O país que perdeu quase tudo sem dar por isso

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 21/11/2016)

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O país amanhece hoje com mais um banco controlado por capitais chineses. O grupo privado Fosun passa a deter 16.7% do capital do BCP, tornando-se o maior acionista individual, através de uma operação de aumento de capital, pelo qual paga 175 milhões de euros. Fica aberto o caminho para chegar aos 30% e conta já com a luz verde do BCE para esse efeito. Também os direitos de voto vão subir do atual limite de 20% para 30%. A entrada dos chineses mereceu o acordo dos outros principais investidores, nomeadamente os angolanos da Sonangol e os espanhóis do Sabadell. A Fosun já controla a companhia de seguros Fidelidade e a Luz Saúde. Mas a entrada no BCP far-se-à através de uma entidade chamada Chiado.

O negócio é excelente para o banco, que precisava de estabilidade acionista e de aumentar capital, até porque ainda deve 700 milhões ao Estado da ajuda que recebeu durante o período da troika. Mas… o BCP é o maior banco privado português. A EDP é a maior empresa elétrica do país. A REN – Redes Elétricas Nacionais gere as principais infraestruturas de transporte de eletricidade e de gás natural. A ANA controla todos os aeroportos nacionais. A TAP é fundamental na captação de turistas para o país. Todos foram vendidos ou estão concessionados a investidores estrangeiros, assim como o porto de Sines (detido pela PSA de Singapura) e todos os outros (Lisboa, Setúbal, Leixões, Aveiro e Figueira da Foz, controlados pela empresa turca Yilport).

Ora um país que não controla os seus portos, os seus aeroportos, a sua energia (quer a produção quer a distribuição) nem o seu sistema financeiro na quase totalidade (escapa a CGD) é seguramente um país que terá no futuro cada vez mais dificuldades em definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.

Provas? A TAP quer comprar oito aeronaves para fazer face à procura crescente resultante das rotas que abriu para os Estados Unidos mas a ANA responde-lhe que não tem espaço para o seu estacionamento no aeroporto Humberto Delgado. Na verdade, os franceses da Vinci, que controlam a ANA, deveriam ter já arrancado com a construção de um novo aeroporto porque o número de passageiros na Portela está muito próximo do limite definido no acordo para que esse passo seja desencadeado. Mas preferem a solução Portela mais Montijo, que lhes sai mais barata e que só deverá estar pronta dentro de três anos, a construir um novo aeroporto, uma decisão obviamente de importância estratégica para o país.

Mais provas? Como se disse, o porto de Sines foi concessionado à PSA de Singapura. Ora, os chineses estão interessados em Sines, onde se propõem aumentar os cais e as plataformas de apoio, mais uma plataforma industrial para montarem os produtos cá e obterem o “made in Portugal”, podendo assim entrar sem problemas no mercado europeu. Só que a PSA de Singapura opõe-se e faz valer a sua opinião por ser dona da concessão. E as autoridades portuguesas pouco podem fazer porque infraestruturas deste tipo são únicas: não se podem construir outras ao lado.

É este o Estado que temos: sem poder para mandar naquilo que é verdadeiramente essencial para definir uma estratégia de desenvolvimento. E o que é espantoso é que quase tudo tenha acontecido em tão pouco tempo (entre 2011 e 2015, pouco mais de quatro anos) e que estivéssemos tão anestesiados que o não conseguíssemos evitar.

11 pensamentos sobre “O país que perdeu quase tudo sem dar por isso

  1. Avassalador e indiscutível. E de fácil compreensão. E por isso é tão terrível e condenatorio de uma política de alta traição. Parabéns.

  2. Há muita boa gente que parecendo discordar das privatizações a esmo faz de conta de que nada se passa. Em nome de uma globalização sem regras, em nome dos mercados, da livre circulação de capitais tudo é consentido, Ou melhor, tudo é incentivado, aplaudido como moderno e cosmopolita até à venda da independência e soberania nacionais. Depois da “Europa connosco” a China toma conta de nós.

  3. É triste verificar como alguns pulhas venderam o património estratégico deste pobre país a uma velocidade tal que a populaça nem se apercebeu que estavam a penhorar o futuro. Esta gentalha que deviam ser encostados à parede ainda têm o descaramento de falar em nome do povo que atraiçoaram. Se é necessário um novo aeroporto , que seja o Estado a construi-lo e a explorá-lo, Ao menos é um principio de tomada de consciência.

  4. Quando as boas ideias e as más mentiras dos políticos servem para estes serem eleitos em democracia, os habitantes do país ficam sujeitos a que, em vez de democracia, tenham uma ditadura financeira escondida no “neoliberalismo”. Essa foi a situação que Portugal atravessou e que está retratada neste e outros artigos seus.

  5. Aqui está o resultado das escolhas políticas dos portugueses. Elegemos mentecaptos e “vendidos”.
    Escondemo-nos em casa e não votámos, ganhou a abstenção, preferimos o bem-bom do comodismo…
    Alienámos e a nossa capacidade de decisão.
    Deixámos instalar no poder central e local uma chusma de incompetentes, de oportunistas. Elegemos uma Assembleia da República amorfa e vendida a interesses de várias “lojas”.
    Uma Nação com quase mil anos…aninhou-se e agora…..onde estará por aí uma Maria da Fonte ou que tais?
    O que queremos agora? O que fazer ?

  6. Pois é ainda a prossição ainda vai no adro!!!
    Esperem pelo futuro…e não façam nada
    que qualquer dia acordamos, com o nosso Trumposinho no Portugal dos Pequeninos !!!

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