A caminho de uma nova e mais violenta crise

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 14/11/2016)

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Será possível que o mundo esteja a trilhar o mesmo caminho que nos levou à brutal crise financeira, económica e social de 2008? Lamentavelmente, parece ser isso que está exatamente a acontecer. Com uma agravante: a situação política mundial é hoje bastante mais complexa e perigosa.

O alerta está contido num texto exemplar de Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e onde explicita tudo o que se devia ter feito na sequência da crise que abalou o mundo há seis anos – e tudo o que não foi feito nem está a ser feito. Os bancos deviam ser mais pequenos? Pois tornaram-se maiores. Os Estados, famílias e empresas deviam diminuir o endividamento? Pois estão mais endividados. Os mercados deviam ser mais regulados? Pois não se melhorou nada. Os produtos financeiros deviam ser mais transparentes? Pois estão de regresso os produtos cujo risco ninguém consegue medir. Bancos, auditores e agências de rating deviam mudar de comportamentos? Pois voltaram ao “business as usual”.

As similitudes com o que se passou antes da crise rebentar são inquietantes, agravadas ainda pelo facto de a política monetária dos Estados Unidos e Europa, assente em taxas de juro historicamente baixas e fortíssimas injeções de liquidez nas economias estarem a criar bolhas que podem vir a rebentar a qualquer momento, nos mercados acionista (onde o preço das ações não reflete o desempenho das empresas, segundo Carlos Tavares), obrigacionista e nalguns sectores do mercado imobiliário.

Daí decorre a probabilidade de enormes perdas de rendimento para os detentores deste tipo de ativos, inclusive para os bancos centrais dos Estados Unidos (FED) e da Europa (BCE) que detém carteiras obrigacionistas equivalentes a 13% do PIB norte-americano e 9% do PIB europeu respetivamente.

Acontece ainda que o programa económico do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, aponta para uma fortíssima injeção de dinheiros públicos na reconstrução de infraestruturas por todo o país (mais de 350 mil milhões de dólares), a par de uma descida de impostos sobre empresas e famílias, o que vai originar inevitavelmente uma subida da inflação. Daí à subida das taxas de juro é um passo de anão. Se a isto se juntar as acusações que fez à China de ser um “manipulador cambial” e de que vai aumentar em 45% os impostos para os produtos importados daquele país, bem como a intenção de denunciar ou suspender vários acordos comerciais, fica-se com uma ideia da enorme turbulência económica a nível mundial que se está acastelar no horizonte.

O que sugere então Carlos Tavares para evitar que este cenário negro se venha a concretizar? Pois que supervisores, bancos centrais e agentes políticos reforcem a coordenação e definam o que cada um deve fazer para atacar os riscos que começam a ameaçar de novo a estabilidade precária da economia mundial. A grande questão é saber se há neste momento condições para que isso aconteça, quando nos Estados Unidos emerge um poder que aposta numa nova vaga de desregulação do sector financeiro, na autarcia económica, na denúncia de acordos comerciais internacionais e na diminuição da independência da Reserva Federal. Infelizmente, e por tudo o que atrás fica dito, o reforço dessa coordenação parece estar condenado nos próximos anos. Como diria Einstein, só duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas no que respeita ao universo, ainda não adquiria a certeza absoluta.

2 pensamentos sobre “A caminho de uma nova e mais violenta crise

  1. Mas, ó Nicolau, uma nova crise?????…
    Será que o Nicolau considera a de 2007 extinta?
    Ou é o C. Tavares que aposta nessa?
    Eu não li, mas acredito que também esse Senhor esteja a ficar com as calças na mão, se bem que me pareça ser tarde demais para acudir ao Titanic em que a globalização transformou o Capitalismo, enquanto sistema que, há mais de 400 anos, invadiu, ocupou, explorou, escravizou, deportou, roubou, matou, dizimou, dividiu países contra a vontade dos povos, fez duas guerras mundiais, e, mais recentemente, idolatrou o deus dinheiro, tendo conseguido já que 1% detenha tanta riqueza quanta a que é detida pelos outros 99%.
    Já venho escrevendo isto há uns tempinhos, e desde que o Trump ficou na corrida, que o venho comparando ao iceberg que se iria começar a desprender e que, paradigmáticamente, virá (agora que foi eleito) a embater neste novo Titanic.
    Veremos…

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