Sou o diabo e estou aqui para fazer o trabalho do diabo

(Pedro Candeias, in Expresso Diário, 30/08/2019)

Na política, há um recurso que doravante designarei de apropriação linguística disfarçada para efeitos de dramatização. É só uma expressão comprida que me veio à cabeça quando li as análises da Ângela Silva às entrevistas de António Costa e Catarina Martins; em ambas, a Ângela refere que o “Diabo” foi subliminarmente introduzido na pré-campanha, pelo PM e pela coordenadora do BE, na guerra particular que vão alimentar – mas sem que nenhum deles tivesse utilizado textualmente a palavra “Diabo”.

Fazê-lo seria uma apropriação linguística às claras com efeitos dramáticos para eles, pois tanto um como o outro se bateram contra a previsão diabólica de Passos Coelho, acusando-o de lançar maus presságios infundados para, lá está, ganhar pontos.

Assim que o melhor é não acicatar o Belzebu, não vá o povo lembrar-se. Porque, na verdade, é difícil saber se Lúcifer assomará brevemente à porta, a julgar por este trabalho do Jorge Nascimento Rodrigues e da Sónia Lourenço, que procuraram respostas sobre o elefante na sala. Então, senhor e senhora especialistas, a crise vem aí? Bom, sim, não, talvez; na verdade, é complicado.

Portanto, para já, foquemo-nos na política, fiemo-nos na Ângela Silva.

A estratégia de António Costa parece delineada: afastar, mais ou menos, o parceiro Bloco de Esquerda, manter o Partido Comunista a uma distância amigável e ir lançando o tema de um eventual crash, motivado pelas incertezas dos mercados face ao Brexit e aos delírios de Donald Trump. É uma narrativa plausível.

Perante isto, Portugal precisaria de um Governo seguro, sólido e pouco permeável a um partido “mass media”, não é verdade? E qual é o único partido que pode oferecer a estabilidade e a impermeabilidade sem cedências ou derivações? “Não vale a pena complicar a nossa vida acrescentando riscos de uma crise política aos riscos externos”, disse Costa à TVi, na quarta-feira.

Vai daí, na quinta-feira, Catarina Martins argumentou perante o país que o BE é mais parecido com o Partido Comunista do que aquilo que o PM disse na entrevista ao Expresso. E que também o BE é capaz de ser estável, previsível, sustentável, e todas essas coisas que um eleitor comum gosta. “Nunca inventámos crises, houve dossiês complicadíssimos e apresentámos sempre soluções, algumas vezes foi o PS que não as quis”.

De modo que, entre os dois, o jogo continuará a jogar-se nestas regras, independentemente (ou indiferentemente?) àquilo que o PSD ou o CDS possam fazer à direita. A julgar pelas palavras de Catarina Martins, a coligação ex-PaF está moribunda e a questão vital das futuras eleições está na possibilidade de o PS conseguir uma maioria verdadeiramente absoluta.

Se não conseguir, logo que se vê, porque na política as palavras valem o que valem. “Perguntei a António Costa se estava disponível para conversar sobre uma solução. António Costa está mais virado para fazer acordos com o PSD. Era bom que o PS dissesse qualquer coisa de esquerda”.

Estas frases não são de agora, mas de 2015, e depois foi o que foi (pode lê-las aqui). Talvez estejamos somente a assistir a uma cinematográfica pausa dramática.

Falando nisso, fiz a minha quota parte da apropriação linguística: o título é uma deixa do último de Quentin Tarantino. Se não o viram, fica a recomendação.

3 pensamentos sobre “Sou o diabo e estou aqui para fazer o trabalho do diabo

  1. Muito bem, três vezes. Pedro Candeias, um dos links da Ângela Silva e mais um filme genial do Tarantino (aviso: e não saiam antes de passarem a ficha técnica no fim pois há uma boa surpresa, pás).

  2. “Francisco Guarido, único alcalde de IU: (Zamora)…
    ¿Podemos hace banalización de la política?

    Yo creo que sí. Y lo piensa mucha gente. Lo vemos a diario: en las formas, en las presentaciones públicas… Podemos hace teatro, mucho teatro. Son expertos en teatro.

    MAS ONDE É QUE EU JÁ VI UMA SITUAÇÃO QUE ME PARECE BEM DESCRITA NESTA DECLARAÇÃO DO AUTARCA DA IU?????
    Fontte: https://www.elmundo.es/papel/lideres/2019/08/30/5d68002521efa0ce018b4588.html

    • Soares, tem calma pá!

      _____

      “O PS, em relação a medidas positivas, concretizou-as e isso não pode ser escondido. Nas relações que tivemos com o PS sempre houve uma grande franqueza, de procura de fundamentação, de demonstração, de que era possível ir mais longe, garantir direitos. Da parte do PS, embora nalgumas matérias bastante renitente, onde, por vezes, quase era necessário uma paciência revolucionária…” – Jerónimo de Sousa.

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