Regime, prefere doce ou Salgado?

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 15/03/2017)

 

"Continuei a privar com Ricardo Salgado."

(Marcelo Rebelo de Sousa, 13 de Dezembro de 2015)


A notícia de que o trajecto dos indícios sólidos para os indícios robustos, num périplo de 3 ou 4 anos exposto ao detalhe na indústria da calúnia, tinha finalmente conseguido ligar Sócrates a Salgado não entusiasmou a direita decadente que tem dominado PSD e CDS desde meados dos anos 80. Uns patos-bravos do Interior, apenas se distinguindo dos pedreiros porcalhões pelos Mercedes e pelas inflacionadas baselgas, isso sim. Uns escroques da ralé inglesa e seus envelopes, como no Freeport, mesmo fixe. E um sucateiro, cujo dinheiro tresanda a lixo e mijo, maravilha (é escarafuncharem mais um bocadinho que ainda o vão conseguir enfiar na “Operação Marquês” sem dificuldade). Essa tipologia dos putativos corruptores do odiado, porque temido até ao pavor, Sócrates está em perfeito acordo com a cosmogonia e teodiceia dos pulhas em versão direitola. Agora, o BES? O Espírito Santo mais espírito santo é que se lembrou de comprar um primeiro-ministro? Eh, pá… Então, mas o BES e o GES não alimentaram tantas bocas, e durante tantos anos, dos senhoritos (e suas famílias) que têm pululado nos quadros partidários e dirigentes do PSD e CDS? Atão mas, bá lá ber, será que agora vai-se também saber quem mais é que o santo Salgado comprou ou ajudou a comprar? Quer-se dizer, e isto sim é que é importante: a Comporta, afinal, não era um santuário ao ar livre só com gente séria e melgas em ininterrupto bacanal?

Como está claro desde o início, um processo judicial que leva à prisão de um ex-primeiro ministro por suspeita de corrupção torna-se, acto contínuo, uma questão de regime. Podemos até separar a exploração política do caso que foi e é insistentemente feita através de alguns órgãos de comunicação social, o que permanece incontornável é a gravidade do que está em causa: é impossível que a eventual corrupção, qualquer que se conceba, tenha sido concretizada apenas pela acção de um único indivíduo então no Governo, mesmo que esse indivíduo fosse o chefe do Executivo; aliás, por estar nesse cargo, a realização dos actos corruptos – dada a sua permanente exposição burocrática, política e mediática – implicaria uma logística cuja complexidade está absolutamente ausente em tudo o que foi vertido publicamente até à data e que acabaria necessariamente por envolver o próprio Partido Socialista e sua elite dirigente. Por outro lado, esta é uma questão de regime pela qualidade da investigação e dos actos judiciais que foram assumidos pelo Ministério Público e pelo juiz de instrução. Tal como não queremos viver numa sociedade onde após se deterem suspeitos de crimes, quaisquer crimes, eles sejam humilhados pela turbamulta e espancados pelos polícias só porque parece que cometeram ilegalidades, assim ficará por fazer a história deste processo onde desde o primeiro momento condicionador da liberdade de um cidadão, a detenção de Sócrates no aeroporto acabado de chegar a Portugal, tudo tem sido feito para condenar na praça pública um ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do PS sem que ele se possa defender de ataques criminosos. Estes actos têm responsáveis, se depois o País se dará ao respeito de os expor e julgar é o que veremos – mas não veremos, né?

E como temos descoberto nas últimas semanas, tocar em Ricardo Salgado é abraçar o regime. Um regime onde até Marcelo Rebelo de Sousa aparece na berlinda como um dos seus mais influentes e poderosos maestros. Perante a magnitude do que está implícito nas acções e omissões do Banco de Portugal e do Governo de Passos, este miserável caso onde ainda nem sequer se conseguiu acusar o bode expiatório da Nação seja do que for é agora uma fonte de luz apontada às mãos, e cabeças, escondidas na escuridão oligárquica.


Fonte aqui

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