A patética chuva de insultos e de “casos” contra Costa, como se isso fosse fazer oposição ao Governo

(Pacheco Pereira, in Sábado, 28/10/2018)

JPP

Pacheco Pereira

É patético ver a sucessão de “casos”, “casinhos”, processos de intenção, fake news, coisas anedóticas com que a nossa direita alt-right sediada no Observador e não só, saudosa dos anos de Passos, tenta usar como oposição ao Governo e a António Costa. E é patética porque mostra um enorme desespero para tentar atingir os seus alvos com borrifos de água, e um retrato de impotência ao ver que eles raras vezes ficam molhados. Então há uma segunda linha de questões destinadas a explicar o fracasso da primeira: de teorias conspirativas sobre protecções mediáticas, duplicidades, manipulações, até ao carácter mefistofélico de Costa, que seriam responsáveis pela ineficácia dos ataques.

Os ataques são ineficazes porque são ao lado, são pouco sérios, são um retrato de reviravoltas entre o que defendiam nos anos da troika e o que agora defendem contra Costa ou são minudências que não justificariam aparecer como opinião, ou são exageros e falta de bom senso.

Há uma razão principal para este voltar para o anedótico: é que a política de Costa, de Centeno e da geringonça é no essencial muito parecida com a que fariam se estivessem no governo. E isto cria um vácuo que engole a direita alt-right e os saudosos do PAF, que não pode fazer uma genuína oposição ao Governo e, então, volta-se para os “casinhos”.

Ilustração Susana Villar
Ilustração Susana Villar

Seja dito com clareza que este Governo mereceria uma outra oposição, mas esta deveria defrontar as “regras europeias”, as políticas do défice 0%, e depois muitas outras opções derivadas, como seja o combate à pobreza pela assistência e subsidiarização, e não pelo conserto do elevador social que o governo PAF avariou e tentou destruir. E por aí adiante.

O PSD não o faz porque não rompeu nunca com a política da troika, mas pelo menos poupa-nos à gritaria inconsistente da alt-right. Esta esbraceja, mas é inócua. De facto com esta oposição, Costa pode fazer as asneiras que quiser, e já tem feito muitas, sem ser afectado.


O que temo em Trump, temo em Bolsonaro

Ou seja: a guerra civil. A guerra civil nos dias de hoje não é o que era. Não temos regimentos a favor de A contra regimentos a favor de B, milícias do Sul contra milícias do Norte. Mas temos quatro frentes de batalha que se não estão já em guerra vão a caminho: a justiça, os media, as redes sociais e a rua. Do ponto de vista institucional das democracias, a politização do sistema judicial, característica comum nos EUA, no Brasil, como é na Polónia, é gravíssima e está a acelerar como se viu com o folhetim Kavanaugh.

Depois, não sei se a rua é a mais perigosa, porque nem Trump nem Bolsonaro ganharam na rua, ganharam entre os media e as redes sociais, cada vez mais parecidos no abandono de qualquer vontade de verdade, rendidos os media às audiências e ao tablóide, e as redes ao tribalismo e às fake news. Mas, a prazo, a rua ganhará importância e violência e estará por todo o lado.

Esta rua não é a das manifestações. É a que está nos comensais do mesmo restaurante que insultam os políticos republicanos e nos comícios de Trump em que se apela à violência contra os jornalistas. Uma das palavras de ordem mais absurdas, tendo em conta o que a casa “trumpiana” gasta, é a de vários candidatos republicanos: “Jobs not mobs”, “empregos em vez de multidões violentas”. E está na “normalidade” com que cada vez mais se aceita esta linguagem, esta violência, os insultos de Trump a partir do palanque da Presidência, as ameaças físicas directas, etc.

O principal problema desta guerra civil é como é que a retirada do poder dos homens que a alimentam, Trump e Bolsonaro, será feita sem violência. Nenhum sairá a bem, com urnas, tribunais, ou algemas.


Herman José merece todos os elogios

Herman José foi um genuíno revolucionário do humor português, criando um vasto conjunto de personagens que ainda hoje estão no imaginário comum. Os Gato Fedorento vieram a seguir, num caminho que Herman ajudou a abrir. Não lhes tiro o grande mérito que tiveram, mas a revolução foi Herman, tendo em ambos os casos a inspiração nos Monty Python por trás, mas isso não os diminui, bem pelo contrário. A vida de Herman passados os dias da glória não foi brilhante. Mas, num certo sentido, nunca foi de verdadeira decadência como às vezes acontece aos melhores e nem sequer a memória selectiva e muito injusta que o colocou na sombra, o diminui no seu valor. Até porque ele sabe o que foi e o que é, e sabe também, o mais difícil, o que parece que é.

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