(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 14/06/2017)
A nomeação de Diogo Lacerda Machado para presidente do Conselho de Administração da TAP é, como disse Pedro Passos Coelho, uma pouca vergonha? A resposta imediata não é simples. Por si só, não tem qualquer problema. A ideia de que o envolvimento do amigo de António Costa na negociação para a reversão de parte da privatização, em nome do Estado, cria qualquer tipo de conflito de interesses não faz grande sentido. Lacerda Machado negociou em nome do Estado e é em nome desse mesmo Estado que entrará para a TAP. Isto corresponde ao oposto de um conflito de interesses. Há uma confluência de interesses.
O que é grave e incompreensível é que Lacerda Machado tenha representado o Estado, não se sabe porquê e no início sem qualquer vínculo a ele, nestas negociações. Essa informalidade, habitual em algum nacional-porreirismo de que António Costa é cultor, levanta problemas para além daquele que o primeiro-ministro resolveu quando lhe garantiu, à pressa e de forma desajeitada, um contrato escrito. Lacerda Machado está em todo o lado em que o Estado tem problemas, apagando fogos como se fosse um ministro na sombra, um “faz-tudo” de Costa. E acumula essas tarefas com cargos em empresas privadas. Entre esses cargos esteve a Geocapital, uma empresa que foi parceira da TAP no pior negócio da sua história: a compra da Varig Engenharia e Manutenção. Tudo isto facilita a opacidade.
De cada vez que Passos tenta mostrar ao país a natureza do polvo socialista Costa devolve-lhe, num espelho, a natureza do bloco central. Costa embaraça o opositor, é verdade, mas não se pode dizer que fique bem no reflexo
Pelo perfil do envolvido e a natureza do lugar, a escolha de Lacerda Machado não tem a gravidade de tantos casos que conhecemos de políticos que saltam para o sector privado tendo como verdadeira utilidade os contactos que garantem e como verdadeiro currículo as facilidades que no Estado garantiram. Lacerda Machado não é Armando Vara no BCP, Eduardo Catroga na EDP, Pina Moura na Iberdrola, Jorge Coelho na Mota-Engil, Ferreira do Amaral na Lusoponte e tantos e tantos daqueles para quem a política foi uma rampa de lançamento para carreiras de gestão para as quais não estão qualificados nem, na realidade, vão propriamente exercer. Trapalhão como é, Catroga mostrou ao país o que lá fazem quando se dirigiu a Costa e lhe disse: “Se você precisar de mim para eu dar aí alguns entendimentos… Eu disponho-me a isso. Porque eu tenho uma visão da política que não é partidária.”
A nomeação de Lacerda Machado não corresponde exatamente a um padrão. Lacerda Machado não é um político. O lugar na administração da TAP não parece ser uma reforma dourada. Tendo interesses no privado, não temos razões para acreditar que se trate de um facilitador de negócios privados à custa do Estado. Tem sido, como já disse, um ministro na sombra para resolver problemas e carrega consigo toda a informalidade que Costa empresta à política. Não sendo uma pouca vergonha, é fortemente desaconselhável. E corresponde a uma cultura política que o primeiro-ministro não quer abandonar. Devia. O nacional-porreirismo é, com tantos sucessos políticos que tem tido, o seu calcanhar de Aquiles.
Outro dado interessante é a nomeação de Miguel Frasquilho como presidente da administração da TAP, um cargo mais relevante do que o de Lacerda Machado. Essa corresponde a um padrão e dá um sinal interessante. A geringonça não criou uma nova clientela. Apesar de serem determinantes para a maioria governativa, o Estado e as suas empresas não têm sido insuflados por boys e girls comunistas e bloquistas. Ao contrário do que aconteceu sempre que o CDS teve essa oportunidade.
Na realidade, mantém-se a lógica do bloco central. O que leva a esta situação caricata: sempre que Passos Coelho grita que é “pouca-vergonha” tropeça em alguém da sua entourage. Foi assim na Caixa, com Paulo Macedo, volta a ser assim na TAP, com Miguel Frasquilho. De cada vez que Passos tenta mostrar ao país a natureza do polvo socialista, Costa devolve-lhe, num espelho, a natureza do bloco central. Costa embaraça o opositor, é verdade, mas não se pode dizer que fique bem no reflexo.
