Vamos lá ver o que isto dá

(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 04/12/2015)

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Baptista Bastos

O terrorismo e os foragidos de todos os medos vieram demonstrar as enormes fragilidades da “União.” Em pouco tempo, a Europa transformou-se numa fortaleza hostil, com muros, arame farpado e militares armados até aos dentes.

A União Europeia nunca existiu. Foi uma fábula que enganou muitos ingénuos e apenas serviu para consolidar a Alemanha como novo império, e alimentar o capitalismo com outro fôlego. Nada digo de original. O terrorismo e os foragidos de todos os medos vieram demonstrar as enormes fragilidades da “União.” Em pouco tempo, a Europa transformou-se numa fortaleza hostil, com muros, arame farpado e militares armados até aos dentes. Destinados a impedir, de qualquer forma, a invasão dos desesperados. O mito da fraternidade e da solidariedade europeia tombou com o estrondo que se conhece. E a Alemanha cimentou um império, com uma imperatriz vinda do Leste, um áulico desabusado, François Hollande, e uma série de reverentes lacaios, com particular relevo para os governantes portugueses, todos eles, sem excepção, um mais subserviente do que o anterior.

Será, acaso, a altura e a ocasião de perguntar a quem tem servido esta bizarra “União”? Os países europeus que mais sofreram com a estratégia político-económica aplicada com zelo e pressa foram, naturalmente, os mais débeis. Portugal foi o fraco dos fracos. Acedeu a todos os propósitos. A todas as imposições, fossem elas quais fossem. Passos Coelho, assim que trepou ao poder, declamou o empobrecimento do país, como forma de pagar a “dívida.” Nunca soubemos que raio de “dívida” era essa nem de que forma e feitio éramos devedores. Passos e os seus também afirmaram que estávamos à beira da bancarrota, aldrabice logo desmentida por inúmeros especialistas.

Foi desnecessária e imoral esta política de “austeridade”, que levou dois terços da população ao sofrimento mais atroz e à morte da esperança. O mais repugnante de isto tudo consistiu nas afirmações de Passos e de Maria Luís, segundo os quais “os cofres estão cheios.” Há algo de criminoso nesta gentalha, que passa ao lado do infortúnio de milhões de portugueses, a maioria dos quais velhos e crianças. Com a ascensão do novo Governo, e com o decorrer do tempo, muitas mais coisas vão ser reveladas, e aquele Montenegro, que aparece no Parlamento a sorrir sem graça, não tardará em desfazer a zombaria, mesmo que sejam poucos aqueles que os denunciem.

 Sabemos que vão ser dificultosos os tempos que aí vêm. Mas um tenebroso preconceito, que impedia o PCP de sequer almejar chegar ao poder, foi desfeito, pela persistência de António Costa e pela compreensão histórica de Jerónimo de Sousa, sem esquecer a lúcida combatividade de Catarina Martins. Com todas precauções que uma afirmativa desta natureza pode comportar, penso que se virou uma página da história política portuguesa, e que já era tempo de se entender que chegou uma nova época. Enfim: estamos cá para ver.


 Morte de dois jornais

O semanário Sol e o diário i fecharam as portas, atirando para o desemprego mais de cem profissionais. Não gosto de assistir ao encerramento de órgãos da Imprensa. Independentemente da minha opinião, a morte de jornais é, sempre e sempre, o calar de vozes e o desespero de muita gente que se vê privada do seu modo de vida. Em ambas as publicações, tinha amigos e camaradas que muito prezo e estimo. Sei, pelo saber da experiência, o que é ser atirado para o desemprego. Neste momento doloroso, quero enviar, a todos eles, sem excepção, o abraço circular da minha solidariedade.

4 pensamentos sobre “Vamos lá ver o que isto dá

  1. É sempre um prazer imenso ler o que escreve Baptista Bastos, um homem com uma lucidez de espírito e justeza naquilo que escreve. Concordo totalmente com o que escreve sobre o estado actual da União Europeia, mas não foi esse obtetívo que animou os seus fundadores..A Europa estava muito martirizada pela frequência de guerras que a destruíam e ceifavam tantas vidas. Os seu fundadores queriam acabar com esses ciclos de violência, Infelismente esse espírito durou o tempo de uma ou duas gerações e os novos leaders abandonaram todos esses valores que estiveram na origem da fundação dessa grande comunidade de nações.

