(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 26/01/2017)

Sandro Mendonça
Sem dúvida que os tempos actuais parecem algo fora de órbita. A questão Trump é paradigmática. Porém, uma certa vaga de comentariado não faz nada mais do que moer a rosca. Ouve-se demasiado que o novo Presidente dos EUA é um “imbecil” e um “mentiroso”. Hmm, subestimar as capacidades de alguém não é avisado, mas subestimar duplamente é pior.
Em primeiro lugar, não se percebe como alguém que é burro chega a um dos empregos mais competitivos do mundo. Não se trata de um arrivista, mas alguém com uma ideia fixa há muito tempo e que mobilizou os meios necessários em cada etapa. Sim, este homem que agora quer mandar erguer um muro foi pela primeira vez capa da revista Time no ano que outro muro caiu: 1989.
Em segundo lugar, Trump não inventou a tal “pós-verdade”. Ele não é causa, é uma consequência. Isto são tempestades semeadas bem antes: deve-se a uma crescente bola de neve de impunidades … aquando da invasão do Iraque por George W. Bush, aquando da campanha de destabilização de todo o Médio Oriente vendida como “Primaveras Árabes” (nem começaram na Primavera, nem na península arábica). Não, as “notícias falsas” não são de agora, nem a propaganda é monopólio dos temíveis russos. Tudo isso tem sido mainstream, tanto na América como na Europa. Mais: não se pense que da boca de Trump só saem balelas, se fosse assim dificilmente teria feito ouvir a sua voz. Para se ter uma noção atente-se ao seguinte: numa frase Trump despachou 8 anos de conversa da treta sobre o que está a acontecer à Europa … a UE “é um veículo para a Alemanha”. E claro que a NATO é um instrumento caro que os europeus mal pagam e que falhou perante a crise mais grave, o terrorismo. A potência deste tipo de afirmações nada “politicamente correctas” desperta muitos sonâmbulos.
ESTIMAR O COEFICIENTE DE E.T. – EXPOSIÇÃO A TRUMP
Portanto, Trump precisa de firmar credibilidade com os seus eleitores brancos esmagados pela globalização. Ameaçou fabricantes automóveis que fazem deslocalizações, rasgou o tratado trans-Pacífico, decretou construir o muro (a primeira das obras públicas?). Mas Trump precisa de resultados também. Numa era em que a economia mundial pouco ou nada cresce percebeu duas coisas: os EUA só conseguirão crescer se outros abrandarem (a China, agora já desenvolvida tecnologicamente) e outros decaírem (a Europa, actor atordoado e auto-derrotista à custa do qual outros ganharão mais quota de mercado).
Olhando para a dimensão sectorial deste Trumpódramo em que se está a tornar a arena económica mundial vemos que muitos sectores estarão a ser impactados: automóvel (Trump quer promover Detroit à custa da Bavaria), farmacêutico (por causa do problema com os custos nos EUA), finança (o alegado programa de pipelines, muros, etc., etc.), defesa (ah, pois), etc.
Sectores, alguns deles importantes para Portugal como o automóvel e a industria do medicamente, devem fazer as suas contas e tentar perceber o seu grau de “exposição a Trump” (E.T.). Mas Portugal como um todo deve também ter uma estrutura superior que equacione desde já uma eventualidade de uma mega-disrupção, como o colapso da UE e fim do Euro.
ENTRETANTO, E POR ENQUANTO …
TSU-NAMI NUM COPO DE ÁGUA: A competitividade nacional nunca dependeu de mexida na TSU. A retirada de cena desta intensão é uma boa notícia. O PSD, que obviamente nunca apoiou uma política de baixos salários nem de emigração (!!), fez um grande favor a essa flexível Geringonça: deu-lhe um empurrão, … portanto esta já começou a funcionar em 2017 graças a este que foi o seu primeiro estampido do ano.
PASTEIS DE NADA: Portanto, … sempre que virmos uma “Padaria Portuguesa” em pleno centro da cidade já sabemos que lá dentro há: salários abaixo da média, preços acima da média. O creme de la creme está no meio.
JOÃO PAULO GUERRA: O Conselho de Opinião da RTP chumbou João Paulo Guerra como Provedor do Ouvinte. Se calhar é porque a sua “coluna vertebral” incomoda: este era o nome de uma histórica coluna de opinião na longa carreira de um grande e multi-facetado jornalista, a mais realmente corajosa durante anos a fio na imprensa económica. O chumbo é uma absoluta vergonha para o órgão. Não se pode então enterrar este Conselho de Opinião, já que está ferido de morte?
Muito bom. Pouca parra, muita uva. Ufff!