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Na minha adolescência fui profundamente marcado por um Homem, deputado na Assembleia Nacional em representação do Estado de Goa, Reitor do Liceu Nacional de Gil Vicente, de seu nome Francisco Brás Gomes. Um Homem calmo, grande condutor de Homens, de tal forma grande que foi o único Reitor em Portugal que não foi saneado após o 25 de Abril, mesmo tendo sido deputado da AN. Revejo e projeto inconscientemente em cada goês a sua figura, pelo que António Costa, como goês, tem a minha atenção.
Também ele é um homem de pontes, que as cria e desenvolve, numa arte que muitos gostariam de saber como se faz, mas poucos o conseguem. A solução governativa só era mesmo possível com ele, tantos os Adamastores que se erguiam no horizonte, inclusive no próprio partido.
Alguém assim, procura ter a seu lado alguém com quem se identifique, tão poucos eles são, e Lacerda é claramente alguém capaz de fazer pontes, e nisso se identifica com Costa, pelo que não resulta estranha a sua especial ligação com Lacerda, mais do que uma espécie de braço direito, um verdadeiro 112 para as situações mais complicadas.
E Costa antevê dificuldades próximas futuras na TAP, onde a reversão a contragosto dos donos da companhia aérea, a copropriedade dos funcionários e a turbulência actual da aviação civil, pronunciam voos complicados e exigem a presença de alguém que seja capaz de construir pontes, chamando todos para o foco principal. E assim se percebe a chegada de Lacerda à TAP.
Podia Costa chamar outra personagem que não fosse do bloco central? A opção de manter a identidade política tem custos, e esses surgem invariavelmente quando há necessidade de chamar alguém a gerir a coisa. Poucas e raras são as personagens no PCP com aptidão para o lugar, com a agravante de serem inflexíveis nos ideais e defesa do partido, mostrando-se incapazes de servir os objectivos de qualquer governo que não o seu. E com a tormenta a caminho, seria um perfeito disparate conceder a um o lugar.
Já o Bloco tem algumas personagens que se mostram à altura, com flexibilidade suficiente para lutarem por um objectivo comum, mas que perdem na balança na flexibilidade para serem capazes de lidar com o americano e, sobretudo, com a UE e os problemas da aviação civil no seu seio. O problema do Bloco é mesmo esse, ainda não ter percebido que é mais útil lutar por dentro por uma UE melhor, em vez de estar fora e contestar a UE, que para o bem e para o mal é para manter.
E a escolha fica cada vez mais curta, só podendo encontrar uma âncora no bloco central, verdadeiro produto da inflexibilidade de esquerda, nos ideais e na opção UE.
Não é pois estranho, antes natural, as escolhas de António Costa. Não se pode recusar ser e querer ser ao mesmo tempo, e em especial o Bloco tem que aprender a flexibilizar as suas posições. O mais difícil está feito, ultrapassar o PC, faltando apenas dar o golpe de asa que o levará a roubar os socialistas necessários para constituir uma grande força política.
Hoje já poucos se lembram que no Bloco convivem os promotores do Grupo Revolucionário que atordoou Portugal ao som de atentados bombistas, antes é olhado com simpatia por muitos, fruto da forma descontraída de falar e colocar os problemas de que Louçã foi mestre, e que encontram em Ana Mortágua e Catarina Martins as suas seguidoras. A flexibilidade é um sinal de inteligência, nunca será uma negação dos ideais e muito menos uma derrota, antes um caminho para ter voz política, saibam as suas várias facções entender isso.
Se a nomeação de Lacerda vai ao encontro de um interesse próprio de controlar danos, a nomeação de Frasquilho antecipa as pontes necessárias para o período pós-Passos Coelho. Só não percebe isto quem está desatento e pensa que o ser cooperante do governo lhe garantia uns lugares entre os muitos que por aí andam à procura de quem ocupe a cadeira.