso dos acontecimentos políticos, económicos e sociais em épocas, em períodos. Como é sabido, o curto e terrível século XX durou desde 1914, quando a Primeira Guerra Mundial começou, até 1989, quando o império soviético entrou em colapso. Depois disso, não ocorreu o “fim da história” com a contínua vitória do sistema de valores ocidental e da democracia ao estilo ocidental, mas sem dúvida foi a era do domínio mundial pela única superpotência restante, os Estados Unidos da América.

Este período durou umas boas três décadas, até ao início da atual guerra da Rússia com a Ucrânia, que é essencialmente um conflito entre o maior país do mundo, a Rússia, e o Ocidente como um todo, representado pelo Tratado do Atlântico Norte. Durante este período, que durou quase meio século, os Estados Unidos foram capazes de impor os seus interesses políticos e militares em qualquer parte do planeta e a qualquer momento – pelo menos em teoria.

E tentativas nesse sentido, por parte dos EUA, não têm faltado. Com mandato ou não da ONU, com aliados da NATO ou por conta própria, os Estados Unidos conduziram, de qualquer forma, inúmeras operações militares de diferentes graus de importância durante este período, arrogando-se a si próprios no papel de única superpotência e polícia do mundo. Seja no Iraque, Afeganistão, Somália, Balcãs ou América Latina, os americanos sempre agiram no interesse da sua posição como potência mundial e das necessidades da sua economia. É claro que sempre usaram o pretexto de manter a paz, os direitos humanos e a democracia. Na maioria das vezes isto foi apenas um pretexto e quase sempre infrutífero. De facto, na maioria dos casos, os americanos têm agido sem êxito nos últimos 40 anos. O fracasso da operação militar no Afeganistão e a retirada sem glória das tropas americanas há um ano são disso mesmo a prova mais recente.

Até 1989, o adversário da América na Guerra Fria era o império soviético, liderado pelas lideranças russas do Kremlin. Após o colapso do socialismo real e do Pacto de Varsóvia, a Federação Russa também se desintegrou e enfraqueceu nos anos 90. Grandes áreas do território dominado pela Rússia, especialmente na Europa Oriental, caíram sob domínio estrangeiro. Foi somente o declínio da Rússia, durante a era Ieltsin, que permitiu aos Estados Unidos estabelecer o seu domínio global.

Hoje, sob a liderança de Vladimir Putin, a Rússia recuperou um pouco nos últimos anos. Tornou-se novamente um “ator global” desempenhando um papel político em conflitos globais, como no Médio Oriente. Com a eclosão da guerra na Ucrânia, parece que os EUA estão novamente a desempenhar um papel dominante na NATO e continuam a agir como o polícia do mundo, mas na realidade, os europeus em particular são mais uma vez forçados a seguir a liderança política e militar americana. Por outro lado, a Rússia de Vladimir Putin – quer ganhe ou não a guerra na Ucrânia – está a posicionar-se como o adversário político global dos americanos. Enquanto até agora ainda era possível assumir uma espécie de coexistência com a superpotência americana, a Rússia está mais uma vez a tomar uma posição clara e frontal. Portanto, existe novamente uma espécie de ordem mundial bipolar.

Parece que a união dos países BRICS, ou seja, países como o Brasil, Rússia, Índia, China e, no futuro, Irão e outros países, está a dar origem a uma ordem mundial multipolar na qual os Estados Unidos serão apenas um polo entre outros. Resta saber se esta ordem mundial multipolar será também capaz de trazer estabilidade global, se uma espécie de equilíbrio de poder emergirá. O que é certo é que a pax americana, a ordem mundial dominada pelos EUA, está a chegar ao fim.

No entanto, os Estados Unidos continuam a ser a potência económica mundial dominante. A indústria americana, as multinacionais dominadas pelos americanos dominam a economia mundial. O potencial inovador dos EUA – o Vale do Silício, por exemplo – continua a ser o maior do mundo. Embora o tecido social e o nível educacional da sociedade americana estejam em rápido declínio, os EUA permanecem na vanguarda das novas patentes e do desenvolvimento tecnológico. Mas aqueles que conhecem o estado das infraestruturas dos EUA sabem que o país permanece em parte no estado de um país em desenvolvimento.