  2. Pois é, meu querido BB. Também concordo, subscrevo e lamento, ao mesmo tempo que te agradeço o texto que eu gostaria de saber escrever assim, mas que me sinto incapaz, não apenas pela falta de tamanho engenho e arte que só aos privilegiados da pena pertencem, mas também porque ainda me não consegui habituar a escrever, sobre essa gentalha a que te referes, sem molhar a minha pena no vinagre.
    Lamento, designadamente pelas consequências de tão graves quanto enormes sequelas e que, necessariamente, tantos mais sacrifícios imporão até as sararmos. Não obstante, já tenho a impressão de que sinto, agora com este novo tempo anunciado, como que uma suave brisa, que desejo (e tenho esperança de) ver transformada em forte ventania, capaz de nos arrastar para um novo Portugal a caminho do do Glorioso ABRIL, se bem que, disso tenho plena consciência, no vértice da actual lusa pirâmide normativa, o leito por onde a esperança popular caminhava foi estreitado, enormemente comprimido e até perigosamente socalcado, dificultando-nos um percurso que, antes de 1982, não só estava facilitado, como o desaguar na sublime e nele anunciada foz se apresentava mais bem mais próximo.
    Mas não estranho. Antes pelo contrário, pois tudo o que se está a passar, se muito tem de novidade lusa (sempre foram 40 anos de governação do arco, depois de 48 de fascismo a que se seguiram os inolvidáveis cerca de 19 meses que, infelizmente já não terei tempo de revisitar), não deixa de ser o corolário natural, e já há muito enunciado, da agudização das contradições do sistema capitalista em que essa mesma gentalha, agora travestida de “pafistas”, nos continuam a querer mergulhar, ainda que alertados, por algumas vozes autorizadas, para os perigos, injustiças e crimes daí decorrentes, como, por exemplo, a do Papa Francisco, que não resisto a reproduzir alguns trechos em que os sublinhados são meus:
    «Creio que vivemos num sistema mundial a nível económico que não é bom. No centro de todo o sistema económico tem de estar o homem, o homem e a mulher, e tudo deveria estar ao serviço do homem, mas agora, no centro, está o dinheiro. O deus dinheiro. E caímos num pecado de idolatria, a idolatria do dinheiro. E com esse afã de ter mais, de querer mais, toda a economia se move descartando (…) Descartam-se as crianças, descartam-se os velhos. Já não servem, não produzem. É uma classe passiva. E ao descartar as crianças e os velhos, descarta-se o futuro de um povo, porque eles são o futuro de um povo. As crianças porque são elas que vão dar continuidade e os velhos porque são quem nos dá a sabedoria, são os que têm a memória desse povo e têm de a transmitir às crianças. Isso é descartado. E agora também está na moda descartar os jovens com o desemprego. Preocupa-me muito a taxa de desemprego actual. Alguém me fazia notar … não tenho os números muito presentes, que, com menos de 25 anos, há 75 milhões de desempregados, só na Europa. É uma barbaridade. Portanto descartamos toda uma geração. Para manter um sistema económico que … já não se sustém. E para se manter e equilibrar, tem de fazer o que faziam sempre os grandes impérios para sobreviver, fazer uma guerra. Como não se pode fazer a terceira guerra mundial, fazem-se guerras regionais, e o que significa isto? Que se fabricam armas, vendem-se armas e com isso, os balanços destas economias da idolatria, que são mundiais, obviamente, conseguem avançar. E a par disto, o pensamento único, que nos sonega a riqueza da diversidade de pensamento e, portanto, a riqueza de um diálogo entre pessoas. É uma globalização mal compreendida. A globalização bem compreendida é uma riqueza. (…) Por isso o pensamento único é um sistema económico mau e digo que é de idolatria porque sacrifica o homem em favor do ídolo dinheiro, (…) A política é uma das formas mais elevadas de amor, (…) Porque é feita em prol do bem comum. E uma pessoa que, podendo fazê-lo, não se empenha na política em prol do bem comum é egoísta, ou que use a política para proveito próprio, é corrupta.»
    Força, meu querido BB, porque, parafraseando alguém de má memória, direi que, contra essa gentalha: não seremos muitos, mas se formos todos, seremos os bastantes.

  3. E, em complemento, declamarei em alto e bom som, e até que a voz me doa:

    Cessem, de todo o sábio político e burguês,
    Os poderes que com promessas vãs têm alcançado;
    Cale-se de comentadores jornalistas e tê vês
    A fama das grandes vitórias que lhes têm dado;
    Que aqui recantarei o peito ilustre Português
    Que vergou Caetano e Spínola – o alucinado.
    E que cesse tudo dos saudosos do que então ruiu,
    Porque novas e gloriosas portas Abril abriu.

    E Vós, meu Povo humilde, que de tanto explorado,
    No campo na mina na fábrica no escritório
    Na escola na universidade ou desempregado,
    Que vais resistindo aos algozes desse relambório,
    Mesmo que sejas idoso ou estejas emigrado,
    Não queiras dar de novo para esse peditório.
    Agora diz ao teu algoz: que de Belém vai sair nu!
    E aos pafistas grita-lhes que quem mais ordena és Tu.

    Passos Coelho, pelo Relvas ajudado
    Em poucos anos subiu a um alto lugar,
    Perdeu agora a sua pena de voar,
    Ganhando a dura pena do derrotado.
    Já não tem no partido nem no aliado
    Asas suficientes com que se sustenha:
    Pobre do Pedro, não há mal que lhe não venha.

    Travestiu-se de PàF, p’ró Povo ludibriar,
    Mas, nas urnas, desta vez saiu derrotado,
    E, sentindo que assim ficou desasado,
    Sabe agora que não pode continuar,
    Nem o inquilino de Belém o ajudar,
    Mesmo que na fogueira lançasse mais lenha:
    Pobre do Pedro, não há mal que lhe não venha.

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