(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 16/05/2015)
A maioria deveria pedir desculpas em relação à receita aplicada, assente num erro no multiplicador e na ideia de que cortes na despesa têm um efeito virtuoso
O PSD atrasou-se no processo de redução da despesa pública e, por isso, devia pedir desculpa aos portugueses. E, em vez do colossal aumento de impostos, deveria ter feito uma colossal redução da despesa”, afirmou esta semana ao “Público” Eduardo Catroga. Vale a pena escutar com atenção o que nos diz Catroga: as suas declarações funcionam como uma guarda avançada do pensamento autêntico do PSD.
Qual é, então, o problema destas declarações? São falsas e o pedido de desculpas deveria ser feito, mas pelos motivos contrários. Não só o enorme aumento de impostos foi inferior ao brutal corte na despesa, como ocorreu numa fase posterior, para compensar o falhanço colossal da estratégia inicial do Governo, assente numa contração da despesa que se revelou catastrófica.
Como bem descreve Hugo Mendes num capítulo de “Governar com a troika: políticas públicas em tempo de austeridade”, durante o programa de assistência, a consolidação foi feita através de uma diminuição da despesa primária de €7,4 mil milhões e de um aumento de €4,5 mil milhões na receita. Sendo assim, a redução da despesa explica 2/3 da consolidação e o aumento de receita 1/3. Acontece que o ajustamento teve dois períodos distintos: um primeiro, no qual a despesa foi cortada de forma abruta, com uma redução superior a €10 mil milhões, acompanhada por uma quebra na receita de €2,7 milhões. Já após os chumbos do Tribunal Constitucional, enquanto foi eliminada uma parte importante dos cortes na despesa (€3 mil milhões), ocorreu um enorme aumento de impostos, traduzido numa subida da receita de €6,2 mil milhões.
Talvez o facto de o colossal corte na despesa ter ocorrido antes do colossal aumento de impostos explique a perceção errada de que a consolidação foi feita essencialmente do lado da receita.
E é aqui que deviam começar os pedidos de desculpa. Desde logo, em relação à receita aplicada, assente num erro no multiplicador e na ideia de que cortes na despesa têm um efeito virtuoso. A crença na austeridade expansionista, traduzida numa contração brusca da despesa, teve efeitos económicos devastadores.
Aliás, talvez seja importante perceber-se o que é que se quer dizer quando se afirma que o Governo deveria ter cortado mais na despesa. Como hoje já ninguém acredita na fraude dos “consumos intermédios”, estamos a falar de ainda mais cortes de salários e pensões?
Se o tema são os pedidos de desculpa, a maioria devia, então, começar por pedir desculpa às famílias dos 400 mil portugueses que emigraram e aos 400 mil que viram os seus empregos destruídos; às 65 mil crianças que deixaram de ter inglês no 1º ciclo; aos milhões de idosos que tiveram as suas pensões cortadas. É que, em importante medida, tudo isto foi consequência de uma estratégia de “ir além da troika”, assente na crença mágica de que um corte abrupto na despesa teria um efeito salvífico.
Certo. Mas mais gente devia pedir desculpa pelas previsoes catastroficas e superiores que permanentemente se têm mostrado erradas. Como dizia aquela cientista – o que mais prejudica a vida é a arrogancia.