E culturalmente, é verdade que as tendências globais da moda, incluindo as loucuras do politicamente correto, têm a sua origem nos EUA. Mas para além disso, o tecido sociocultural do país está à beira do colapso. Isto deve-se, evidentemente, principalmente à imigração maciça da América Latina e ao aumento da população de cor.

O domínio dos protestantes anglo-saxónicos brancos já desapareceu há muito e os EUA correm o risco de se tornar uma entidade multicultural dominada por pessoas de cor e latinos. Assim, a “terceira mundialização” dos Estados Unidos continua e o declínio da principal potência económica mundial acelera ano após ano.

Quer os presidentes republicanos, como Donald Trump recentemente, lancem o slogan “Make America great again” e visem um curso bastante isolacionista, quer os presidentes democratas tentem reconquistar o papel de liderança dos Estados Unidos no mundo, é em última análise irrelevante. O facto é que os Estados Unidos são um país com problemas e conflitos crescentes, económicos, demográficos e culturais. E isto torna obsoleta a pretensão da América de continuar a ser a superpotência dominante no mundo. Do mesmo modo, a pretensão dos Estados Unidos de estabelecer o seu modelo político e social como um ideal global e de o impor tanto quanto possível, se necessário por meios militares, também é obsoleta.

Assim, o império americano ainda não está à beira do colapso, mas a sua pretensão ao poder global é em grande parte obsoleta. De certa forma, o império americano assemelha-se ao seu atual Presidente – ele parece estar senil. Resta saber até que ponto os europeus serão capazes de utilizar a fraqueza crescente do império americano para reforçar a sua própria posição.

Atualmente, são absolutamente dominados pelo Pentágono e desempenham apenas um papel secundário na NATO, tanto militar como politicamente. No atual conflito com a Rússia, os países da UE estão mais ou menos a seguir à letra as diretrizes americanas. A esperança que existia há vinte anos de que os europeus pudessem emancipar-se do domínio americano no seio da NATO e que uma NATO europeizada pudesse conduzir a uma política europeia de segurança e defesa própria, desapareceu há muito tempo.

Contudo, não há dúvida de que o declínio do império americano deveria forçar os europeus a desenvolver os seus próprios projetos, especialmente os militares. Mesmo a autodefesa da UE contra uma Rússia cada vez mais autoconfiante e agressiva seria difícil neste momento sem os EUA. Se os europeus quiserem desempenhar um papel numa ordem mundial multipolar, terão de se tornar autossuficientes no poder e na política militar, e terão também de fazer esforços de forma independente. Deste ponto de vista, o declínio do império americano é uma oportunidade para os europeus!

Original aqui


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7 pensamentos sobre “O Fim da Pax Americana: A Queda de um Império

  1. «Se os europeus quiserem desempenhar um papel numa ordem mundial multipolar, terão de se tornar autossuficientes no poder e na política militar, e terão também de fazer esforços de forma independente. Deste ponto de vista, o declínio do império americano é uma oportunidade para os europeus!»

    Ora nem mais.
    Agora falta que os cidadãos se informem e votem melhor, e elejam quem os tenha no sítio. Ou seja, falta tudo!
    A Europa vai mesmo perder a oportunidade.
    Alguém consegue ver, neste momento, um cenário diferente?
    Quando temos no Budestag um grupo de deputados (do Die Linke e da Alternative für Deutschland, respetivamente a Esquerda e a Direita soberanistas) a pedir o fim do tiro nos pés (aka sanções ilegais) que está a destruir a economia europeia e a vida de tanta gente, e a única resposta de Scholz e companhia é: “vocês são putinistas” – e acabou-se a conversa!
    E pior, o eleitoradizinho de cérebro bem lavadinho pela impensazinha “livre”, ainda aplaude Scholz e critica-o por não ser suficientemente “Polaco” ou “Lituano”…
    Finalmente a Alemanha voltou a ter défice externo.
    E os juros a 10 anos da dívida pública de Itália já vão acima de 3%, ou seja, já a ter de pagar um “prémio” de 200 pontos base em relação às Bunds germânicas. E ainda agora estamos no princípio do fim do Quantitative Easing, e na primeira fase de aumento dos juros do BCE.
    Eu já falo deste cenário desde 2012, mas os €uro-tolos ainda hoje não se aperceberam do que aí vem.
    E depois os preços do Brent até já tiveram uma TEMPORÁRIA interrupção na sua escalada (que analistas americanos dizem que só vai parar acima dos 300 dólares/barril) devido às perspectivas de recessão.
    E na rua, os protestos ainda mal começaram, e os políticas dos Países Baixos já disparam bala reais contra agricultores.
    E ainda falta o Inverno, as pessoas a passar frio, sem emprego, e os orçamentos de guerra a subir.
    Nem décadas de lavagem cerebral da “imprensa livre” vão proteger os boys e girls de Davos/Bilderberg desta vez.
    R.I.P. União Europeia.
    Viva a Europa!

