Pobre país, o nosso

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 08/07/2016)

Autor

                  Pacheco Pereira

À data em que escrevo não sei o que vai acontecer com as sanções, mas sei que, aconteça o que acontecer, elas fizeram vir ao de cima o pior que existe hoje na política portuguesa. Refiro-me às posições de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, os mais directos responsáveis pelo próprio facto de poder haver sanções. Para atacarem o Governo, estão dispostos a prejudicar o País, porque não é um segredo para ninguém que não só são eles os governantes que não cumpriram as famigeradas “regras europeias” em ano eleitoral, como foram eles que varreram o cataclismo bancário para debaixo do tapete. Como também não é segredo para ninguém que desejam vivamente essas sanções, mesmo que não o possam dizer claramente. Outros serventuários menores dizem -no à saciedade, que Schäuble tem razão, que é mais importante que se cumpram as regras, e acima de tudo, que jeito dão as sanções para combater a maioria PS-PCP-BE, para punir os infiéis.

E é isso mesmo que significa a tese que alguns próceres do PPE, defendem, incentivados por Passos Coelho, de que o que é verdadeiramente sancionado é a política de 2016 e não a política de 2015, o que mostraria o abandono de qualquer resquício de legalidade, substituída por uma punição política, porque o Governo não segue a cartilha do Eurogrupo.

A imagem da Europa já está pelas ruas de amargura, verão como ela vai ficar quando na consciência dos portugueses cada vez mais aparece como uma potência estrangeira que nos governa com o pau e a cenoura. Pau para Costa, cenoura para Passos Coelho.

Numa coisa talvez tenham razão, mas é uma razão perversa. Talvez se estivessem no Governo não houvesse sanções, porque homens como Schäuble, Dijsselbloem e Dombrovskis são seus irmãos políticos, na mesma política de punir salários, pensões, reformas, de estagnar a economia europeia, de alterar a legislação laboral para facilitar despedimentos e na construção de uma Europa com crescentes desigualdades sociais, exclusão e pobreza.

Se o Governo cair será pela Europa, directa ou indirecta mente
Tenho dito e repetido à saciedade esta frase. Infelizmente os factos dão-me cada vez mais razão. E não tenham ilusões, aquilo que se perdoava sistematicamente aos “amigos” voltar-se-á com vingança contra os suspeitos de não morrerem de amores pela vulgata alemã.

Fazer referendos não é crime nenhum
Sugerir, propor, fazer referendos tornou-se quase um crime na actual vida pública portuguesa, no que aliás acompanhamos cada vez mais uma tendência europeia que tem apenas uma única razão: os referendos têm a estranha característica de não dar os resultados que os partidos do establishment pretendem que eles dêem. Estão todos a favor de uma coisa, partidos, associações patronais, grupos empresariais, grandes órgãos de comunicação, e de repente, o povo vota outra. Malvados! Demagogos! Populistas! Ignorantes e provincianos! Velhos! Pobres!

No caso português é preciso limpar muito a memória e reformatar o disco duro colectivo, para esquecer coisas como a tradição referendária de partidos como o PSD, que acabou por ficar apenas lembrada na Madeira por Jardim, mas que foi muito forte nos tempos de Sá Carneiro, e as mais recentes promessas do PSD e do PS de fazerem referendos para as principais decisões europeias. Até que holandeses e franceses mandaram para o inferno esse maravilhoso documento de engenharia política que era a Constituição Europeia. Então os referendos tornaram-se um crime, que apenas por se falar deles (uma medida legal e inscrita na Constituição) leva logo aos habituais impropérios de populismo, nacionalismo, soberanismo e radicalismo, o cúmulo dos insultos políticos hoje em dia.

Ora, há uma razão para que cada vez mais haja exigências de referendos: a consciência de que muitas decisões tomadas hoje na Europa e pelos europeístas não têm a aprovação da maioria das populações. E há uma coisa que se chama democracia, mesmo que não se exerça. Acresce que a pressão para os referendos vem também de os parlamentos estarem longe de funcionar bem, perdendo poderes sem prévia consulta aos cidadãos, dominados pelos partidos pró-europeus que bloqueiam toda a discussão de fundo do que se passa na Europa, remetendo para uma espécie de trevas exteriores do radicalismo todos os que criticam o actual curso europeu.

Sendo assim, como a pressão da opinião popular não se canaliza dentro, vem para fora. E depois fica toda a gente surpreendida com os resultados dos referendos.

A comunicação social tem muitas responsabilidades
Quantos dos grandes debates televisivos, os que têm maiores audiências em canal aberto, dão voz às críticas mais duras ao modo como a Europa está a evoluir? O que eles fazem é escolher uns mais europeístas outros menos europeístas para discutirem uns com os outros e acham que isso é pluralismo.

Um pensamento sobre “Pobre país, o nosso

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