  2. Valha-nos nosso senhor do coisinho. Boa parte das pessoas que escrevem sobre a coisa, seja de que perspectiva for, são incapazes de deixar a xenofobia e o racismo em casa quando defendem a burguesia que devia mandar e continuar a explorar as pessoas e destruir o planeta – a principal questão para os iluminados. Não podem mandar as bombas de uma vez, que isto não vai a lado nenhum?

  3. Um texto perfeitamente medíocre e infestado de banalidades, em que o autor se limita a despejar uma sequência de factos conhecidos de todos ao mesmo tempo que se esforça por distorcer as implicações dos mesmos para salvar a face do seu amado imperialismo em derrocada.

    Assim, “O potencial inovador dos EUA – o Vale do Silício, por exemplo (!!!) – continua a ser o maior do mundo” (a sério?!) “embora o tecido social e o nível educacional da sociedade americana estejam em rápido declínio”…

    E porquê? ora, claro que é por causa dos negros e dos latino-americanos que não param de chegar. Já aqui faltava uma menção disfarçada à teoria idiota da “Grande Substituição”.

    Obviamente que esse tal “declínio social” nada tem a ver com o facto sem importância de os EUA serem um Estado tecnicamente fascista (estruturalmente em tudo igual o que derivou do partido “dos fascios” de Mussolini no século passado, com as grandes oligarquias a controlarem um indigente aparelho de Estado) e baseado num regime de partido único encapotado (os Republicanos e os Democratas são na verdade ideologicamente iguais, apenas se distinguindo por terem clientelas diferentes) e que ainda por cima não tem absolutamente nenhumas preocupações com o bem-estar da sua heterogénea população, antes apostando na propaganda e na brutalidade judicial e policial para manter essa mesma população controlada.

    Bem, seja como for o Império Americano já viu melhores dias… mas enfim, isto não deixa de ser uma oportunidade para a Europa apostar mais na modernização das suas forças armadas para assim se tornar mais influente… no seio da NATO, pois claro!

    Grande imbecil. Quando a Europa tiver conseguido “modernizar” a sua indigente capacidade militar actual, com uma importação maciça de armamento americano ainda não fabricado, já o mundo será completamente diferente, e a própria União Europeia terá deixado de existir como resultado da revolta das suas populações subitamente empobrecidas em resultado do servilismo dos seus dirigentes para com o Império. Disso já estamos a ver os primeiros sinais, e ainda não vimos nada…

    Não sei se este textozinho nojento foi encomendado pelo inefável Macron, mas que ele corresponde aos sonhos molhados dessa caricatura de político, que passam por criar uma força de intervenção europeia destinada a defender os interesses da França em África, disso não tenho dúvidas.

    Sabemos que o tempo histórico não é igual ao tempo em que se movem as vidas das pessoas, e que em História um período de, por exemplo, 100 anos pode até ser curto. Mas o Império unipolar americano não vai durar nem dez anos, talvez nem mesmo dois ou três. Na verdade, ele poderá até já ter terminado e Biden não sabe, nem tão pouco a caricatura de “historiador” que escreveu este lamentável texto.

    Tudo indica que os acontecimentos presentes, com epicentro no Estado falhado da Ucrânia, irão muito em breve dar forma a uma completa revolução na estrutura geopolítica internacional, que ditará a derrocada não só do Império americano, mas de toda a sua base económica e social, as quais dependem em absoluto da supremacia do dólar para sobreviver. Como eu já disse aqui, vivem de dinheiro falso.

    Os historiadores da velha guarda defendiam que o distanciamento temporal é condição indispensável para uma análise histórica séria e coerente, dado que só esse distanciamento nos permite ver todas as implicações dos factos em apreço. Coisa que para os pseudo-historiadores da inacreditável corrente de pensamento da “História Nova” é de somenos importância.

    E é assim que temos de levar com estes arautos da propaganda disfarçados de “intelectuais” e que nos presenteiam com as suas asneiradas primárias, mas nada inocentes.

  4. Leio o texto com a bonomia fluída de um tema familiar. O posicionamento político do autor é-me fornecido pela perspectiva, o seu ângulo de visão, sobre os acontecimentos históricos. O vocabulário é standard, mesmo comum numa certa esquerda porreira, chic, digamos. Vou lendo….
    Às tantas, a frase ”… o tecido sociocultural do país (EUA) está à beira do colapso. Isto deve-se, evidentemente, principalmente à imigração maciça da América Latina e ao aumento da população de cor.“ Como!?, será que estou a comer gato por lebre!? Leio outra vez. “…. evidentemente, principalmente…“ Levantei-me, fui beber um copo de água, a desopilar. No discernimento o fio leve de um mofo a racismo servido em celofanes, muito ao gosto de sectores da extrema-direita.
    Digo extrema-direita porque hoje é segunda-feira e gosto de começar a semana bem disposto. Nos restantes dias da semana, incluidos domingos e feriados, deixo-me de apelidos e trato-os pelo nome, fascistas. Andreas Mölzer é um alemão-nacionalista austríaco. Foi conselheiro e mentor de Jörg Haider. Um „deutsch-nationaler“ e… como é ocidentaler, também é liberaler. Mais informações sobre a „fera“ existem às toneladas na NET. A celebridade teórica atingiu-a com o „Umvolkung“, um conceito típico da dicção nazi, para significar a transformação social pela assimilação de outras „raças“. No caso dos nazis a sua raça ariana seria submersa pelas outras raças „inferiores“. A estirpe ariana é-nos fornecida hoje pelos banderistas ucranianos, sim, sim, esses criminosos tatuados que se protegem atrás de mulheres, velhos e crianças, para que o exército russo não lhes deite a mão.
    Ora bem, nesta história toda há um aspecto interessante. De facto era aqui que eu queria chegar. É como o fascismo se apresenta às populações com uma perspectiva e uma dicção própria da esquerda. O verdadeiro nome dos nazis é nacional-socialistas. Estão a ver a terminologia com que as „feras“ se enfeitavam? Os trabalhadores sabem do valor imenso do socialismo. Ora, os nazis decoravam-se com o termo socialismo para engodar os trabalhadores. Uma vez no poder, o que os nazis fizeram com os trabalhadores, também isso está bem documentado. A este propósito convém dar a palavra a Fidel Castro: „A próxima guerra na Europa será entre a Rússia e o fascismo; a não ser que o fascismo se passe a chamar democracia“. Para o Fidel vinham os Mölzers de carrinho. E neste momento eles são mais que as mães por esse Ocidente fora…
    Depois de conhecer os pergaminhos do sr. Mölzer, fico também a entender onde a „fera“ quer chegar, com o seu rancor suave aos EUA, as suas simpatias aveludadas pela Rússia, a sua paixão disfarçada por uma NATO puro-sangue europeia. Quem já teve uma puta virgem pela frente conhece a frase de cor, „não me vais fazer doer, pois não?“

  5. Os EUA nunca parou impor seus interesses à base do medo, valorizando essa metodologia destrutiva. Pronto, agora temos outros players à altura que se desenvolveram bastante a partir desse método.

    Onde estão os tratados ou planos de paz internacional? Os planos de desmilitarização internacional? Os planos de desarmamentismo internacional? Ou pelo menos planos para desacelerar o armamentismo em todos os países proporcionalmente ao que cada país tem de arma por habitantes? Por que eu NUNCA ouço ninguém falar disso?

    Ninguém lembra da Segunda Guerra Mundial?

    Parece que as grandes potências (EUA, CHINA E RUSSIA) esperam e QUEREM uma guerra… infelizes…

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